NOTAS DE ESCURECIMENTO POR ESCRITO
Série de questões enviadas para escritoras negras e escritores pretos que gentilmente responderam
Escritor de hoje: JOSÉ BENTO ROSA
‘A EXPERIÊNCIA É O PENSAR COM OS PÉS’
O SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS E A CONSTRUÇÃO DA MINHA IDENTIDADE ÉTNICA/RACIAL.
Fragmentos por José Bento Rosa da Silva.
Fragmento 1: Entrei no seminário do Sagrado Coração de Jesus em Lavras [MG], minha terra natal, em fevereiro de 1973. Não me lembro bem o dia, mas estou certo que entre os dias 13 e 15 de fevereiro do dito ano. Ao contrário de muitos colegas, não ‘ganhei’ nenhum apelido. A princípio, eu era o irmão do Fú. Quem era o Fù? Era Donizete Bento Rosa da Silva, que havia concluído o ginásio na mesma Instituição, e com os demais colegas deveria seguir para o Seminário de Curitiba, na Vila Hauer, para cursar o científico. Tudo pronto para embarcar, mas por alguma razão ele desistiu em cima da hora, inclusive com passagem comprada. Posteriormente, Otir Bento Rosa da Silva, um ano mais novo do que eu, ingressou no seminário. Creio que ele tenha muito mais a contar sobre a experiência de ser negro no SCJ do que eu. Ele ordenou-se sacerdote na mesma congregação. Sei que, tanto ele, quanto eu e os demais negros que passaram pelo seminário SCJ, temos muito que contar sobre o ‘ser negro no mundo dos brancos’,-para usar uma expressão do sociólogo Florestan Fernandes.Mas como não estou aqui para falar da experiência deles, mas da minha, quero apenas dizer que há muita similaridade entre nossas experiências. Se somadas, poderemos falar em identidade coletiva a partir da etnicidade, ou da pertença racial.
FRAGMENTO 2: Não convivi com muitos negros em toda a minha experiência no SCJ. Aliás, a presença negra na estrutura da igreja católica apostólica era muito ‘tímida’, na linguagem da época. Hoje dizemos com todas as letras: tratava-se de um ‘racismo institucional’, disseminado em todas as instâncias da sociedade brasileira, como apontam as pesquisas. Em Lavras éramos: eu, Luiz Carlos da Silva, apelidado de Negão e/ou Chocolate [ele era da cidade de Varginha],o Pelezinho, do qual nem me lembro o nome, o ‘mijadinha’, do qual também não me lembro o nome [apelido que recebeu por urinar na cama],os irmão Gilberto e Gilmar, Sebastião Elias [o Linguiça]… estes últimos com cabelos menos crespos, pigmentação mais clara do que a nossa, que passavam por ‘mulatos’, morenos. Sofriam pelo estigma da cor, mas em menores proporções, uma vez que o racismo e o preconceito racial no Brasil incidem mais sobre os de pigmentação mais escura; não por acaso, Oracy Nogueira denominou: preconceito de marca.
FRAGMENTO 3: Esta ausência de conviveu levou-me a pensar: qual o lugar do negro na hierarquia da igreja católica? Na época, eu cursava o curso de Filosofia [na verdade licenciatura plena em Estudos Sociais na Fundação Educacional de Brusque] sob a direção dos padres do SCJ. Lembro-me que na época o único bispo negro no Brasil era Dom José Maria Pires, apelidado por alguns de Dom Pelé. Posteriormente, declarou-se Dom Zumbi, a partir da Missa dos Quilombos realizada no início dos anos oitenta, na cidade do Recife, por iniciativa da ‘ala da teologia da libertação’, do qual eu e outros éramos simpatizantes. O projeto não saiu da intenção, pois em novembro de 1980 ‘fui convidado a me retirar’ da instituição. Entre as alegações: vida religiosa frágil, me contrapartida, ativismo social. Talvez eu tivesse levado a sério o slogan do fundador da congregação, padre Leão João Dehon, que dizia, lá no século XIX; “Se as injustiças de nossa sociedade não são pecado então não existe …”
FRAGMENTO 4: Em Brusque, estive nos anos de 1979 e 1980. Em 1979 eu era o único negro, como na maioria das vezes; em 1980 chegou meu conterrâneo Carlos Jorge dos Santos [padre Carlinhos]. ‘Um mais um é sempre mais que dois’, mas não me lembro de termos confidenciados entre nós nossa experiência de negros na referida Instituição.
FRAGMENTO 5: O que me intrigava nos anos em que vivi no SCJ foi o número pequeno de negros no seminário. No seminário menor ainda havia um pouco mais do que no seminário maior. Poucos conseguimos chegar à filosofia ou à teologia. Menor número ainda os que conseguiram ordenarem-se padres. E para isso, uma condição, em minha opinião, era ‘metamorfosearem-se’ em discípulos de pai João. Qual seja, se resignar diante das piadas racistas, fazer ‘ouvidos de mercador’.
CONVERSAS
NOTAS DE ESCURECIMENTO: Por gentileza, se apresente:
JOSÉ BENTO ROSA: Sou José Bento Rosa, nascido em 03 de junho de 1959, na cidade de Lavras, MG. Filho de Bento Rezende da Silva[1919] expedicionário da FBE e de Rosa Madalena da Silva[1922], trabalhadora do Lar[ambos falecidos]. Sou o sétimo filho de uma família de onze.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você leitor?
JOSÉ BENTO ROSA: Sou negro de cor preta, um metro e setenta e cinco de altura, uso óculos, uso dread há mais de 15 anos, tenho fios de cabelos brancos.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como foi e é para você a publicação do Livro?
JOSÉ BENTO ROSA: Desde a infância eu gostava muito de ouvir as narrativas contadas pelo meu pai, sobretudo sobre sua convivência com ex-escravizados na infância, também sobre sua experiência de combatente na segunda guerra mundial. Também gosta de imitar o noticiário televiso O Repórter Esso. Na escola gostava de fazer composições, hoje se fala redação. Geralmente eu reproduzia , à minha maneira, um pouco do que ouvia de meu pai. Então escrever foi uma cultura apreendida a partir da leitura. Diga-se de passagem, aprendizado que veio de meu pai, que cursou apenas até o quinto ano. Posteriormente fez o Curso de Madureza, uma espécie de Educação para Adultos.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para que você escreve?
JOSÉ BENTO ROSA: Eu escrevo para dar visibilidade às coisas vividas, sobretudo das pessoas e grupos sociais historicamente excluídos ou à margem da sociedade, ou seja, uma espécie de ‘História dos de baixo’.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais suas negras influencias?
JOSÉ BENTO ROSA: De minha família, sobretudo dos pais e avó materna, a única que que conheci. Também da literatura negra.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual foi o seu primeiro e decisivo ato literário?
JOSÉ BENTO ROSA: Foi uma monografia sobre uma comunidade negra que até então estava na invisibilidade histórica, na cidade de Jaraguá do Sul- SC: A História dos negros do Morro da África.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você sendo ancestral em seus escritos?
JOSÉ BENTO ROSA: Me considero apenas um elo de outros que vieram ates de mim, e, por alguns motivos não tiveram a mesma oportunidade de ganhar uma certa visibilidade como eu tive a oportunidade de ter.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Cuti afirma que a LITERATURA NEGRO-BRASILEIRA além do negro em primeira pessoa, também prepara o leitor negro. Como tem sida a sua preparação?
JOSÉ BENTO ROSA: Concordo plenamente com ele. Olha, sinto que minhas escritas, sobretudo e forma de Ensaios, tem inspirados muitos negros e negras.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como a sua ancestralidade está nos seus escritos?
JOSÉ BENTO ROSA: Costumo dizer que: “Quando escrevo, me inscrevo e subscrevo-me”. Que me lê, me conhece pela escrita.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é, para você ser um escritor negro no Brasil?
JOSÉ BENTO ROSA: Uma experiência existencial. Eu preciso escrever, nem que sea para ficar nos arquivos do computador. A escrita me faz falta. Ela me inspira a escrever sempre mais. E oque me faz escrever são as observações do cotidiano, fruto de uma leitura, de vivências individuais ou coletivas. A vida é a matéria prima de meus escritos
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Inspiração ou transpiração?
JOSÉ BENTO ROSA: Inspiração, transpiração, observação, sensibilidade. Sem sensibilidade não há texto, ao menos no meu caso.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais são os seus principais temas?
JOSÉ BENTO ROSA: Vidas de pessoas e grupos historicamente excluídos, ‘pessoas comuns’.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é o seu processo de escrita?
JOSÉ BENTO ROSA: Observo, depois ‘rumino a observação’, muitas vezes caminhando, ouvindo música, lavando louça ou fazendo atividades doméstica, isso por levar dias. Coloco no papel o que penso ser as ideia mestras e depois começo a escrever, às vezes de forma compulsiva…
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para quem você escreve?
JOSÉ BENTO ROSA: Escrevo para os outros, sobretudo para o grupo étnico-racial e social do qual eu pertenço, mas também, como eu disse, escrevo para viver, a escrita não cabe dentro de mim, ela precisa voar, sair, materializa-se.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual a função social da sua literatura?
JOSÉ BENTO ROSA: Fazer as pessoas sentirem-se sujeitos das suas histórias.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quando se descobriu negro?
JOSÉ BENTO ROSA: Quando entrei na escola, mais ou menos aos sete para oito anos de idade. Na casa dos meus pais, no bairro onde eu morava, eu era José Bento Rosa da Silva, ou o Zezé[apelido de família]; quando entrei na escola, por se o único homem negro da sala, eu passei a ser o pretinho. No entanto, tinha uma outra colega negra, mas ela não era chamada de pretinha.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Oralitura – definido por Leda Martins que usa o termo para designar as histórias e os saberes ancestrais passados não apenas através da literatura, mas também em manifestações performáticas culturais. Esse conceito se faz palavras em seus escritos?
JOSÉ BENTO ROSA: Com esta denominação não. Aliás, eu não conhecia. Mas acredito que ela está contida nos meus escritos.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como são ou foram as suas relações com seus pais?
JOSÉ BENTO ROSA: Sai da casa dos meus pais adolescente, estudei em colégio interno, mas nas férias ida pra casa. Na infância foi uma vivência intensa com meus pais e irmãos.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Tem um narrador ou eu lírico que sempre utiliza em sua literatura?
JOSÉ BENTO ROSA: Tenho muitos, ente eles Milton Nascimento, ou seja, me inspiro muito em suas composições, que pra mim, são poesias.
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