SEM MIM OCÊ NUM NASCIA por Plínio Camillo
Desde o primeiro gole, dado pelo nagô Samuel, atrás da casa grande, Cosme ficou fascinado pelo negro.
Adorava ouvir a voz daquele homem, maior que a mangueira, quando dizia:
— Da ninhada, ocê é meu preferido.
Ansiava pelos tapinhas daquelas grandes e macias mãos,
— Sem saliência, negrinho, bebe num gole só!
Deleitava com os chutes na bunda.
— Vorta pra sua mãe, seu coisinha-ruim!
Samuel era o guarda-sol do Seo Fabiano, senhor de todos e de tudo.
O menino venerava tanto o negro que até babava!
Ia sempre para senzala, foliando, com os presentes, doces tirados da cozinha, para dividir com os irmãos.
Um dia, quando a mãe, a mina Luiza, catava piolho.
— Vô se qui nem o Samuel — e tomou uma tapa na orelha. Estendido no chão batido e sem chorar pois macho nem alto geme, ainda tomou um chute na boca. A mãe urrou:
— Se Baguá!?! Nunca, viu? Mato antes!! — … e foi chorar no capinzal.
— Qui qui é baguá?
— Bobagem, crioulinho, ganância dos fracos! Só faço o qui mi manda…
— Se é um baguá?
— Calaboca seu coisinha ruim, presta atenção: só faço o qui mi manda … e faço muitas negrinha feliz, sabia? Pregunte pra sua mãe?
Não questionou, tentou descobrir por si, mas a cachaça não deixava ir muito longe.
Cosme foi crescendo e descobrindo o que Samuel era.
A admiração criou vingança.
A aguardente companheira.
A mãe mais distante cada vez que prenhava.
Mas, sempre, no canto atrás da cozinha, dividiam um esquenta corpo.
A vingança cresceu., quando Cosme, trabalhando com a criação, viu a mãe, já seca, ser vendida para uma fazenda muito depois de Campinas. Nem chorar pôde, pois macho num lamenta, disse Samuel num gole só.
Excomungado. Coisa-Ruim.
Cosme, quando pequeno, era levado para longe, mas com quase quinze anos, viu quando o Seo Fabiano, chicoteando, mandou as negrinhas novas correr para o capinzal. Depois, mandou trazer o Samuel, lustroso, descansado e nu, adentrar atrás delas! Num deixaram o Cosme sair até, muito depois, a última ser carregada empapada em sangue.
Capinador. Lambe botas.
Cosme e a negrada fizeram o telhado da casa de recolhimento do Samuel. Viu quando um feitor separou escravas, deu banho nelas, mandou entrar. Depois, pediu, com voz e olhos baixos, para o Samuel entrar. Deu até uns tapinhas nas costas e trancou todos dentro. Saíram de lá somente dois meses depois.
Pé Branco. Alma sebosa.
Capinando o terreno mais longe, Cosme viu Lucélia, negra congo que alegrava sua garganta e deixava sóbrio seus desejos, prenhe e feliz.
— A gente come o que ele come, do bom e du melhor!
Pinga no senhor na goela.
Enxadada no meio da perna.
Grito.
Cosme sorri.
— Sem mim, ocê num nascia — Disse o infeliz do Samuel com o gume na garganta
Cosme sorri e chora:
— Sem ocê… eu nem nascia e talvez, tu num morria.
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