Manhattan, Nova York – Quando os presidentes dos EUA viajam para o exterior, eles tipicamente gostam de destacar o lado positivo da história que compartilham. Mas, como o primeiro presidente a visitar a Angola, Joe Biden optou, ao invés disso, por focar no capítulo mais tristonho que conecta os Estados Unidos a este gigante do continente africano.
No Museu Nacional da Escravidão, na capital Luanda, o presidente Joe Biden lembrou, em um discurso, o tráfico de escravos que, em certo momento da história, definiu a relação entre os Estados Unidos e Angola. Mais africanos vendidos como escravos saíram desta parte do continente do que de qualquer outra área, dizem estudiosos, um legado da desumanidade que continua relevante quatro séculos depois.
A decisão do presidente de enfatizar essa conexão serviu não somente como um aceno para as injustiças causadas a gerações de africanos, mas também como uma declaração de princípios no debate contemporâneo que acontece nos Estados Unidos sobre como ensinar e lembrar a história. Em uma época em que alguns republicanos buscam limitar o ensino sobre a escravidão e outros temas não muito glamourosos da história norte-americana, o senhor Joe Biden defende o confronto com o passado.
Falando sob um céu nublado e chuvoso em uma área na costa do Oceano Atlântico, onde pessoas escravizadas eram forçadas a embarcar nos tumbeiros, o senhor Biden chamou a escravidão de “cruel, brutal, desumana, o nosso pecado original, um que assombra a América e coloca uma longa penumbra no nosso país desde então”. Ao mesmo tempo em que os Estados Unidos nunca estiveram realmente à altura da ideia de uma sociedade verdadeiramente igual, ele disse: “Nós, tão pouco, nunca fugimos dela.”
Enquanto muitos americanos olham para países como Senegal e Gana quando traçam a história da escravidão, Angola foi um grande centro para capturar e vender seres humanos. Por volta de 6 milhões de pessoas foram sequestradas nesta parte da África, forçadas a marchar 200 quilômetros acorrentadas e colocadas forçosamente dentro de navios a caminho do Ocidente. A escravidão “decimaria a população angolana por 300 anos”, disse Daniel Metcalfe, autor do livro “Blue Dahlia, Black Gold”, seu livro de 2013 sobre Angola contemporânea.
Mais ou menos um quarto de todas as pessoas escravizadas forçadas a irem para os Estados Unidos saíram desta área que inclui a Angola atual, de acordo com o site “Slave Voyages”, uma página digital de informações sobre o tráfico negreiro. Hoje em dia, aproximadamente 12 milhões de americanos descendentes de angolanos moram nos Estados Unidos, de acordo com o governo federal.
Antes mesmo de viajar para o continente africano, o presidente Joe Biden tomou medidas para confrontar o racismo e a escravidão nos Estados Unidos. Assim que tomou posse como presidente em 2021, ele tornou o “Juneteenth” (data em que a última fazenda no Texas liberou os escravos em 1865) um feriado federal. A vice-presidente, Kamala Harris, visitou o local em Gana de onde saíram acorrentados os africanos durante o tráfico negreiro no século XVII.
Em seu discurso em Angola, Joe Biden enfatizou também como os dois países podem trabalhar juntos. Ele apontou para investimentos, juntamente com outras promessas, para favorecer o continente, onde Angola é uma importante fonte de óleo e minério. Joe Biden encontrou-se com o presidente angolano, João Lourenço, que fez questão de mostrar a importância da relação entre Angola e os Estados Unidos, visitando a Casa Branca durante a gestão de Joe Biden. Assim como outros presidentes, Joe Biden disse que trabalhou para transformar o relacionamento entre ambos os países, que era baseado em ajuda filantrópica, para um baseado em negócios.
“Os Estados Unidos estão expandindo nossa relação por toda a África, de ajuda humanitária para investimento, para comércio, deixando de filantropista para parceiros, para ajudar a fechar o fosso da infraestrutura”, ele disse. “A pergunta correta no ano de 2024 não é o que os EUA podem fazer pelas pessoas da África. É o que podemos fazer juntos pela população da África.”
O senhor Lourenço deu as boas-vindas ao seu convidado, dizendo que a decisão do senhor Biden de visitar Angola marcou uma “virada” para as duas nações. Ele aplaudiu as “grandes contribuições” para o desenvolvimento de Angola através do projeto Corredor Lobito, uma linha de trem bancada pelos Estados Unidos que ligará Angola ao Zimbábue e à República Democrática do Congo.
O senhor Biden levou consigo para Angola uma delegação de líderes políticos, civis e de negócios. “É importante que nós estamos aqui por causa da significância histórica, mas o presidente também fez um compromisso com a África, para investir na África”, disse Derrick Johnson, o presidente da Organização pelos Direitos das Pessoas Negras, NAACP, em uma entrevista. “Precisamos trabalhar com as nações africanas para reconstruir e fortalecer a infraestrutura.” / NYT
Sobre o autor: Edson Cadete é um jornalista brasileiro residente nos Estados Unidos. Em suas pautas ressalta a importância de dar atenção à comunidade negra e sua história, fomentando o debate racial e trazendo à luz a necessidade de uma compreensão mais profunda e integrada das realidades raciais em ambos os países, considerando suas particularidades e desafios únicos.
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