ENCONTREI MINHAS ORIGENS

Encontrei minhas origens
em velhos arquivos
....... livros
encontrei
em malditos objetos
troncos e grilhetas
encontrei minhas origens
no leste
no mar em imundos tumbeiros
encontrei
em doces palavras
...... cantos
em furiosos tambores
....... ritos
encontrei minhas origens
na cor de minha pele
nos lanhos de minha alma
em mim
em minha gente escura
em meus heróis altivos
encontrei
encontrei-as enfim
me encontrei

Oliveira Silveira
Roteiro dos Tantãs

Portal – Era possível desenvolver uma consciência racial no interior de um estado como o Rio Grande do Sul?

Oliveira Silveira – Na escola éramos e ainda somos muito mal informados sobre esses assuntos, ainda mais no campo. Mesmo em Rosário não cheguei a tomar consciência de minha condição de negro. Isto aconteceu apenas em Porto Alegre, quando entrei na faculdade. Por aí pode-se ver a força da discriminação e do racismo em nosso país. De certa forma foi a literatura que me iniciou nesse caminho. Através da leitura fui as poucos tomando contato com textos importantes como Orfeu Negro e a antologia organizada por Senghor, entre outros. Eles foram o estopim de meu despertar. A leitura deste material e meu envolvimento na política estudantil ampliaram meus horizontes.

Portal – Era difícil, portanto, construir uma identidade racial?

Oliveira Silveira - O grande problema para a tomada de consciência era que não haviam movimentos ou grupos atuantes. Da escola não se esperava muita coisa. Havia alguma informação sobre escravos e quase nada a respeito de quilombos e movimentos de resistência. No meu caso foi mais difícil pois vim para Porto Alegre como estudante e morava em república, sem nenhum contato com a comunidade negra daqui. Foi estudando a história do negro no Sul que descobri que há muito existiam grupos culturais, teatrais, políticos e outros, que movimentavam-se sem o conhecimento da maioria da sociedade.

Portal - Como o negro chegou no Rio Grande do Sul?

Oliveira Silveira - O Rio Grande de São Pedro do Sul, como se chamava antigamente, começou a ser oficialmente colonizado em 1737. Antes disso, desde o século anterior, o negro já circulava neste território. Os comerciantes portugueses de Laguna, em Santa Catarina, passavam por aqui a caminho de Sacramento, no Uruguai. Desnecessário salientar que os braços dessas comitivas eram de negros escravos. Portanto, desde o século 17 esse chão já conhecia os pés da raça negra. Quando em 1725 uma frota chegou ao Rio Grande, atravessando as águas de São José do Norte, o negro já era uma presença constante.

Portal – E como era a escravidão aqui? Dizem que era mais branda...

Oliveira Silveira – A escravidão nestas terras foi muita violenta. Principalmente durante o ciclo das charqueadas, em Pelotas. Segundo Nicolau Brás, um viajante da época que relatava suas andanças, administrar as charqueadas era como administrar um estabelecimento penitenciário. Aqui também ocorreu a reação do escravo contra o sistema. Consta até a existência de quilombos. O mais comum, porém, era a fuga de negros para o Uruguai, que desde 1727 já era independente. Os uruguaios acolhiam os negros em fuga, claro que por interesse, e estes recebiam um tratamento considerado melhor. Os escravos, portanto, preferiam atravessar a fronteira em busca de um território mais seguro. Existem importantes registros de historiadores como Moacir Flores e Solimar Oliveira Lima, com seu livro "Triste Pampa", além do excepcional trabalho de Cláudio Moreira Bento, que conta a história da presença do negro no Sul do século 17 até 1975! Nestas obras percebemos claramente que a escravidão era violenta. Talvez nas estâncias, pelo tipo de atividade desenvolvida e pelo fato das relações entre donos e escravos ser diferente, fosse "menos" violenta, até pela própria natureza. O fato é que "escravidão é escravidão", e não é boa em nenhum lugar, muito menos aqui. Esta história de escravidão branda é balela.

Portal – Então até aqui no Rio Grande do Sul existiram quilombos?

Oliveira Silveira - Existiram quilombos aqui sim! Pesquisadores como Eusébio Assunção, Solimar Oliveira Lima e Guilhermino César, apontam estes núcleos de resistência nas cercanias de Pelotas, Santana do Livramento e Rio Pardo, entre outras localidades. Infelizmente hoje não temos muitos registros de remanescentes. Existem algumas comunidades estabelecidas ao longo da história que estão sendo mapeadas. Este trabalho já foi executado no norte do estado, resta a parte sul, a mais importante. É uma pesquisa fundamental, pois a partir daí poderemos dar início a processos de reparação e de cobrança da dívida social.

Portal – E estas comunidades, preservaram suas características culturais, como a religião, por exemplo?

Oliveira Silveira – Certamente. Dizem os estudiosos que temos peculiaridades nos cultos africanos daqui que não são encontradas em outras partes do país. Temos duas grandes vertentes: uma definida como Angola Conguense e outra Yorubá ou Gegê Nagô, influenciada pela Nigéria e em menor escala pelo Benin. A presença destas religiões é ostensiva em todo o estado. Porém, acredito que esteja ameaçada. Há uma invasão de pessoas de fora da comunidade que ingressam nesses cultos com interesses puramente comerciais. Ao apropriarem-se do conhecimento, descaracterizam-no e iniciam "negócios" nos países do cone sul. Escrevi um artigo onde alertava a comunidade da necessidade de se criar uma resistência cultural a esses invasores. Os negros cultores destas religiões, que ainda mantém a autenticidade em suas atitudes e moradia, devem ser protegidos desta ameaça.

"Na escola éramos e ainda somos muito mal informados sobre a história de nossa raça."
Uma das primeiras fotos de negros no Sul
Uma das comunidades negras do interior do estado em processo de mapeamento pelo Governo
Livro editado pelo poder público do Rio Grande do Sul sobre os Orixás, com textos de Oliveira Silveira
Abertura

A obra e suas influências

"Mãe Preta"
O movimento negro no sul
"Treze de Maio"
Cultura e resistência
"Cantar Charqueada"
Consciência Racial