NOTAS DE ESCURECIMENTO POR ESCRITO
Série de questões enviadas para escritoras negras e escritores pretos que gentilmente responderam
Escritor de hoje: JEFFERSON DANTAS
COMO ESTOU?
Você me perguntou como estou.
Enfim, estou bem!
E pauso longamente para pensar.
Sou grato por perguntar.
Talvez por fora esteja melhor que por dentro.
Ou nem tanto.
Os joelhos doem bastante.
A coluna não me deixa em paz.
Mas isso é só matéria.
Quando me perguntam como estou, eu penso que
Talvez disfarçando todos os dias pra não chorar.
Talvez vendo no espelho um reflexo disfarçado da dor.
Ninguém vá notar.
Sempre que me perguntam:
Como você está?
Levo alguns segundos esperançosos de que queiram realmente saber como estou.
Mas vejo que não vale a pena perturbar a paz alheia. E me calo.
Deixo pra chorar minhas mágoas sozinho
Arrasto, como um fantasma, minhas correntes de madrugada.
Não tenho o direito de perturbar alguém.
Aprendi a fingir estar bem.
Ninguém nunca notou realmente a diferença.
E assim vou caminhando.
Como estou?
Bem, estou com uma vontade enorme de acabar com tudo.
Com a origem da dor
Mas estou bem.
Eu estou sem saber quem sou.
Mas…
Quem se importa?
Como estou?
Pronto para partir.
Só falta me despedir dos meus grandes amores.
E na possível despedida eu vejo que é melhor ficar um pouquinho mais.
Um dia posso contar como estou.
Mas acho que ninguém realmente quer saber.
Então estou bem.
Quem se importa?
Mas meus ancestrais sabem que não estou nada bem
CONVERSA
NOTAS DE ESCURECIMENTO: Por gentileza, se apresente:
JEFFERSON DANTAS: Meu nome é Jefferson Luiz de Souza Dantas. Cidadão negro, artista plástico, poeta e professor de história. Casado com uma negra linda chamada Alice Dantas e pai de um curioso e inteligente menino chamado Almir Neto. Atualmente cursando na UFRRJ o curso de Educação do Campo, floresta e das águas. Perdido de mim mesmo durante anos, renascido pelas mãos do matriarcado negro. Redescobrindo minha função neste mundo do qual nunca soube me encaixar ou compreender. Após saber quem eu sou, comecei a ver que existem possibilidades de ver beleza neste mundo.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quando se descobriu negro?
JEFFERSON DANTAS: Há pouco tempo. É uma aventura maravilhosa. Descobrir um mundo bem ao meu lado que por não saber minha real função nele, não sabia identificar meu potencial. Ainda estou construindo esta humanidade negra, artística e poética.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é ou foram as suas relações com os seus pais?
JEFFERSON DANTAS: Filho de um nordestino porreta, militar da marinha que nunca militarizou a alma e de uma dona de casa que nos anos 1980 resolveu estudar e tornou-se professora primária.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como a sua ancestralidade estão nos seus escritos?
JEFFERSON DANTAS: Após a descoberta de minha negritude estou enamorado e encantado com a beleza dos que vieram pela Diáspora e me senti herdeiro de uma gente forte, pois apesar de toda sorte da maldade escravocrata conseguiu sobreviver com dignidade. Descobri não somente a ancestralidade dos encantados da África, mas também a força da minha ancestralidade indígena. Repensei a grandiosidade de quem sofreu ainda nos primórdios da grande ofensa da escravização e de quem trabalhou duro nas casas de família desde a abolição até o conjunto do século XX. Minha avó Maria de Souza, mulher que não coube em si mesma de tamanha grandiosidade. Eu sou herdeiro dela. Sou herdeiro de outra mulher grandiosa que é minha mãe. Hoje com 78 anos e pernas rápidas e língua afiada nas respostas inteligentes e Perspicazes. Sou bisneto de uma avó branca portuguesa de nascença que enfrentou o pai no início do século XX para viver seu grande amor com um indigena nordestino. Sou sobrinho de uma tia que é feita de açúcar de tão doce quanto a socialidade da vida pode impregnar uma pessoa. Sou irmão de mulheres capazes de mover o mundo para defender seus ideais. Sou casado, namorado, amante de uma negra silenciosa e que só abre a boca para dizer carinhosamente suas certezas de mundo. Sou neto de um pedreiro que ajudou a construir o. MARACANÃ, neto também de outro avô analfabeto, alcoólatra e que deixou histórias de bravura e outras tantas molecagens em Pernambuco. Mas agora eu sou apenas aquele que lê esta ancestralidade e tentar ser digno deste merecimento.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é, na sua opinião, a função social da sua literatura?
JEFFERSON DANTAS: No momento é a literatura que está salvando minha vida.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é, para você ser um escritor negro no Brasil?
JEFFERSON DANTAS: Sou herdeiro da oralidade dos povos negros e indígenas Não da escrita. Mas tenho que verter esta minha herança em escrita. Somente para registro cartório, as letras estão eternizando aquilo que o mundo me atravessa. Mas acho que após escrito, o que me encanta é ver minha poesia, contos entre outros flutuando pelas ondas sonoras. O som da poesia que escrevo me encanta muito mais de sentar e ler. Preciso ouvi-la para sentir o real sentido dela.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Inspiração ou transpiração?
JEFFERSON DANTAS: Inspiração. Aprendendo a transpirar. Aprendendo através da academia as regras. Mas sempre tentando subverter a ordem.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é o seu processo de escrita?
JEFFERSON DANTAS: Observo o mundo. Sou um cidadão que usa os sentidos para sentir o pulsar da vida que me circunda. Das crianças aos mais velhos, estes me inspiram
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Tem um narrador ou eu lírico que sempre utiliza em sua literatura?
JEFFERSON DANTAS: Uma mulher ora negra ora indigena, gorda, que adora cozinhar, abusada, que gostosamente ama as pessoas e não foge da briga.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: O que também se faz palavras em seus escritos?
JEFFERSON DANTAS: Combater a indignidade racista, amar minha preta cheirosa.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais são os seus principais temas?
JEFFERSON DANTAS: Crianças, lutas sociais. Reconhecimento de minha negritude indigena. Sou um caboclo.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você leitor?
JEFFERSON DANTAS: Reconheci que tenho um problema de TDAH. Hoje desenvolvo técnicas para amenizar este desconforto.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como foi e é para você a publicação de um livro?
JEFFERSON DANTAS: Já participei de 3 antologias. Mas publicação solo eu acho muito distante. Não tenho dinheiro suficiente nem para dar dignidade a minha família. Então vou me divertindo com as vozes que tomam pra si minhas escritas e a transformam em som. A voz me encanta. O livro é algo distante. Parei de sonhar. Acho que, no momento, ainda não me pertence.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais suas negras influencias?
JEFFERSON DANTAS: Minha ancestralidade consanguíneo, Conceição Evaristo, esposa, Ailton Krenak, Daniel Mandukuru, Beatriz Nascimento, Lelia González, Lima Barreto…mas acima de tudo a voz dos que não possuem a autorização da academia para falar. As influências dos descalços, das lavadeiras, dos que pegam trem lotado. A voz que ecoa no submundo dos esquecidos do qual sou parte intrínseca.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual foi o seu primeiro e decisivo ato literário?
JEFFERSON DANTAS: Ler o mundo que me cerca. Tem tantas coisas escritas e percebo que passei muitos anos analfabeto dele. Hoje me redimindo e me achando nele. O mundo de quem não tem o direito da fala. Sou um voraz leitor do mundo. Desde o carinho da avó a bala perdida que acha invariavelmente os nossos corpos pretos e indígenas. Depois de ler o mundo, tento colocar em palavras escritas 3 simples a minha visão. Não foi o primeiro texto, mas a primeira poesia que me marcou – os sete pecados na capital – foi dentro da academia deliberadamente descartada, como lixo literário. A ofensa foi tão profunda que parei de mostrar a todos o que escrevia. Mas ao mostrar a uma matriarca, viu beleza e sensibilidade. Retomado do silêncio autopunitivo, resolvi que ninguém mais me calaria. E hoje grito ao mundo a minha poesia torta e sem rima. Se não gostarem não é problema meu. Vou continuar escrevendo.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para quem você escreve?
JEFFERSON DANTAS: Para as bocas sem dente. Para os meus irmãos negros e indígenas, para as mulheres guerreiras, para o mau amor maior Alice, para todos que se indignam frente ao racismo. Para as crianças enfim pra mim mesmo.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para que você escreve?
JEFFERSON DANTAS: Para não mais chorar sozinho sem sentido. Meu choro tem que ter uma função. Tenho que esvaziar minhas angústias.
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