Por Fillipe Dornelas, idealizador e fundador do Denga Love, aplicativo de relacionamento para pessoas negras
Estudos recentes mostram que os aplicativos de relacionamento estão ligados ao aumento da desigualdade de renda nos Estados Unidos. Pesquisadores dos Federal Reserves (Fed) de Dallas e St. Louis, junto com o Haverford College, analisaram dados da Pesquisa da Comunidade Americana do Censo (ACS) e concluíram que as pessoas têm se casado cada vez mais com parceiros de perfis semelhantes – o que contribui diretamente para o aumento da disparidade econômica entre as famílias.
Essas plataformas prometem liberdade e escolhas infinitas, mas estariam, na verdade, reforçando divisões sociais? No Brasil, um país profundamente marcado pela diversidade racial e étnica, as consequências podem ser ainda mais significativas.
Dados do IBGE mostram que, entre os 120 milhões de negros brasileiros, 70% se relacionam com outros indivíduos negros. Mesmo assim, estudos comprovam a grande ausência de pessoas negras nas plataformas tradicionalmente consolidadas, bem como a falta de iniciativas delas para com esse público. A existência de soluções específicas se torna algo necessário, porém ainda escasso.
Liberdade ou exclusão?
Os filtros que permitem selecionar potenciais parceiros por critérios como educação, idade e localização, podem parecer inofensivos à primeira vista. Mas, não são suficientes para resolver a dinâmica atual, pois se considerarmos que o cenário é de que as pessoas se escolham entre semelhantes, apenas filtros não garantem igualdade e podem até contribuir para a reprodução de uma dinâmica excludente. Portanto, se torna algo fundamental garantir a inclusão de todas as etnias e gêneros em um contexto digital seguro e livre de preconceitos.
Ao focar só em semelhanças específicas, os aplicativos acabam criando bolhas de interação – o que derruba a tese de que são soluções generalistas em comparação às ditas “soluções nichadas” -, onde as pessoas encontram apenas parceiros que refletem as próprias realidades, seja em termos de classe, raça ou nível educacional.
Enquanto a promessa dos aplicativos tradicionais é promover a conexão, eles podem estar inadvertidamente reforçando barreiras sociais, ao invés de superá-las.
Os apps estão reforçando estereótipos?
Outro aspecto importante a se considerar é a falta de representatividade dentro dos espaços virtuais. Alguns grupos são frequentemente expostos à discriminação e estigmatização em muitas dessas plataformas, que ainda carecem de políticas eficazes para proteger os usuários. Em vez de promoverem a inclusão, muitos apps reforçam padrões estereotipados e acabam por não disponibilizar um ambiente confortável para interação.
Esse é um movimento preocupante, mas, em superior gravidade, está a falta de esforço dessas grandes plataformas para, finalmente, chegar a um espaço virtual respeitoso e inclusivo para diferentes grupos étnicos. O país, em pleno exercício da diversidade, deve tê-la refletida nos outros aspectos e as funcionalidades desses sistemas representam um deles.
Um questionamento central para o futuro
É inegável que os aplicativos de relacionamento transformaram o cenário das conexões humanas. Contudo, ao mesmo tempo que expandiram as possibilidades de escolha, criaram novos desafios. Sem a disponibilidade e esforço das plataformas já consolidadas no país em realizar adequações que mitiguem impactos negativos, a tendência é ampliar as lacunas já existentes.
O futuro deve ser guiado por uma visão mais inclusiva e justa, onde cada indivíduo, independentemente da origem ou condição, tenha a oportunidade de se conectar com base em valores e interesses compartilhados, não apenas em semelhanças superficiais. O questionamento é se, com o avanço desses sistemas, há realmente liberdade para amar – ou se os usuários estão, sem perceber, presos a novos padrões de exclusão.
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