NOTAS DE ESCURECIMENTO POR ESCRITO
Série de questões enviadas para escritoras negras e escritores pretos que gentilmente responderam
Escritora de hoje: MARGARETH DOS ANJOS SANTOS
OXUM – A FLOR DE BAOBÁ
Marrom dourado, cor da escuridão
Tez macia feito flor de baobá
Corpo perfurado por pingentes dourados
Enfeites de rainha
Corpo magro de linhas imprecisas
Fujo do padrão, mas ganho na beleza
Deito no chão para virar semente
Rompi em fruto e me fiz múltipla
Eclodo em palavras e derrubo o silêncio
Denego falsas verdades
Meus ditos descortinam, desvendam, desmentem
Fazem refletir, transformam, emocionam
Sou poesia sem ponto final
CONVERSAS
NOTAS DE ESCURECIMENTO: Por gentileza, se apresente:
MARGARETH DOS ANJOS SANTOS: Sou MARGARETH DOS ANJOS SANTOS, mulher negra 50+, mãe, filha, escritora, funcionária pública e doutoranda em Arte e Cultura Contemporânea.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quando se descobriu negra?
MARGARETH DOS ANJOS SANTOS: Na verdade, sempre me vi negra, desde bem pequena. Minha família sempre enalteceu as questões raciais, principalmente no âmbito cultural.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é ou foram as suas relações com os seus pais?
MARGARETH DOS ANJOS SANTOS: Cresci na companhia de meu pai e minha mãe em um lar tranquilo, em que não tivemos problemas econômicos sérios que pudessem comprometer a nossa vida. Foi e está sendo uma convivência de troca de saberes e muito amor.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como a sua ancestralidade está nos seus escritos?
MARGARETH DOS ANJOS SANTOS: Tive uma convivência mais próxima com meu avô materno e minha avó paterna. Como morava em Brasília e meus parentes no Rio de Janeiro, nos víamos apenas no período de férias. Me mudei para o Rio de Janeiro aos 10 anos e algum tempo depois minha avó faleceu. Meu avô morou um período em nossa casa, mas faleceu quando eu tinha cerca de 20 anos. Mesmo sendo um convívio curto com minha avó paterna, nossa ligação é mágica, ainda nos dias de hoje. Durante o período que morei em Brasília eu e minha avó trocávamos cartas que guardo até hoje. Todo amor que tenho por ela está descrito no poema de minha autoria publicado em Cadernos Negros 45, intitulado Um Altar para Minha Avó.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é, na sua opinião, a função social da sua literatura?
MARGARETH DOS ANJOS SANTOS: Acredito que através da literatura, quando o acesso a ela é favorável, é possível transformar pensamentos, estimular reflexões. No caso da literatura negra, ainda há a possibilidade de transmitir saberes, cultura, tradições e histórias ora silenciadas.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é, para você ser uma escritora negra no Brasil?
MARGARETH DOS ANJOS SANTOS: Para mim é um privilégio diante de todas as mazelas que a população negra vem sofrendo ao longo dos séculos, principalmente no que tange à falta de acesso à Educação e Cultura. Tento, através dos meus escritos, estabelecer uma conexão com os meus.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Inspiração ou transpiração?
MARGARETH DOS ANJOS SANTOS: As duas coisas. Escrevo para transbordar! Costumo dizer que há coisas que só saem da gente por escrito.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é o seu processo de escrita?
MARGARETH DOS ANJOS SANTOS: Busco inspiração no que me incomoda, no que me traz inquietações. Já produzi textos acadêmicos, contos, poemas e crônicas e cada estilo de escrita é alimentado por uma certa angústia e a grande vontade de tentar melhorar o mundo através da minha escrita.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Tem um narrador ou eu lírico que sempre utiliza em seus escritos?
MARGARETH DOS ANJOS SANTOS: Um narrador.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: O que também se faz palavras em seus escritos?
MARGARETH DOS ANJOS SANTOS: Minha alma.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais são os seus principais temas?
MARGARETH DOS ANJOS SANTOS: Questões ligadas à temática racial negra. Em especial, a cultura, a sabedoria e a riqueza dos saberes.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você leitor?
MARGARETH DOS ANJOS SANTOS: Costumo dizer que sou feita de carne, osso e letras. Sou uma leitura assídua desde a infância e devo esse hábito ao estímulo dos meus pais, principalmente minha mãe. Minha casa sempre foi cheia de livros e era comum ser levada à livraria, ainda quando morava em Brasília.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como foi e é para você a publicação de um livro?
MARGARETH DOS ANJOS SANTOS: Para mim é gestar e parir. O processo da escrita, a concepção do texto, acompanhar a produção gráfica, desde a capa, é um processo incrível.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais suas negras influencias?
MARGARETH DOS ANJOS SANTOS: Além da influência dos meus ancestrais e familiares, sou muito influenciada por Djamila Ribeiro, Chimamanda Ngozi Adichie, Carolina Maria de Jesus, Silvio Almeida, Grada Kilomba, Abdias do Nascimento, Nei Lopes, Conceição Evaristo e muitos, muitos outros!
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual foi o seu primeiro e decisivo ato literário?
MARGARETH DOS ANJOS SANTOS: Foi a crônica Memórias de um Racismo Discreto ou não tão Discreto assim, publicada na antologia Negras Crônicas – escurecendo os fatos.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para quem você escreve?
MARGARETH DOS ANJOS SANTOS: Escrevo para todas as idades, todas as raças, todas as orientações de gênero.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para que você escreve?
MARGARETH DOS ANJOS SANTOS: Me permito responder através da frase de Jacob Sam-La Rose que está no início do livro de Grada Kilomba, Memórias da Plantação: “Por que eu escrevo? Porque tenho de. Porque minha voz, em todos os seus dialetos, tem sido calada por muito tempo” Jacob Sam-La Rose
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