NOTAS DE ESCURECIMENTO POR ESCRITO
Série de questões enviadas para escritoras negras e escritores pretos que gentilmente responderam
Escritora de hoje: SELMINHA RAY
CREDO (METÁ METÁ)
Creio em tudo o que faço
Na ordem e no caos
Criadora das resistências e desistências
Nas lutas e nas falhas…
As minhas
Encho-me de poder e persistência
Jamais me calo
Mas às vezes me visto de silêncio
E respiro fundo pra firmar o Ori
Orixá não me deixa mentir
Articulo minhas estratégias
Como a cobra que se enrola na presa
E enforca pra devorar
Não sou boa;
sou justa.
Caço o que é meu por direito
Eu sou o ouro no fim do arco-íris
Contínuo
Divido o que tenho
E corro atrás do que não tenho
Pra que outras pessoas tenham acesso também
Subo
Desço
Paro
Caminho
No tempo-decorrer de tudo
Se volto, é pra pegar de volta o que deixei pra trás
Se avanço, é porque nada mais me assombra
Tenho fé
Em mim mesma.
CONVERSAS
NOTAS DE ESCURECIMENTO: Por gentileza, se apresente:
SELMINHA RAY: Sou Selminha Ray, multiartista, de Queimados, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro. Sou também graduada em Letras/Literaturas pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Escrevo desde os meus 14 anos, tenho poesias publicadas em algumas revistas literárias e antologias, incluindo Cadernos Negros (me faço presença no volume 45). Sou também pesquisadora de literatura negro-brasileira, revisora e transcritora dos manuscritos de Carolina Maria de Jesus publicados em livros pela Companhia das Letras.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para quem você escreve?
SELMINHA RAY: A priori, escrevo para quem quiser ler. Mas afirmo que minha escrita é também atravessada pela intencionalidade de atingir de maneira diferente pessoas que como eu não se viam representades em textos literários, fosse porque eram LGBTs, negros, mulheres, neurodivergentes, entre outros adjetivos. Quero que essas pessoas leiam meus escritos e pensem que elas podem não só ser representadas, mas escrever também.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como são ou foram as suas relações com os seus pais?
SELMINHA RAY: Minha mãe foi quem me alfabetizou e alimentou minha relação com os livros e a leitura. Era quem primeiro lia os textos que eu planejava publicar. Se não fosse por ela, eu não existiria como escritora. Foi muito bacana tê-la como mãe e como amiga, com quem dividia e debatia os livros. Todas as minhas publicações são dedicadas a ela, dona Darci.
Meu pai, apesar de ter uma relação mais próxima com as exatas, sempre foi uma pessoa leitora também, então sempre vi ele lendo nas manhãs e até hoje compartilhamos a leitura dos jornais na casa dele.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quando se descobriu negra?
SELMINHA RAY: Durante a graduação sem dúvidas me percebi negra. Por ser uma pessoa de pele clara e com ascendência indígena também, muitas vezes o racismo pelo qual passava pendia mais para o exotismo, então causava um certo incômodo, mas, como não era por meio de xingamentos, era mais complexo de entender. As experiências e estudos na universidade me proporcionaram o entendimento das relações raciais. Nessa época, participei de um grupo de pesquisa multidisciplinar chamado PET Conexões Baixada, em que líamos vários teóricos negros e tínhamos contato com produções diversas de pessoas negras. A passagem pelo PET foi fundamental para mim nesse processo.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você leitora?
SELMINHA RAY: Eu como leitora não sou nada convencional rs. Se leio para algum trabalho ou para pesquisa, tenho o olhar apurado em cada detalhe, seja ele estético, criativo, de contexto histórico… Mas como pessoa que quer pegar um livro para ler sem nenhum fim profissional, vejo se a história me agrada, se prende a minha atenção, se me leva para alguma reflexão ou se me distrai (dependendo da obra que escolher). Não tenho nenhum problema em parar uma leitura no meio e retomá-la meses depois ou simplesmente não retomar porque não me interessa ler aquela história no momento. Acho que ler é algo que pode ser divertido e eu conduzo de acordo com a minha vontade. Amo ler poemas e contos esporadicamente (raramente leio um livro de ambos os gêneros de uma vez só, gosto de saborear os textos). E sempre tenho um livro na bolsa.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como foi e é para você a publicação do Livro?
SELMINHA RAY: É sempre um agradecimento à espiritualidade por poder levar a minha escrita para mais pessoas.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais suas negras influências?
SELMINHA RAY: Acho que se eu fosse colocar todas aqui, teríamos umas 50 páginas de entrevista haha. Tenho muita influência da música e da fotografia nas minhas artes, mas vou citar somente as influências na escrita para a resposta não ficar tão grande rs. Sem dúvidas Carolina Maria de Jesus vem em primeiro lugar. Foi ela quem me ensinou a me colocar como escritora pro mundo. Depois, tenho muitas influências negras e fico feliz de poder conhecer pessoalmente muitas delas, tendo sido lida por algumas inclusive. Posso destacar aqui os escritores do coletivo de poetas negres da Baixada Fluminense que eu fundei, chamado Coletivo Tambografar. São eles: Sintq, Vitória Machado, Fellipe Guedes, Douglas, Luara de Oyá e Bruno Peçanha. Gosto muito da Thamires P. também, que tem uma escrita muito forte, potente. Átomo Pseudopoeta, que é um poeta incrível com um poder de articulação absurdo na escrita – ele também é da Baixada. Lisa Castro também é uma inspiração; ela tem uma poesia potente e ritmada que eu, como fã de hip hop desde meus 12 anos, adoro… Carolina Rocha, a Dandara Suburbana, e a Dandara Maria – poeta transgênero e lésbica – também me tocam muito com as suas escritas. Também amo a escrita dos que são mais conhecidos e têm mais tempo de estrada, como o Cuti, Oswaldo de Camargo, Elizandra Souza, Esmeralda Ribeiro, Conceição Evaristo, Cidinha da Silva… Alguns desses conheci recentemente no lançamento de Cadernos Negros 45 e foi incrível poder trocar com eles. Foi um encontro de muito axé.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual foi o seu primeiro e decisivo ato literário?
SELMINHA RAY: Sem dúvidas, escrever. Ao contrário do que muitos ainda pensam, considero que escrever é um exercício. Ninguém nasce escritor do dia para a noite. A minha escrita mudou muito ao longo do tempo. Então escrever foi o meu primeiro ato decisivo para ir de encontro com o que faço hoje, com a literatura que toca os meus leitores. Se eu não tivesse começado, não teria a possibilidade de ter continuado.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Conceição Evaristo cunhou um termo escrevivência. O termo aponta para uma dupla dimensão: é a vida que se escreve na vivência de cada pessoa, assim como cada um escreve o mundo que enfrenta. Essa ideia se faz letras em seus escritos?
SELMINHA RAY: Totalmente. Acredito que o conceito de escrevivencia é um conceito que perdurará por muito tempo no que diz respeito a arte feita por pessoas negras. Tudo o que fazemos é atravessado pelo que vivemos, pela forma particular e, ao mesmo tempo, coletiva que experenciamos o ser e estar nessa terra sendo negros. Escrevo sobre o que vivo, sobre o que outras pessoas como eu vivem, sentem, mesmo que seja de maneira distinta da minha. Crio fantasias com a experiência negra como pano de fundo. E poder escrever as nossas próprias histórias é algo que aprendi com os nossos mais velhos, que abrem espaço para mim e tantos outros poderem executar essa missão.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é, para você ser uma escritora negra no Brasil?
SELMINHA RAY: É ser persistente, resistente e insistente por fazer uma arte que não é bem remunerada e tampouco valorizada quando feita por mãos negras, queer e periféricas como eu.
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