NOTAS DE ESCURECIMENTO POR ESCRITO – Série de questões enviadas para escritoras negras e escritores pretos que gentilmente responderam

 

Escritor de hoje: LEANDRO PASSOS

 

OXALUFANDO

 

Ao envelhecer, amadureço

Idade, idoso, as idas e as vindas

Ao envelhecer, venço

as batalhas, as ameaças, as trapaças

Ao envelhecer, cresço

em sins, em nãos, em talvez na minha vez

Ao envelhecer, ando devagar

percebendo os detalhes, as belezas das sutilezas

Andando envelhecido e envelhecendo,

caminho devagar e percebo que

tudo que está a minha vista

foi pensado antes d’eu por ali passar

e lá estará quando eu, cada vez mais,

Oxalufar Oxalufado Oxalufando

 

PROSA 

NOTAS DE ESCURECIMENTO: Por gentileza, se apresente:

LEANDRO PASSOS: Sou Leandro Passos, natural de São do Rio Preto, interior de São Paulo. Tenho pós-doutorado em Letras, investigando a cultura banto e iorubá nas obras de Conceição Evaristo. Sou escritor e professor da Rede Federal de Ensino em Vila Velha no Espírito Santo. Minha família é minha fortaleza. Oxalá é meu orixá!

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você leitor?

LEANDRO PASSOS: Ainda sou daqueles leitores que gostam de ler pelo simples prazer da leitura. Mesmo assim, gosto de ler sobre minha ancestralidade. Como crítico, prezo pela “palavra poética” e pelo poder da sugestão. Eu me considero um “leitor voraz”.

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como foi e é para você a publicação do Livro?

LEANDRO PASSOS: Ainda vejo como algo distante e difícil. Nem sempre é possível conjugar qualidade e desejos, valores e vontades, parcerias e possibilidades. Por mais que a dificuldade desanime, procuro tentar conciliar todos esses fatores para, sim, oferecer algo de qualidade.

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para que você escreve?

LEANDRO PASSOS: Escrevo porque acredito no poder das palavras e da ficção. A literatura é uma ferramenta poderosa, e a palavra é força. Escrevo, também, para mim e para os “meus”. Escrevo, então, para me sentir bem.

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais suas negras influências?

LEANDRO PASSOS: Minha família e meus ancestrais. Minhas vivências e as narrativas dos meus familiares. Sou observador. Gosto dos itans iorubás e dos ingorossis bantos. Muitos escritores também me influenciam: Cruz e Sousa, Machado de Assis, Conceição Evaristo, Kiusam de Oliveira, Solano Trindade, Oswaldo de Camargo, Cuti e Cadernos Negros, por exemplo.

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual foi o seu primeiro e decisivo ato literário?

LEANDRO PASSOS: Cadernos Negros 40 (2017), porque foi minha primeira publicação em antologia e, também, por causa do conto publicado. Em “Moça bonita”, uma pombagira é a “fada madrinha” da personagem.

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você sendo ancestral em seus escritos?

LEANDRO PASSOS: É motivador e desafiador ao mesmo tempo, tendo em vista que a cultura afro-brasileira, ainda, é não só desqualificada, mas também desconhecida. A crítica não negra desconhece nossos símbolos ancestrais. Então, fazer esse movimento sankofa adinkra por meio da escrita torna-se algo desafiante: e o preço físico-emocional é altíssimo.

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Cuti afirma que a LITERATURA NEGRO-BRASILEIRA além do negro em primeira pessoa, também prepara o leitor negro. Como tem sido a sua preparação?

LEANDRO PASSOS: Sinceramente, tem sido muito tensa! Essa tensão tem sido provocada tanto pelas publicações de qualidade que me faz estar, de fato, preparado, quanto pela repercussão delas que me faz perceber a falta de identificação de alguns leitores sobre determinados temas. O leitor brasileiro está “treinado” para ver o negro como objeto e não como sujeito do próprio discurso. Essa minha tensão, contudo, é motivadora, questionadora e incentivadora, pois torna a minha preparação ainda mais técnica, poética e eficaz para continuar lendo e, claro, para meus próprios escritos.

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como a sua ancestralidade está nos seus escritos?

LEANDRO PASSOS: Com peso e presente sempre. Eu a insiro por meio intertextual, seja por meio das narrativas, seja por meio dos símbolos. Ao mesmo tempo que eu cito o tridente de Exu, eu simbolizo as encruzilhadas simbólicas por meio da palavra.

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é para você ser um escritor negro no Brasil?

LEANDRO PASSOS: É desafiador, principalmente porque minha escrita é ancestral e, por isso, trago, sim, a cultura afro centrada em meus escritos. Ao fazer isso, eu ganho leitores, mas, às vezes, perco. Nesse sentido, perder é interessante. Vivemos num país racista.

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Inspiração ou transpiração?

LEANDRO PASSOS: Ao transpirar, me inspiro. A inspiração também me faz transpirar. Por isso escrevo.

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais são os seus principais temas?

LEANDRO PASSOS: Reviravoltas, vinganças, ironias, provocações e inquietações. Tirar o sono de alguns é algo que me dá prazer ao escrever. Gosto de enegrecer clássicos a partir de nossas narrativas ancestrais de axé. Minha fada madrinha é Pombagira e minhas princesas não dormem!

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é o seu processo de escrita?

LEANDRO PASSOS: Calculo e escrevo. Penso no assunto e, depois, no modo como devo realizá-lo.

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para quem você escreve?

LEANDRO PASSOS: Para nós, primeiro e, em segundo plano, para eles.

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual a função social da sua literatura?

LEANDRO PASSOS: Empoderar e provocar. Educar e informar. Dar prazer e ofertar. Fortalecer a identidade negra e, assim, transformar e fortificar.

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quando se descobriu negro?

LEANDRO PASSOS: Sempre me considerei negro e sempre soube disso. Minha família é responsável por isso.

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Oralitura – definido por Leda Martins que usa o termo para designar as histórias e os saberes ancestrais passados não apenas através da literatura, mas também em manifestações performáticas culturais. Esse conceito se faz palavras em seus escritos?

LEANDRO PASSOS: Sim, principalmente pelo “movimento das palavras” em meus escritos. A literatura negro-brasileira é movimento, é xirê, é tambor, é som e voz; é percussão e ritmo.

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como são ou foram as suas relações com seus pais?

LEANDRO PASSOS: Meu letramento foi de ilê, foi em casa com meu pai e, principalmente, com minha mãe. Eu e meus irmãos fomos daqueles que, ao iniciarmos a vida escolar, já estávamos preparados para o combate. Meus pais foram e são daqueles que nos ensinaram a ter o olhar altivo, a andar com a cabeça erguida e a se autovalorizar. Meus pais foram e são daqueles que nos contaram as histórias que a escola não conta. Nossa relação é ubuntu!

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Tem um narrador ou eu lírico que sempre utiliza em sua literatura?

LEANDRO PASSOS: Sim, um que provoca e invoca, ao mesmo tempo que nutre e acalanta.

 

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NOTAS DE ESCURECIMENTO: O que também se faz palavras em seus escritos

LEANDRO PASSOS: O amor também se faz presente em meus escritos: o amor pela vida, pelo corpo e pela alma, pela paz, pela felicidade, o amor individual e coletivo e o amor pela literatura.