NOTAS DE ESCURECIMENTO POR ESCRITO
Série de questões enviadas para escritoras negras e escritores pretos que gentilmente responderam
Escritor de hoje: NEGO PANDA
A REVOLTA
Eu sou a revolta dos malês
Gege, banto, efon e Nagô
Sou a revolta do povo
Que o opressor desacreditou
Sou o preto da favela
Visto sem perspectiva
Que hoje invade a cena
Imbalado em várias rimas
Eu sou você sua dor
Também sou seu sorriso
Eu sou porque nós somos
Então acredite nisso
Sou a força do arco íris
O axé de Oxumare
Sou ataré da costa
Aquecido no dendê
Eu sou a Língua afiada
Feito a navalha que corta
Também sou verso de amor
Batendo na sua porta
Sou esperança sou grito
Feito um ilá Ancestral
Sou ladainha chorada
No toque do berimbau
Eu sou o tambor ritmado
O rum que dobra pro Santo
Sou o vento de Yansã
Espalhando poesia aos cantos
Eu sou João Candido
O almirante negro
Isidoro o mártir, Manoel Congo
Carregado de enredo
Sem medo, grito a pleno pulmões
A sabedoria de mãe Beata
Encantando gerações
Sou a malicia de mestre Pastinha
O gingar de mestre Bimba
Sou fruto da ancestralidade
Embalado em tons de rima
CONVERSAS
NOTAS DE ESCURECIMENTO: Por gentileza, se apresente:
NEGO PANDA: Salve, meu nome é Elton Alexandre, conhecido como Nego Panda tenho 49 anos, filho de dona Alzira e seu Adolfo, nascido na zona leste de SP e crescido no litoral em Praia Grande. Eu era mais um que o sistema contava como estatística, mas consegui driblar as faltas de oportunidade, hoje sou formado em Pedagogia com especialização em psicopedagogia, mestre de Capoeira, poeta escritor, slammer, idealizador do Sarau das Ostras e da editora Periferia tem palavra, acadêmico da ALAPG Academia de letras e artes de Praia Grande ocupando a cadeira 15 (mãe Beata de Yemanja),
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como a sua ancestralidade está nos seus escritos?
NEGO PANDA: Eu sou porque nos somos, eu sou a continuação da luta dos que vieram antes de mim, minha poesia é a ginga malandreada negaceando a maldade, negaceando o racismo enraizada no Iroko.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é, para você ser uma escritor negro no Brasil?
NEGO PANDA: Essa questão pode ser respondida de diferentes formas, então vou escolher um caminho aqui que talvez o leitor não seja esperado, porque falar sobre a dificuldade de ser um negro escritor no Brasil seria chover no molhado. Ser um escritor negro no Brasil é entender que a palavra tem poder, e a gente precisa entender o poder que temos na mão, ninguém quer ser responsável por ninguém, mas a gente precisa entender a responsabilidade que a gente carrega quando está com a caneta na mão ou com o microfone declamando uma poesia. Porque é tipo assim, vamos lá: se você é um escritor(a)/ poeta que cola em saraus, slams, escolas, faculdades, você acaba se tornando uma referência principalmente para o jovem preto/a periférico, e é aí que volto pro mesmo ponto ser um escritor negro no Brasil é entender a responsabilidade, o peso e o impacto social da nossa escrita na população negra sobretudo nossa juventude.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Inspiração ou transpiração?
NEGO PANDA: Metade de mim é poesia, a outra metade também
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais são os seus principais temas?
NEGO PANDA: Escrevo contra o racismo, escrevo sobre empoderamento preto, ancestralidade, axé, capoeiragem, afeto, amor preto, ludicidade através de textos infantis.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é o seu processo de escrita?
NEGO PANDA: Meu processo de escrita não é apenas raiva, também não é somente revolta, ele parte da observação e partilha. Meu processo de escrita é Escrever com sentimento, com amor aos nossos e para os nossos.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é ou foram as suas relações com os seus pais?
NEGO PANDA: Sempre tive uma boa relação com minha mãe, ela também escrevia e sempre apoiou minha decisão de seguir pelo caminho artístico quando iniciei cantando rap, infelizmente minha mãe não chegou a ver os livros que publiquei, mas eu cheguei a cantar alguns rapazes que escrevi pra ela. Meu pai acreditava que a gente precisava trabalhar registrado, mas nunca me desencorajou, quando publiquei meu primeiro livro em 2011 meu pai estava presente, depois disso ele queria saber como estavam as coisas com a literatura quando ia lançar outro livro. No geral tive uma boa relação com minha mãe e com meu pai.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Tem um narrador ou eu lírico que sempre utiliza em sua literatura?
NEGO PANDA: Eu escrevo algumas poesias em primeira pessoa, outras não, pra falar a verdade eu nunca parei pra pensar nessa questão do eu lírico. Eu escrevo e cada escrita tem naquele momento seu narrador.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: O que também se faz palavras em seus escritos?
NEGO PANDA: Essa sua pergunta me fez lembrar de um trecho de uma música do Charlie Brown Jr: “Quem é de verdade sabe quem é de mentira”.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você leitor?
NEGO PANDA: Leio bastante coisa diferenciada, mas sobretudo literatura negra, capoeira, literatura infantil, periférica, cordel, poesia e sem esquecer os HQs.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como foi e é para você a publicação do Livro?
NEGO PANDA: Um sonho realizado e a partir daí eu peguei gosto tanto que comecei a organizar antologias e publicar outros autores, para que outros sonhos também pudessem ser realizados.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para que você escreve?
NEGO PANDA: Escrevo pra partilhar, pra denunciar, pra empoderar, pra levar autoestima, escrevo pra dizer que estou vivo e para que outros se sintam vivos.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais suas negras influencias?
NEGO PANDA: Vixi, são tantas!! Mestre Bimba, mãe Beata de Yemanja, Thaide e DJ Hum, Racionais Mcs, Jovelina Pérola Negra, Originais do Samba, DMN, Ederaldo Gentil (através de uma musica dele O ouro e a madeira surgiu a ideia do nome do Sarsu das Ostras), Cuti, Solano Trindade, Conceicão Evaristo, Elizandra Mjiba, Mel Duarte, Tata Alves, Makota Valdina, Nelson Maca, Elisa Lucinda, tenho um caminhão de referência.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual foi o seu primeiro e decisivo ato literário?
NEGO PANDA: Meu primeiro é decisivo ato literário, foi acreditar na minha escrita e entender que mesmo com as dificuldades eu poderia seguir por esse caminho a partir dai idealizei o Sarau das Ostras e hoje tenho uma editora voltada para autores negros(as), LGBTQIAP + e periféricos.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Conceição Evaristo cunhou um termo escrevivência. O termo aponta para uma dupla dimensão: é a vida que se escreve na vivência de cada pessoa, assim como cada um escreve o mundo que enfrenta. Essa ideia se faz letras em seus escritos?
NEGO PANDA: Minha escrita parte da minha vivência, da minha relação com o meio e da relação de como esse meio me trata, nos trata, mas é preciso falar que o que me move não é apenas a dor, mas também o amor, a ludicidade. Minha poesia é resultado disso das minhas vivências, desse processo de observação e de codificação do meio. Não sei se respondi sua questão.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você sendo Ancestral em seus escritos?
NEGO PANDA: Quando escrevo me conecto com meu interior, com meu exterior, com os que vieram antes de mim com os que estão presentes aqui e com os que virão no futuro, para que tenham conhecimento da nossa história, das nossas vivências e como diria Conceição Evaristo nossas escrevivências.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Cuti afirma que a LITERATURA NEGRO-BRASILEIRA além do negro em primeira pessoa, também prepara o leitor negro. Como tem sida a sua preparação?
NEGO PANDA: Minha preparação se faz diariamente, seja através da literatura oral quando diálogo com um mestre, uma mestra, quando vou beber água na fonte, ou quando leio autores negros, periféricos, me lembro na infância quando li o livro Ser negro no Brasil hoje, esse livro assim como a música do Racionais Mcs me ajudaram a observar as coisas de outra forma. Falar aqui desse ou daquele autor ou autora nesse processo de preparação é complicado, mas minha leitura caminha pela negroesia de Cuti, segue linhas de Mel Duarte, Solano Trindade, Elizandra Souza, Israel Neto, Carlos Assumpção, mestre Pastinha, mestre Cangiquinha, Mestre Noronha, entre outros nomes da poesia do afrofuturismo, da capoeira.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para quem você escreve?
NEGO PANDA: Escrevo pra população negra, pro povo de axé, da capoeira
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual a função social da sua literatura?
NEGO PANDA: Minha poesia é a que denúncia, que coloca o dedo na ferida, minha poesia canta dores, mas também canta vitória, costumo dizer; “Minha poesia é a dose descontrolada do descaso”. No meu primeiro livro escrevi que: “o poeta não inventa a poesia ele vive, sente o momento e esse momento se torna poesia”, na verdade esse momento é eternizado em poesia, seja caminhando em conflitos raciais, sociais, patriarcais. Minha poesia é a força da palavra dada por Exu no combate às desigualdades, na luta em favor das chamadas minorias. Minha literatura é antirracista, é decolonial.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quando se descobriu negro?
NEGO PANDA: Eu penso que a gente sempre sabe desde pequeno que é negro, o que a gente aprende a identificar, o que a gente descobre é o racismo, e a partir daí entender porque as coisas são diferentes pra nós, porque a abordagem policial em um jovem preto Periférico e de uma forma, em um jovem branco periférico é de outra, o que me fez entender essas questões foram o hip hop e a capoeira que conheci na infância e me envolvi na adolescência.
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