NOTAS DE ESCURECIMENTO POR ESCRITO
Série de questões enviadas para escritoras negras e escritores pretos que gentilmente responderam
Escritora de hoje: JULIANA SANKOFA
Minha língua é chave-mestra
Abre portas,
Abre doces rachaduras…
fecha tantas outras.
Quando não uso a chave,
dedilho possibilidades
Escrevo um verso ou outro
com os desejos esculpidos
de amor e dúvida…
CONVERSA
NOTAS DE ESCURECIMENTO: Por gentileza, se apresente:
JULIANA SANKOFA: Meu nome é Juliana Sankofa. Sou pesquisadora em estudos literários, doutoranda em estudos literários pela UFU. Sou também pretativista e escritora. Nasci em João Monlevade em 02/02/1990, registrada como Juliana Cristina Costa. Eu tenho 5 irmãs e 3 irmãos, dentre elas, a minha gêmea Júlia Costa.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como a sua ancestralidade está nos seus escritos?
JULIANA SANKOFA: A minha ancestralidade é o meu legado moral e espiritual que me permite ter o incômodo com a ordem social da forma que é: excludente e brancocentrica. É a necessidade de vozear e existir mediante a voz de forma a fornecer contribuição também a minha coletividade. A minha escrita é grito com vários sussurros. É uma necessidade, para mim, vital de expressão, tanto literária como acadêmica.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é, para você ser uma escritora negra no Brasil?
JULIANA SANKOFA: É escrever a partir da invisibilidade e do silenciamento contínuos. É dizer que é escritora e as pessoas duvidarem, porque o seu fenotípico não condiz com o imaginário do que é ser escritora no Brasil. É difícil ser escritora no Brasil no que se refere ao reconhecimento, é difícil ao que envolve a observação da sociedade como material simbólico para construção estética. É fácil apenas quando se expressa pela escrita tudo que circula no laboratório da razão, a cabeça.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Inspiração ou transpiração?
JULIANA SANKOFA: Com certeza transpiração. A escrita surge pela gana de expressão que não pode ser controlada. É ter vontade de escrever e ter que ser no aqui e agora. Sem tempo para depois, por isso, ando sempre com uma caneta e um papel. Quando escrevo alivia, é um refresco.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais são os seus principais temas?
JULIANA SANKOFA: Meus temas principais são vida acadêmica, racismo, saúde mental, necessidade de voz, violência policial.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é o seu processo de escrita?
JULIANA SANKOFA: Eu preciso da observação e reflexão das coisas em minha volta… para associá-las as teorias sociais que eu aprendo na academia ou no movimento negro. Assim, escrevo.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é ou foram as suas relações com os seus pais?
JULIANA SANKOFA: Meu genitor foi negligente e abusivo. Minha mãe, mainha, tenho desenvolvido uma relação mais de amizade do que uma relação mãe-filha, devido ao processo de criação mesmo. Gosto muito de mainha, sei que ela é subjetivamente construída pelas faltas de oportunidades e violências que foi alvo. Além dela, tenho mais duas mães. A Maria Creusa, a qual chamo de mãe acadêmica, por ter me influenciado a entrar na universidade, e a Sylvia Franceschini que me ensinou questões tão relevantes na esfera do se relacionar amorosamente com os outros, ter paixão em tudo que se faz. Então, são três mães: a primeira devo o vir ao mundo, a segunda o direcionamento para vida e a terceira o direcionamento para os afetos.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Tem um narrador ou eu lírico que sempre utiliza em sua literatura?
JULIANA SANKOFA: O eu-lírico que eu utilizo é o de cada momento. Não sou eu, mas não é um elemento fixo e nem masculino. É a voz do instante que eu escrevo.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: O que também se faz palavras em seus escritos?
JULIANA SANKOFA: Tenho feito palavras as minhas experiências em relação a minha sexualidade, a descoberta de como existo em termos de sexualidade. Além de luta, também faço pelas palavras reflexões nessa ordem do olhar para si. A vida social faz com que fiquemos sempre no fronte, olhando para frente, e pouco se é o tempo para olhar para dentro e enfrentar ultrapassou as nossas barreiras subjetivas e se instalou impedindo de nos ver de forma profunda.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você leitora?
JULIANA SANKOFA: A vida acadêmica exige muitas leituras teóricas, à medida que possível, eu leio obras literárias. Eu leio teoria como trabalho acadêmico e leio literatura como lazer. Amo ler poesia, por ser uma leitura mais rápida e amo ler textos narrativos longos que demanda mais tempo, mas eu seleciono leituras que irão me prender o interesse. Esses dias eu estou lendo o Grande Sertão Veredas, edição nova, que eu ganhei de uma amiga.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como foi e é para você a publicação do Livro?
JULIANA SANKOFA: Eu participei inicialmente da publicação coletiva dos Cadernos Negros, em 2014, foi um marco divisor na minha vida, foi o momento, o da publicação, que eu me vir escritora, por mais que eu escrevesse desde os 12 anos ou antes. Esse ano irá sair uma publicação bilingue de poemas, não sei qual sentimentos isso trará assim que concretizar, mas é bom. Contudo, não acho que eu me realizo na publicação de livro, eu me realizo na publicação dos meus poemas nas redes sociais. É publicação, já que está disponível ao público-leitor. Meu reconhecimento se dá mais pela leitura do público nas redes sociais do que em livros.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para que você escreve?
JULIANA SANKOFA: Eu escrevo para “afetar” concepções e subjetividades sobre questões entorno do racismo, colonialidade ou sobre mulheres negras.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais suas negras influencias?
JULIANA SANKOFA: Miriam Alves é minha influência literária. Inclusive, acho minha escrita muito parecida com os primeiros escritos de Miriam, o grito nas entrelinhas, eu gosto disso. Na academia, eu sou influenciada por uma gama de intelectuais negros: Denise Carrascosa, Christian Sales, Fernanda Miranda, Barbara Christian, Audre Lorde, Saidiya Hartman, Leda Martins, Fanon, Glissant, Cuti, Lourenço Cardoso, etc. Muitas das minhas influências são mulheres. Essa lista ainda está injusta, porque não consegui nomear aqui todas as minhas influências.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual foi o seu primeiro e decisivo ato literário?
JULIANA SANKOFA: Participar da publicação dos Cadernos Negros 39
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Conceição Evaristo cunhou um termo escrevivência. O termo aponta para uma dupla dimensão: é a vida que se escreve na vivência de cada pessoa, assim como cada um escreve o mundo que enfrenta. Essa ideia se faz letras em seus escritos?
JULIANA SANKOFA: Eu não me identifico com esse conceito e nem acho que ele explica todas as produções na literatura negra. Acho que a crítica literária branca provocou em mim um ranço ao usar esse conceito como determinante de toda produção negra, é um conceito válido, surgido a partir do olhar de Evaristo sobre a sua própria escrita e enquanto leitora também. Eu não faço escrevivência, se for, para escolher um termo, eu faço é guerra, uma guerra contra denominações e cristalizações sobre o que eu sou e o que somos.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Cuti afirma que a LITERATURA NEGRO-BRASILEIRA além do negro em primeira pessoa, também prepara o leitor negro. Como tem sida a sua preparação?
JULIANA SANKOFA: A literatura negra brasileira, em sua maioria, prepara o leitor para ver o mundo para além da lente do hegemônico. Quando leio literatura negra, de forma geral, eu saio fortalecida, compreendo melhor questões em minha volta, suporto melhor a realidade. Não sei explicar, o efeito catártico da literatura negra em mim é diferente do que eu sinto quando leio os autores brancos. Na primeira eu saio fortalecida, na segunda apenas reflexiva.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para quem você escreve?
JULIANA SANKOFA: Eu escrevo primeiro para mim, eu sou a minha primeira leitora. Depois de mim, escrevo para todo mundo.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual a função social da sua literatura?
JULIANA SANKOFA: Gerar o incômodo, o conflito interno. A maioria dos feedbacks que eu recebo é do incômodo que aquilo que eu escrevo gera. Não só o incômodo dos brancos, das pessoas pretas também. Ninguém mediante do incômodo me disse que eu estava mentindo, apenas me disseram “você não podem fazer isso” sem me explicar plenamente o que eu fiz. O incômodo que eu provoco é indizível. E é do indizível que eu escrevo.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quando se descobriu negra?
JULIANA SANKOFA: A primeira vez que vi meu reflexo no espelho. Agora, a primeira vez que eu compreendi que o racismo é devastador foi aos 21 anos na Universidade.
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