NOTAS DE ESCURECIMENTO POR ESCRITO
Série de questões enviadas para escritoras negras e escritores pretos que gentilmente responderam
Escritora de hoje: LUA
SOBRE DOR
Se dói escrevo
Arranco a folha do caderno
Amasso o problema
Espremo-me nas linhas
Pra transformar dor em poesia
Versos comprimidos
Pílulas de alívio
Escrevo no caderno
Entre as pautas limitantes
Por onde começa a dor da poetisa?
No topo da página
Ou no fim das ideias?
Um cabeçalho mal feito
Rabiscado de qualquer jeito
Um sentimento inteiro
Um poema pela metade
Um verso que não fecha
Onde acaba a dor do poeta?
Nos calos dos dedos?
Ou no cale-se sem letras
Um copo
Um corpo
Em silêncio
Um zumbido
Entre a solidão e o vazio
Oprimo o grito
Escrevo
Já é um vício
Nicotina, tédio
Poesia remédio
Soro na veia do poeta
Dipirona pros males do mundo!
CONVERSAS
NOTAS DE ESCURECIMENTO: Por gentileza, se apresente:
LUA: Salve, meu nome é Luan, tenho 37 anos, fui mãe muito jovem, tenho 3 filhos biológicos e muitos filhos do coração que abracei na minha caminhada, fui faxineira, catadora, puta, hoje sou poeta, escritora com 3 livros publicados e um quarto a caminho. Me formei em serviço social com muita luta e persistência pra adentar espaços acadêmicos. Sou uma mulher de garra!
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como a sua ancestralidade está nos seus escritos?
LUA: Eu sou a luta de quem veio antes de mim, sou a força de Carolina, o apontamento de Beatriz do Nascimento, sou um pedaço de Lélia, de Alzira Rufino, sou neta de benzedeira, sou herança das minhas velhas e caminho pra minhas novas, escrever é a linha que nos conecta.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é, para você ser uma escritora negra no Brasil?
LUA: É ser olhada pela perspectiva da dor, da limitação do que posso ou não escrever, numa sociedade que as minhas poesias de dor são aplaudida os meus textos acadêmicos são ignorados. Me pergunto porque o segundo livro de Carolina não faz tanto sucesso? Porque um quarto do despejo em um barraco de madeira vende mais que uma casa de alvenaria, nome do seu segundo livro quando ela finalmente consegue comprar a casinha cheia de pulgas. No Brasil escritoras Negras ainda são a cota, Conceição Evaristo não entrou pra ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, merecidamente tomou posse da ACADEMIA DE LETRAS MINEIRA, assim como Djamila que tem seu conhecimento questionado constantemente enquanto assume uma cadeira como professora na Gringa, o Brasil ainda não nos deixou ocupar o trono que é de direito da mulher negra.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Inspiração ou transpiração?
LUA: Eu suo veneno, meu primeiro livro MULHER DO FIM DO MUNDO meus escritos de dor e raiva” era minha salvação diária, eu transpirava poesia e música pra continuar vivendo, depois transpirei prazer sexo e liberdade com meu segundo livro um romance BONDE DAS PRETAS, o terceiro, CARTAS PARA ESCRITORAS já foi mais inspirador li diversas escritoras pretas desse mundão e me inspirei e chorei com minhas irmãs, o quarto que já tá no forno é pura inspiração “ a fada da quebrada” meu primeiro livro infantil é o retrato da observação inspiradora de mulheres de origem humilde que transformam suas comunidades com ações comunitárias.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais são os seus principais temas?
LUA: Cotidiano, minhas escrevivências. Meu primeiro livro o MULHER DO FIM DO MUNDO são as fases da lua, a dor, a revolta, a luta e a conquista. O segundo apesar de um romance ficcional aborda a temática da amizade de quatro mulheres negras, os desejos, os medos, os traumas, as alegrias. No cartas para as escritoras o terceiro percebi que a temática comum entre amulheres negra é a dor e a luta, seja lendo Chimamabda ou Tony Morrison, ou Conceição, Ângela Davis todas nós vamos nos abraçar e acolher na dor uma das outras e nos fortalecer, lutamos porque nem temos a opção de parar, seguimos. Mesmo no meu livro infantil apesar de toda narrativa lúdica contida na Fada da Quebrada, essa mulher que apesar de ter tão pouco faz mágica na comunidade pra realizar o dia das crianças, o natal, acho que a abordagem tem esse mesmo lugar de luta e dor, porém sob a perspectiva lúdica.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é o seu processo de escrita?
LUA: Na maioria das vezes de raiva, de intensidade de vício, de consumo de energia, café, erva, uma mistura de paixão e ódio, é bem visceral.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é ou foram as suas relações com os seus pais?
LUA: Vixe, é muito complicada pra responder em poucas linhas, mas resumindo fui adotada a brasileira ou seja doada no hospital, adotada por uma família, do qual a minha mãe faleceu e fui criada pelos meus avós.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Tem um narrador ou eu lírico que sempre utiliza em sua literatura?
LUA: Eu gosto muito da primeira pessoa, acho fácil, confortável, no BONDE DAS PRETAS as pessoas acreditam na narrativa ao ponto de me perguntar se é verdade, se vivi aquela aventura, digo que sou uma escritora razoável e uma boa mentirosa, uma contadora de causos. Mas recentemente fui desafiada por um editor em escrever em terceira pessoa, estou escrevendo um conto afrofuturista e construir a personagem distante de mim é um desafio.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: O que também se faz palavras em seus escritos?
LUA: Não sei se entendi a pergunta, mas acho que minha honra minha postura se faz palavra, sabe o ditado” escreveu não leu o pau comeu” eu sou o que sou e minha palavra e meus escritos me protegem.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você leitor?
LUA: Adoro ler, não atoa crie um projeto de Biblioteca comunitária na minha casa, leio de tudo, amo um romance inglês desses de mocinha atrapalhada e apaixonada bem clichê, gosto muito de filosofia contemporânea, leio muita poesia, leio livro infantil por conta do projeto, leio obras acadêmicas na minha área de estudo. Só não gosto de auto ajuda, fujo dos coach.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como foi e é para você a publicação do Livro?
LUA: Eu participei de antologias antes de publicar, foi a forma acessível que encontrei de me inserir no mercado editorial. Todos meus livros foram publicados através de incentivo de edital, fui contemplada em 2020 pela lei Aldir Blanc de praia Grande onde publiquei o livro de poesias MULHER DO FIM DO MUNDO, depois em 2021 veio o BONDE DAS PRETAS pelo Proac, no ano seguinte Cartas para as escritoras foi contemplado pelo proac também e agora a fada da quebrada contemplado pela lei Paulo Gustavo, se não fosse essas políticas públicas eu dificilmente teria condições de investir em publicações e tiragem.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para que você escreve?
LUA: Pra estar viva, presente, pra me compreender e compreender o outro, pra aproximar as minhas, pra gritar as injustiças, pra homenagear mulheres, pra ganhar o meu sustento.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais suas negras influencias?
LUA: São tantas mulheres, conhecidas e invisíveis, mulheres do rap como Drika Barbosa e Negra Li, mulheres do samba como Elza Soares, mulheres que escrevem Conceição, Djamila, Karine Costa, Chimananda, mulheres que mudaram a história Angela, Tereza, Dilma, Marielle, mulheres próximas a mim Dida, Thais Helena. Como eu disse eu soma de muitas e cada uma me influência de um prisma diferente.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual foi o seu primeiro e decisivo ato literário?
LUA: Escrevi uma poesia e fui com a cara e coragem em um concurso de poesia. Esse dia mudou minha vida, não ganhei o concurso, mas conheci o Nego Panda poeta e escritor que mudou minha vida, nos apaixonamos, casamos e ele me apoiou, ensinou e incentivou nessa jornada literária.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Conceição Evaristo cunhou um termo escrevivência. O termo aponta para uma dupla dimensão: é a vida que se escreve na vivência de cada pessoa, assim como cada um escreve o mundo que enfrenta. Essa ideia se faz letras em seus escritos?
LUA: Como eu disse esse é meu ponto de partida minhas escrevivências sofridas e cotidianas são os registros da minha existência, da minha luta e do meu olhar pra essa sociedade e dela pra comigo
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você sendo Ancestral em seus escritos?
LUA: Novamente não sei se entendi a pergunta mas algo acontece comigo que acho que outros escritores passam, escrever algo que não reconhece. As vezes leio meus escritos e penso” nossa fui eu mesma que escrevi isso aqui” ou “ eu não lembro de ter escrito isso” acho que essa sensação é minha parte ancestral escrevendo por mim ou através de mim, escrevo por vezes conectada conversando com os meus e com meu mais íntimo as vezes distante daqui e a cada resgate escrito fica uma sensação de recado dado.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Cuti afirma que a LITERATURA NEGRO-BRASILEIRA além do negro em primeira pessoa, também prepara o leitor negro. Como tem sida a sua preparação
Leio escritoras negras e escrevo para um público de mulheres negras e tem sido interessante essa troca, conheço pessoas única e exclusivamente através da literatura. Fico amiga de autoras que leio e trocamos amizade na redes sociais sem ter o encontro presencial e por vezes recebo feed back de leitoras que gostam muito em especial do BONDE DAS PRETAS e se tornam amigas, colegas. Essa troca de leitor e escritor dentro desse nicho negro é bem interessante e enriquecedora.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para quem você escreve?
LUA: Pro povo preto em especial mulheres, os brancos leem de intrometidos. Escrevo e leio mulheres pretas.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual a função social da sua literatura?
LUA: Meu escrito tem muita abordagem crítica social, seja na poesia ou no romance ou no infantojuvenil a presença desse olhar crítico pra raça, classe, gênero está sempre presente. Na poesia que denuncia a abordagem violenta da polícia aos meninos da favela, a dor da mãe solo, ao conto que aborda feminismo, a crítica ao patriarcado e ao cristianismo. Minha escrita permeia essas temáticas. Ainda em um lugar sócio cultural desenvolvi o projeto biblioteca comunitária conto de fadas periférico que promove desde incentiva a leitura na quebrada a ações culturais na rua, acho que pra além da escrita contestativa e afirmativa também se é necessário a prática da transformação social como exercício cotidiano de cidadania e resistência.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quando se descobriu negra?
LUA: Foi um processo longo e doloroso, desde o alisamento no cabelo ao bullying na escola, ao desprezo masculino amoroso ao mesmo tempo que o olhar sexualizado era presente. Entender se negra é um processo de cura de auto afirmação de identidade, de orgulho, de amor próprio e pelas suas irmãs.
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