NOTAS DE ESCURECIMENTO POR ESCRITO
Série de questões enviadas para escritoras negras e escritores pretos que gentilmente responderam
Escritora de hoje: Sandra Coleman
“A coisa mais importante a ser destacada sobre a minha mãe é que ela nunca permitiu que meu pai batesse na gente. Ela dizia, “filha minha, homem nenhum bate, nem o pai. Não pari filha pra homem bater”. E meu pai obedecia sem questionar.” (Coleman, 2020, p.294)
CONVERSAS
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Por gentileza, se apresente:
SANDRA COLEMAN: Sou Sandra Coleman. Bisneta de João da Cruz Rocha, Maria Amélia Martes e Maria da Conceição Braz. Neta de Maria Rocha Barbosa, Osvaldo Barbosa e Francelina Jovita Soares. Sou a filha mais velha de Maria Helena e Henrique. Taurina. Casada com um afro-americano – casamento que chegou quando eu já tinha 40 anos. Gargalhadeira, é o título que recebi da Dra. Helena Theodoro. Tenho mestrado e bacharelado pela Universidade do Estado de Nova York (SUNY New Paltz). Sou organizadora dos livros: Mulheres Negras Brasileiras Presença e Poder: da exposição ao livro (2020); Filhos Pais e Avôs Narrativas de Presença e Poder (2021), ambos pela Editora CRV; e Merendas e Afetos Narrativas de Presença e Poder (2024), pela Editora Revista África e Africanidades. Amo viajar, conhecer pessoas e suas histórias, sambar e comer.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quando se descobriu negra?
SANDRA COLEMAN: Nasci em uma família preta. Sempre soube que era preta. Porém, minha consciência racial só chegou quando eu tinha 38 anos. Porque até então, eu era rodeada de pessoas não pretas, que eu não sabia serem racistas. Assim, eu concordava com tudo que essas pessoas falavam. Na adolescência, quando a Gloria Maria aparecia no jornal, meu pai dizia: “tem que estudar para ser igual a ela”. Essa fala do meu pai é algo que nunca saiu da minha memória. Acho que se tornou um mantra para mim.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é ou foram as suas relações com os seus pais?
SANDRA COLEMAN: Meu relacionamento com meus pais não foi igual a da família de propaganda de margarina e nem foi como eu faria se tivesse tido filhos. Era uma relação de medo. Meu pai era alcoólatra.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como a sua ancestralidade está nos seus escritos?
SANDRA COLEMAN: A ancestralidade tem uma presença muito forte na minha escrita. Em todos os livros que organizo, faço questão de trazer a origem da pessoa da qual estou escrevendo a narrativa: “quem foram seus bisavôs, seus avôs?”. Tento extrair o máximo que a pessoa sabe sobre seus antepassados. No livro dos homens, um entrevistado procurou um primo que mora no interior da Bahia. Esse primo foi até a igreja da cidade e consegui uma cópia da certidão de casamento dos avôs datada de 1916: foi uma emoção muito grande.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é, na sua opinião, a função social da sua literatura?
SANDRA COLEMAN: Trabalho com a escrevivência. As obras que organizo não são ficção, são narrativas de vida. Penso que a literatura de ficção e não ficção traz para o leitor um pouco de sonho e realidade. Eu, por exemplo, sonho lendo Conceição Evaristo ou Eliane Alves Cruz. E, vejo muito do sofrimento dos meus antepassados na biografia de Ida B. Wells e Rosa Parks.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é, para você, ser uma escritora negra no Brasil?
SANDRA COLEMAN: É uma experiência maravilhosa. Nunca havia passado em minha mente que um dia eu seria a pessoa que sou hoje: organizadora de uma exposição e de três livros.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Inspiração ou transpiração?
SANDRA COLEMAN: Hum…. para algumas, sou inspiração; para outras, transpiração. Depende do momento ou do ponto de vista da pessoa.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é o seu processo de escrita?
SANDRA COLEMAN: Para compor as narrativas, tenho em média de 15 a 18 perguntas para a pessoa que será entrevistada. A partir das respostas monto o texto.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Tem um narrador ou eu lírico que sempre utiliza em seus escritos?
SANDRA COLEMAN: Sempre um narrador.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais são os seus principais temas?
SANDRA COLEMAN: Raça, racismo, memória, ancestralidade.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você leitora?
SANDRA COLEMAN: Leio muito livros e artigos que tratam do tema raça, racismo e educação. Mas, o que me encanta são as biografias. Já li várias narrativas de pessoas negras que lutaram pelos direitos civis dos negros nos EUA. Ultimamente, estou lendo a de Stacy Abrams.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como foi e é para você a publicação de um livro?
SANDRA COLEMAN: Caro (rs rs rs), certamente, muita transpiração, entretanto, é muito prazeroso, inspirador. O mais gostoso do livro é ver a felicidade das participantes.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais suas negras influências?
SANDRA COLEMAN: Todas as mais velhas que me rodeiam são minhas influenciadoras em algum aspecto, em especial minha mãe e minhas avós.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual foi o seu primeiro e decisivo ato literário?
SANDRA COLEMAN: Meu primeiro ato literário se deu em 2009, quando eu entrei no programa de inglês como segunda língua na Universidade do Estado de Nova York – SUNY New Paltz. Era a primeira semana do curso com aula de escrita. A professora disse: escreva. Nesse momento, gelei. O choro veio. Olhei para coreana sentada ao meu lado e ela fez um sinal tipo escrever o quê?. Passou um filme na minha cabeça, de como eu me sentia humilhada em meu último trabalho no Brasil, por eu não saber escrever. Olhei a minha volta e vi os outros alunos (todos internacionais) pegando no lápis e começando a escrever. Engoli o choro. Respirei fundo. E, pensei: “se a professora mandou escrever, vou escrever”. E, escrevi “My name is Sandra Coleman. I am from Brazil”. Depois desse dia nunca mais parei de escrever.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para quem você escreve?
SANDRA COLEMAN: Escrevo para quem gosta e não gosta de ler.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para que você escreve?
SANDRA COLEMAN: Para fortalecer a mulher negra que existe dentro de mim e de ti.
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