Cantar Charqueada

Até eu cantei charqueada
chorando a sorte do boi.

Mas descobri que meu canto
tem raízes noutro campo:
por trás das cancelas mudas,
por trás das facas agudas.

Meu canto é uma carne escura
charqueada a relho na nalga;
é figura seminua

junto às gamelas de salga.


Carne escura exposta ao vento
dos varais do saladeiro
exposta viva ao sol quente
e suas facas carneadeiras.

Carne que se compra e vende
e de bem longe se importa
se salga, seca e só perde

quando já é carne morta


E meu canto é dessa carne
que não é minha e me dói
sangrando no sol da tarde
de um tempo que enfim se foi

Cabe a mim cantar charqueada

chorando a sorte do boi?

Oliveira Silveira
Pêlo Escuro

Portal – E como o movimento negro gaúcho se mobilizou na política e cultura ao longo da história?

Oliveira Silveira – Podemos começar em 1892 com a fundação do jornal "O Exemplo", dedicado a questões negras, onde um dos destaques eram os artigos de Esperidião Calixto , que mostravam um alto grau de consciência racial. Calixto foi um infatigável militante na virada do século. O jornal existiu até 1930, foram 37 anos! Um marco na imprensa negra brasileira.

Outro foco de resistência é o Clube Floresta, que já conta com 129 anos. O Floresta fez história. Na década de 20 contava com o Centro Cívico José do Patrocínio, que fomentava atividades culturais, incluindo teatro.

Em Rio Grande, por volta de 1932, ocorreram sessões da Frente Negra Brasileira, um importante movimento surgido em São Paulo no ano anterior.

Consta também a existência da União dos Homens de Cor, comprovada pelos estatutos da entidade encontrados em Osório.

Culturalmente, podemos destacar o Kikumbi no litoral e a congada "Terno de Maçambique" realizada em Osório, tradicional desde o século 19 e atuante até os dias atuais.

Na Porto Alegre do início do século 20 havia uma grande atividade cultural negra que os cronistas chamavam genericamente de "batuque". É evidente que este termo encobria manifestações distintas como jongo, semba, capoeira e o próprio samba.

As Escolas de Samba são uma decorrência dos Blocos que surgiram inicialmente em Pelotas, berço da primeira escola, a "Academia de Samba Praiana".

É um assunto muito extenso...

Portal – Especificamente, após a criação do Grupo Palmares em 1971, como está o movimento gaúcho?

Oliveira Silveira – Depois de Palmares temos outras experiências. Uma das mais significativas foi a criação da "TIÇÃO", com três edições, duas como revista e uma como jornal, entre 1977 e 1980. A seguir vem a formação do núcleo local do MNU – Movimento Negro Unificado, que a partir de um certo momento, incorporou-se ao Grupo Palmares. A partir de 80 surgiu o "IAIA DUDU", um grupo artístico de dança e teatro, criado pela atriz Vera Lopes e por Maria Conceição Fontoura. Outro grupo importante é o AFROSUL , que atua na área de dança e música, há mais de 20 anos. Destaco também o "MARIA MULHER", criado em 1987, que é um dos mais atuantes, reunindo trabalhos sociais e culturais de mulheres negras.

Portal – E o Projeto "Cabobu"?

Oliveira Silveira - É um festival cultural em Pelotas, com música, palestras e oficinas alusivas ao "Sopapo", um grande tambor que estabelece um diferencial entre o samba do sul e o carioca. Há registros que afirmam que este instrumento exista desde 1826! O idealizador deste evento é Giba Giba (Gilberto Amaro do Nascimento), que conta com a colaboração de Cacaio, Boto e Bucha, tradicionais percussionistas de Pelotas. A festa costuma atrair personalidades como Naná Vasconcelos, Chico César e grupos musicais de todo o estado.

"Minha Pelotas Princesinha do Sul, onde negro com branco não faz misturada"
Solano Trindade, que residiu em Pelotas entre 1939 e 1941.

Portal – Conte-nos um pouco sobre a literatura feita por negros em seu estado.

Oliveira Silveira – Ela inicia-se no século 19 e um fato dos mais significativos foi a fundação da Sociedade "Parthenum Literário", que influenciou a cultura e a vida política no Rio Grande do Sul. Nesta sociedade havia um negro chamado Luís da Motta, que publicou um livro de poemas e peças de teatro publicadas no jornal "O Exemplo", que reunia outras poetas negros como Alfredo de Souza e Aurélio de Bittencourt. No início do século 20 aparecem outros nomes. O mais importante foi Paulino Azurenha, que além de escritor foi um dos fundadores do "Correio do Povo". Atualmente podemos contar com nomes de peso como Paulo Ricardo de Morais, Ronald Augusto, Jorge Fróes e Maria Helena Vargas, uma poetisa ficcionista muito interessante, entre outros. Hoje a literatura negra é uma realidade no Rio Grande do Sul. Os autores estão presentes.

Portal – Incluindo o senhor...

Oliveira Silveira – Oliveira Silveira, a seu dispor...

Djalma Corrêa, Giba-Giba, Mestre Batista e Paulo Moura. Encontro de feras.
Capa do video documentário de Claudinho Pereira sobre o "Terno de Maçambique", com depoimento de Oliveira Silveira
Cultura e Resistência
Abertura

A obra e suas influências

"Mãe Preta"
Consciência racial
"Encontrei Minhas Origens"
O movimento negro no sul
"Treze de Maio"