NOTAS DE ESCURECIMENTO POR ESCRITO
Série de questões enviadas para escritoras negras e escritores pretos que gentilmente responderam
Escritora de hoje: Maria Lisbõa
2020 O “ANO QUE NÃO EXISTIU”
Quantos de nós estamos estarrecidos com os acontecimentos? Quantos de nós, principalmente os da minha geração, 50, 60, 70… Não estamos conseguindo assimilar o que de repente caiu em nossas vidas, sem pedir licença e sem cerimônias nos atacou, nos colocando de tal forma atados, que não vemos saída a curto, médio, longo prazo.
É uma guerra. Não aquelas que aprendemos nas escolas, mas uma que não temos como combater o inimigo, porque não sabemos nada dele.
Quando surgiu o “vírus” na China, achávamos que seria uma epidemia localizada. Subestimamos o poder do inimigo, tão perigoso, que pegou até mesmo renomados cientistas, pesquisadores e outros envolvidos, de surpresa, e ainda depois de quase 6 meses sem respostas efetivas para o inimigo mortal.
Para nós, pessoas ignorantes (no sentido de ignorar, não saber…), permanecemos sem saber em quem acreditar de fato, existem muitas dúvidas até para essas pessoas sérias que estão trabalhando sem descanso para descobrir alguma coisa que dê resultado de forma rápida e efetiva, uma vacina!
Infelizmente diante de todos esses casos, ainda existem pessoas que se aproveitam para tripudiar sobre outras com menos acesso aos serviços de saúde pública onde faltam os materiais necessários para atendê-los.
Outro fator lastimável, enfermidades que nada tem a ver com o tal vírus, estão sendo computadas aos doentes como se fosse, deixando os familiares sem saber o que fazer para desmentir tal ocorrido. Reza a lenda que um ex-presidente da França disse: “O Brasil não é um país sério!”, verdade ou não, estamos constatando a realidade.
Nosso país tem dimensões continentais. Os estados deveriam assumir o compromisso moral de tratar sua população conforme cada diferença cultural (índios, quilombolas, sertanejos, ribeirinhos…). Usar esta calamidade para capitalizar é no mínimo imoral!
Os médicos, enfermeiros, auxiliares as pessoas da linha de frente nos hospitais estão morrendo, senão da doença, pelo estresse, pela falta de atenção urgente que eles precisam e merecem.
Dentro do que acredito, esta situação inusitada, deveria ser o ápice do aprendizado para que nos tornássemos pessoas melhores. A doença está mostrando para o mundo que apesar de não estarmos TODOS no mesmo “barco”, estamos todos na mesma tempestade. E o interessante é que aqueles que se achavam inatingíveis, já morreram e ainda vão morrer.
Tenho medo sim, de morrer sem socorro, sem atenção, sem respeito, fazendo parte de mais uma estatística, mesmo que não seja da doença, contribuindo para sustentar o egoísmo, a desumanidade dos governantes dessa nação.
O Brasil parou, nada funciona, porque além das orientações de cautela, ainda se convive com o medo e a incerteza. Estamos sem rumo, sem um líder de fato que nos faça sentir menos órfãos.
Os meios de comunicação fazem o papel de alertar, mas também de apavorar, pois quanto mais audiência, mais dinheiro. É a lógica do capitalismo selvagem.
Estamos na metade do ano fatídico, e quais planejamentos estratégicos foram de fato implementados? Que políticas públicas efetivas estamos vendo com clareza e colocadas em prática? Como atender os que se sentem desprotegidos, sem informação precisa, ameaçados por mentiras? Como ficarão os estudantes e que aproveitamentos realmente terão obtido? As aulas online darão resultado para aqueles que tem acesso a internet, ou pais que com conhecimento o bastante para ajudá-los. Mais uma vez impera a desigualdade.
Observar essas coisas, não significa que sou PT ou comunista, significa que sou povo, e como povo vejo, sinto, vivo a realidade desse país tão desigual e desumano.
Faço parte do grupo de risco, mas o maior risco para mim é não enxergar o futuro para meus netos, que são negros e pobres, para meus amigos que perderam o emprego (inclusive minha filha!), para a maioria da população.
Quando sairmos dessa guerra, se sairmos
CONVERSAS
NOTAS DE ESCURECIMENTO: Por gentileza, se apresente:
MARIA LISBÕA: Maria Lisbõa, professora, 74 anos, escritora desde 1986; porém só em 2015 publiquei meu primeiro livro “Carências”.
Livros publicados
- Uma escola marginal (2015).
- Quem é dono da verdade (2017).
- Mulheres negras a frente do seu tempo (2020).
- Antologias: Baobás de concreto (2022).
- Poetize (2022)
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você leitora?
MARIA LISBÕA: Leio de tudo: Leitura afro-brasileira e Leitura sobre as minorias e biografias.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como foi e é para você a publicação do Livro?
MARIA LISBÕA: A realização de um sonho e que não tem idade para realizá-los.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para que você escreve?
MARIA LISBÕA: Uma necessidade de expor o que penso e tentar de alguma forma que outras pessoas se sintam representadas e que venham a refletir sobre suas histórias.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais suas negras influencias?
MARIA LISBÕA: Minha bisavó, minha avó, minha mãe. Escritoras ligadas à temática do povo preto.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como são ou foram as suas relações com seus pais?
MARIA LISBÕA: Muito boa, uma criança, uma adolescente, uma adulta muito bem cuidada, sempre comprometida com a educação familiar e formal (U.F.F.).
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual foi o seu primeiro e decisivo ato literário?
MARIA LISBÕA: A força dada por uma amiga e a publicação do meu 1º livro “Carências”.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Conceição Evaristo cunhou um termo escrevivência. O termo aponta para uma dupla dimensão: é a vida que se escreve na vivência de cada pessoa, assim como cada um escreve o mundo que enfrenta. Essa ideia se faz letras em seus escritos?
MARIA LISBÕA: Sim, mas tenho a minha própria forma de ver o mundo que vivo, independente das imposições sociais.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você sendo ancestral em seus escritos?
MARIA LISBÕA: Tenho como referências aqueles que vieram antes de mim. Sinto a responsabilidade de deixar para minhas filhas e netos a minha verdade, embora não seja absoluta.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Cuti afirma que a LITERATURA NEGRO-BRASILEIRA além do negro em primeira pessoa, também prepara o leitor negro. Como tem sida a sua preparação?
MARIA LISBÕA: Uso a minha intuição, que é dada por meus ancestrais e as coloco no papel
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como a sua ancestralidade está nos seus escritos?
MARIA LISBÕA: Eles são o meu espelho, a minha base, o compromisso de exaltar e mostrar seus sofrimentos.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é, para você ser uma escritora negra no Brasil?
MARIA LISBÕA: Além de ser um orgulho, sentir que faço parte de uma geração que conta a verdadeira história e seus pontos de vista.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Inspiração ou transpiração?
MARIA LISBÕA: Os dois, e muita vontade de contribuir na evolução do povo preto e minoritário.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais são os seus principais temas?
MARIA LISBÕA: Temas ligados a população marginalizados pela sociedade burguesa.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é o seu processo de escrita?
MARIA LISBÕA: Quando vem a inspiração eu sento e escrevo.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para quem você escreve?
MARIA LISBÕA: Para todas as pessoas, não escolho quem deve ler. Quero que a escrita sirva para que as pessoas vejam que existem outras possibilidades.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual a função social da sua literatura?
MARIA LISBÕA: Pessoas que tenham vontade de crescer culturalmente.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quando se descobriu negra?
MARIA LISBÕA: Sempre, minha família tem consciência de nossa negritude.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Tem um narrador ou eu lírico que sempre utiliza em sua literatura?
MARIA LISBÕA: Não, sempre coloco na 1ª pessoa.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: O que também se faz palavras em seus escritos?
MARIA LISBÕA: Empoderamento, autoestima, conhecimento, gratidão
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