NOTAS DE ESCURECIMENTO POR ESCRITO
Série de questões enviadas para escritoras negras e escritores pretos que gentilmente responderam
Escritor de hoje: MARCELO ARIEL
Parte desse silêncio
“ Hoje estão consternados pelo silêncio do mundo naqueles dias. Amanhã farão parte desse silêncio”
Piotr Cywicz, diretor do Museu de Auschwitz
Parte desse silêncio em Ruanda
dissimulado pela prática comum do alheamento
Onde estão as latinhas, ele pergunta
Estão ali, juntamos um pouco de papelão também e umas garrafas vazias lá nos fundos
Parte desse silêncio na Síria
O choro nítido de alguém já morto
Uma vez mais a imagem me olha
O inconcebível
Baratas saindo de dentro dos corpos
pela boca, pelos olhos
por um instante somente os suicidas vivem
com um motivo
com uma chuva infinita
de bombas chamada
‘ Sua mãe ‘
Parte desse silêncio na Palestina
uma pomba voando
com um buraco de bala na asa
querubins em pedaços
nas ruínas de um berçário
O poema segue
flutuando na avenida
na perspectiva da desaparição
Parte desse silêncio
Na Aldeia do Mato Grosso
A memória não pode alcançar
O infinito que é seu principio
O ossário de raízes e flores
desconhecidas
uma trincheira rasa
no sorriso
o céu cedendo
enquanto o mar sobe
Parte desse silêncio
procurando outros
formando um grande Sol
visível apenas para os mortos – De Poemas dispersos.
CONVERSAS
NOTAS DE ESCURECIMENTO: Por gentileza, se apresente:
MARCELO ARIEL: Meu cavalo atende por Marcelo Ariel, sou o Exu Príncipe da Luz.
Como escreveu outro Exu chamado Nietzsche é necessário superar a si mesmo
e isso implica em assumir-se enquanto o meio de expressão da alteridade imanente ,
a denominação como humano é uma grande vacuidade, somos entidades animais e sobrenaturais. O humano é apenas o fantasma de um conceito.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quando se descobriu negro?
MARCELO ARIEL: Antes de nascer, eu era a matéria escura. Após meu primeiro nascimento sou a floresta encoberta. Continuar a nascer é a demanda de realização de um Uroboro, onde o mundo toca em si mesmo e depois dissolve-se em si mesmo.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você leitor?
MARCELO ARIEL: Leio tudo. O mundo precisa ser lido, pensado e ao mesmo tempo vivido, obviamente não existe nenhuma dicotomia entre a parte de nós que observa e a parte que age. Tudo é o livro dos sonhos. O que significa que não faço nenhuma distinção entre o livro e o não-livro.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais suas negras influências?
MARCELO ARIEL: Exus como John Coltrane, pombas giras como Elza Soares e Billie Holiday, o Preto Velho Machado de Assis e também a parte negra de Homero, a parte egípcia de Jesus.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Inspiração ou transpiração?
MARCELO ARIEL: Tudo é ação, tudo é mundificação, jamais escrevi coisa alguma, quem escreve é o mundo.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para quem você escreve?
MARCELO ARIEL: Para Ninguém, existe uma força que move a história chamada Força-Ninguém, escrevo para poder despertar a anti-força.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais são os seus principais temas?
MARCELO ARIEL: Perdão pela frase de efeito, para mim, todos os temas são periféricos em relação ao resplandecente centro de um grande silêncio. Talvez o tema de todos os meus poemas seja o mundo como um duplo.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é o seu processo de escrita?
MARCELO ARIEL: Não sei, apenas sinto. Sentir e lapidar o que vem do fluxo das infinitas variações.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como são ou foram as suas relações com ancestrais?
MARCELO ARIEL: Eu sou a vela que foi acesa para eles e também a fumaça que sairá da vela. Gosto muito de uma frase que ouvi do Preto velho Cuti Ancestral é quem te passa sabedoria, se não te passa sabedoria, não é ancestral.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual foi o seu primeiro e decisivo ato literário?
MARCELO ARIEL: Continuar a nascer através das palavras e não o contrário.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Tem um narrador ou eu lírico que sempre utiliza em sua literatura?
MARCELO ARIEL: O eu lírico jamais será um narrador confiável porque não existe de fato, o corpo é uma polifonia, no fundo escrevemos com o inconsciente e com o supraconsciente e lemos em estado de pré-sonho acordad, um dia escreveremos com o corpo, o pensamento do corpo inteiro, nesse dia descobriremos as vozes interiores do mundo.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como os seus mais novos estão nos seus escritos?
MARCELO ARIEL: Não sei o que pode significar essa pergunta, se por mais novos podemos entender as várias entidades iluminadas do antes, os meus mais novos estão presentes em tudo o que foi escrito.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como foi e é, para você, a publicação do Livro?
MARCELO ARIEL: Um falso triunfo, os que escrevem neste país recebem um simplório capital social e obviamente merecem bem mais do que isso.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é ser um escritor negro no Brasil?
MARCELO ARIEL: A difícil e necessária opção por seguir o indício de sinais que levarão a uma sublimação em detrimento da topologia cotidiana de um trauma coletivo.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para que você escreve?
MARCELO ARIEL: Há mais um Contra o que do que um Para. Escrevo contra o instituído.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: O que também se faz palavras em seus escritos?
MARCELO ARIEL: O Sonho , a fúria. Ainda estou longe de captar fielmente a voz das coisas, a voz desse instante que canta os órgãos sem eu.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual a função social da sua literatura?
MARCELO ARIEL: Destruir as noções do imutável.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Sendo possível, conte-nos cinco (5) livros da Literatura Negro-Brasileira que você avalia serem importantes
MARCELO ARIEL: É uma redução de algo imenso a uma lista, contudo temos essa doença das listas …Vamos lá: BROQUÉIS de CRUZ E SOUSA, ÁGUA-FUNDA de RUTH GUIMARÃES, MARROM E AMARELO de PAULO SCOTT, POEMAS REUNIDOS de MIRIAM ALVES e INVENÇÃO DE ORFEU de JORGE DE LIMA.
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