Em 1851, a ciência, em sua busca por compreender a humanidade, fez uma das classificações mais absurdas da história: a drapetomania. Essa “doença mental” era diagnosticada em escravizados que, em um ato de desespero e coragem, decidiam fugir do cativeiro. O desejo de liberdade foi reduzido a uma patologia. A lógica distorcida de que a recusa em viver em condições desumanas poderia ser considerada uma doença revela o nível de desumanização a que a população negra era submetida.
Na mente dos teóricos da época, a submissão era a norma, e a rebeldia, uma aberração. A drapetomania não era apenas um rótulo, era uma tentativa de justificar a opressão e a brutalidade do sistema escravocrata. Aqueles que buscavam escapar da escravidão eram considerados “doentes” porque sua vontade de ser livre desafiava a lógica de um mundo que se sustentava na exploração. A ideia de que um ser humano poderia ser diagnosticado com uma doença por desejar a liberdade é uma ironia cruel, um espelho que reflete a profunda patologia da sociedade que a criou.
Essa classificação absurda não se limitava ao campo da psiquiatria. Era um reflexo de uma ideologia que via os negros não como seres humanos plenos, mas como propriedades, objetos a serem controlados e dominados. A recusa em aceitar essa condição era tratada como um desvio, um sinal de que algo estava “errado” na mente daquele que ousava sonhar com a liberdade. A capacidade de sonhar, de desejar algo além do que lhe era imposto, era, na verdade, uma demonstração de sanidade, uma afirmação da dignidade humana.
Os que fugiam, com seus planos secretos e corajosos, eram os verdadeiros heróis de suas próprias histórias. Eles desafiavam não apenas as correntes físicas, mas também as correntes invisíveis da opressão mental e cultural. Cada passo em direção à liberdade era um ato de resistência, uma declaração de que não se aceitaria viver em cativeiro. E, no entanto, suas ações eram patologizadas por um sistema que precisava justificar sua própria crueldade.
Hoje, sobre a drapetomania, somos convidados a questionar como as narrativas de opressão e resistência continuam a se manifestar. Em muitos contextos, ainda vemos pessoas sendo rotuladas por suas lutas por liberdade e justiça. A história não é apenas um registro do passado, mas uma lição que nos alerta sobre os perigos de desumanizar aqueles que desafiam a situação atual.
O desejo de escapar da escravidão não era uma doença, era um grito de vida. Era uma busca pela dignidade, uma afirmação de que todos têm o direito de sonhar e lutar por um futuro melhor. E, enquanto celebramos a história de resistência, devemos também nos lembrar de que a verdadeira sanidade reside na luta pela liberdade e na rejeição das correntes que tentam nos aprisionar.
Possamos honrar aqueles que, em sua busca por liberdade, nos ensinaram que o verdadeiro poder está em sonhar, em resistir e em nunca aceitar a opressão como uma condição natural da vida. Aprender com suas histórias e continuar a luta por um mundo onde a liberdade não seja uma doença, mas um direito inalienável de todos.
Denílson Costa
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