Angola é uma nação que obrigatoriamente está presente na pauta das avaliações do continente africano e da conjuntura mundial.
Note-se que a posição geográfica da jovem nação angolana, conectando a África Central com a parte Austral do continente (Figura 1), assim como suas inumeráveis riquezas naturais, garantem uma posição proeminente para o país num contexto em que a economia mundial requisita matérias-primas cujos estoques estão cada vez mais minguados.
Neste particular, retenha-se que o subsolo angolano resguarda 35 dos 45 minérios indispensáveis ao mundo contemporâneo, e no geral, em proporções abundantes.
Neste conjunto, três itens se destacam: diamantes (2ª produção africana e 5ª mundial), petróleo (2º produtor da África Negra) e gás natural (1º no continente).
Ademais, levantamentos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) indicam Angola com um dos raros países onde as atividades humanas podem avançar sem temer o comprometimento da capacidade de suporte do meio natural.
Ou seja: o país abriga considerável superávit ecológico, um potencial natural que permitiria a continuidade de taxas aceleradas de expansão econômica e em paralelo, a universalização de boas condições de vida para toda a população. Assim, tudo certifica grandes expectativas para Angola.
Mas, ao mesmo tempo o grande público não faz a menor ideia do prodigioso capital hídrico angolano.
Num mundo no qual o acesso à água – que constitui um insumo natural vital e fundamental, indispensável à vida em si mesma – é cada vez mais gravado pelo fantasma das torneiras secas, Angola desponta como possível provedor mundial de água doce.
Além da abundante rede hidrográfica, a disponibilidade angolana do líquido por habitante está entre as mais altas do mundo. Ao mesmo tempo, a especialíssima configuração geográfica das águas de superfície de Angola garante ao país influente papel geopolítico.
Recorde-se que no tocante à África Austral, há uma problemática hídrica bastante acentuada. Uma nota essencial é que 70% das águas regionais são compartilhadas por no mínimo dois Estados soberanos e que no conjunto, a região vive um quadro de acelerada penúria de água.
Nesse contexto, o Planalto do Huambo (Figura 2), situado no centro do país, constitui menção obrigatória. Conhecido como “caixa d’água de Angola”, esta impressionante obra natural é origem das nascentes do caudaloso rio Cuanza (cujo curso é 100% angolano), e para arrematar, dos rios Ocavango, Zambeze, Cuvelai, Cunene e muitos tributários da margem esquerda do rio Congo, cursos fluviais que banham os países vizinhos.
Graças a este valioso patrimônio hidrológico – somado à imensidão do país, variada pluviometria, diferentes patamares de relevo, tipos de solo e clima – o meio natural angolano esbanja notável diversidade.
A fauna e flora de Angola são com justiça fator que destacam o país na paisagem biológica do Planeta. Mesmo para um padrão africano – continente conhecido pela pujança da fauna e da flora – a diversidade biológica angolana é sem igual.
A título de exemplificação, a vegetação angolana apresenta mais de 5.000 espécies de plantas, das quais 1.260 são endêmicas. Isto é: totalmente exclusivas de Angola.
Isso sem contar que o acervo florístico não foi inteiramente pesquisado, aguardando por mais descobertas e investigações científicas.
Dentre os mamíferos, o país concentra um dos maiores conjuntos da África: nada menos que 275 espécies registradas. Por sua vez, a população de aves perfila 872 espécies catalogadas. Acredita-se que Angola seja o lar de 92% da avifauna da África Austral.
Para além dos ecossistemas terrestres, uma miríade de seres vivos pulula no meio aquático. Com efeito, a densa rede hidrográfica é habitat de centenas de espécies. Mais de vinte rios deságuam na costa. Muitos outros escoam em todas as direções a partir do Planalto do Huambo.
Estes cursos fluviais irrigam matas ribeirinhas, alagadiços e zonas estuarinas, áreas vitais para a cadeia alimentar. Assim, várias populações de mamíferos, répteis, anfíbios e peixes povoam os rios, lagos e águas costeiras de Angola.
Mesmo nas extensões do Deserto Namibe, cortado pelo rio Cunene no Sul de Angola, exibe peculiaridades extraordinárias. A planta Welwitschia mirabilis (Figura 3) é, por exemplo, um fóssil vivo, capaz de viver por mil anos ou mais a partir de uma organização metabólica única.
Desse modo, com tão numeroso cabedal de formas de vida, seria óbvio imaginar que a natureza figure entre os símbolos da nação angolana. Este é o caso da palanca preta gigante (Figura 4), representação emblemática da identidade nacional.
A palanca preta é um magnífico antílope próprio de Angola. A silhueta característica deste animal com sua galhada curva foram adotadas como logo da empresa Transportes Aéreos de Angola (TAAG), companhia aérea oficial, assim como da Federação Angolana de Futebol (FAF). Carinhosamente, a voz do povo também se refere à seleção nacional de futebol como “palanca preta”
Contudo, nem tudo é alegria e tranquilidade. A luta anticolonial e a guerra civil cobraram pesada quota de sacrifícios à vida selvagem. Um dado preocupante é que dezenas de áreas foram minadas por todo o país.
Acredita-se que em 2004 estavam ativos cinco milhões desses engenhos explosivos. Tal herança dos anos de conflito coloca Angola entre os dez países mais minados do mundo.
Obviamente, além da população civil, ações bélicas diretas provocaram danos e mortandade na população animal. Entre suas vítimas, figuram as próprias manadas da palanca preta, cujos rebanhos diminuíram drasticamente. E foi por muito pouco que essa belíssima espécie não se extinguiu para sempre.
Contudo, a situação de paz suscita renovado otimismo na conservação e recuperação do ambiente natural. Como em muitas outras frentes da reconstrução do país, na questão ambiental Angola demonstra disposição em sepultar a adversidade com esperanças.
Assim, o ministério do ambiente encetou uma somatória de ações visando ampliar o plantel de espécies ameaçadas. A desativação das minas fez retroagirem os danos às pessoas e ao ambiente natural. O reforço do patrulhamento nos parques nacionais – 6,6% da área do país – ensejou a redução da caça ilegal e o adensamento dos bosques.
Essas medidas são acompanhadas de iniciativas inéditas como a Operação Arca de Noé. Contando com a generosidade dos países africanos vizinhos, uma logística sem precedentes trouxe para Angola dezenas de elefantes, gnus, rinocerontes, girafas, avestruzes, antílopes e cheetas, transportados por meio de contêineres especialmente desenhados para esse fim.
Tudo isso mostra o quanto a paz tem seu quinhão de repercussões positivas. E também o quanto a reconstrução caminha, em Angola, com a meta da preservação ambiental, que na história deste corajoso país associa-se com o resgate de uma comunidade de destino.
Patrimônio único na sua majestade, a biodiversidade angolana é um legado a ser preservado, para benefício desta e das futuras gerações de angolanos. E também, para o conjunto da Humanidade.
Que assim seja!
LEIA DO MESMO AUTOR:
ÁGUAS DE ANGOLA: DEBATE ESTRATÉGICO E MULTILATERAL
http://www.livrariacultura.com.br/p/aguas-de-angola-101033961
CARTOGRAFIAS DO RACISMO: IMAGINÁRIO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL E ESPAÇO
http://www.livrariacultura.com.br/p/cartografias-do-racismo-imaginario-101542701
CARTOGRAFIAS DO RACISMO: ARQUÉTIPOS, FANTASMAS E ESPELHOS
http://www.livrariacultura.com.br/p/cartografias-do-racismo-arquetipos-fantasmas-e-101543360
O FABULOSO REINO DOS MANSAS DO MALI
http://www.livrariacultura.com.br/p/o-fabuloso-reino-dos-mansas-do-mali-100749336
O BAOBÁ NA PAISAGEM AFRICANA: SINGULARIDADES DE UMA CONJUGAÇÃO ENTRE NATURAL E ARTIFICIAL
http://www.livrariacultura.com.br/p/o-baoba-na-paisagem-africana-100420734
A MEMÓRIA VIVA DA RAINHA NZINGA: IDENTIDADE, IMAGINÁRIO E RESISTÊNCIA
http://www.livrariacultura.com.br/p/a-memoria-viva-da-rainha-nzinga-100249617
RETRATOS DA RAINHA NZINGA: GINGA DE MEÓRIAS, GINGA DE LUTAS
http://www.livrariacultura.com.br/p/retratos-da-rainha-nzinga-100242861
MAURÍCIO WALDMAN é jornalista, coordenador editorial, professor universitário, antropólogo e pesquisador africanista. Tem graduação em Sociologia (USP, 1982), Mestrado em Antropologia (USP, 1997), Doutorado em Geografia (USP, 2006), Pós Doutorado em Geociências (UNICAMP, 2011), Pós Doutorado em Relações Internacionais (USP, 2013) e Pós Doutorado em Meio Ambiente (PNPD-CAPES, 2015). Waldman atuou como consultor internacional da Câmara de Comércio Afro-Brasileira e professor nos Cursos de Difusão Cultural do Centro de Estudos Africanos da USP (CEA-USP). É colaborador do Jornal Cultura (de Luanda) e atuou como articulista na revista Brasil-Angola Magazine (São Paulo). Autor de dezenas de textos centrados no temário de África e Africanidades, é co-autor de Memória D’África: A temática africana em sala de aula (Cortez, 2007), obra de referência no campo africanista.
MAIS INFORMAÇÃO:
Portal do Professor Maurício Waldman: www.mw.pro.br;
Currículo Lattes-CNPq: http://lattes.cnpq.br/3749636915642474;
Verbete Wikipédia english edition: http://en.wikipedia.org/wiki/Mauricio_Waldman.
Contato E-Mail: mw@mw.pro.br
Deixe um Comentário
Você deve logar para comentar