CRÍTICA TEATRAL:
ESPETÁCULO: “TRÊS PRETOS – VALOR DE USO”
Ao entrar no teatro nos deparamos com um cenário bem desenhado, belo esteticamente e que nos causa apreensão para o que possa vir, pois atualmente diante da crise existente em se produzir arte / teatro no país, o costumeiro é presenciarmos um mercado alternativo com montagens de pequenas produções, quase sempre minimalistas.
O impacto visual do chão de café / terra negra e a iluminação bem cortada desde o início, cria uma expectativa e tenta imprimir uma dramaticidade que minutos depois de iniciado o espetáculo, descobrimos ter sido em vão e que ela não surgirá.
O ponto forte da montagem é a idealização que pretende colocar o discurso, ponto de vista e crítica à uma sociedade contemporânea ainda violenta e preconceituosa sob a ótica e palavra do “homem” negro, expressando suas próprias indignações e seus próprios sentimentos em sua retórica; porém os pontos fracos da montagem são em maior número e força.
Embalado por uma estética que cria a metáfora de uma vivência em guerra pelo cidadão negro na sociedade e ao mesmo tempo cortes de passagem de tempo que nos faz pensar no preconceito racial pelo decorrer da história, um palco de discursos surge diante da plateia, mas sem acontecerem cenas nem histórias que envolvam o público e comuniquem o conteúdo desejado; Um grande problema para os atores que se esforçam na sua intenção de transmitir o conteúdo de um texto dramatúrgico pesado, quase verborrágico (se não fosse pela importância do seu significado) e com características formais que não dialogam com a expressividade teatral.
A tentativa de guerra metafórica da encenação, acontece de forma concreta entre a direção e a obra teatral; Direção essa que perde a guerra demonstrando dificuldade de domínio do conjunto teatral como um militar que perde a mão na estratégia de guerra.
Há um desafio presente na montagem em desenvolver com alta criatividade ações cênicas que deem vida e sentimentos reais aos conflitos descritos no texto sem trocas de cenário, de figurino e com recursos tecnológicos questionáveis. A intenção de trazer o peso dramático para a cena é visível no cenário, nos vídeos e na sonoplastia que não flui harmonicamente com a cena, entrando de forma cortante e fria, sem interação e se tornando um problema cenicamente.
No geral, a montagem tenta chegar à um objetivo que não consegue. A obra que deveria revelar ao público o olhar e sentimentos do negro diante do universo à sua volta e que teria assim inúmeras ferramentas para tocar profundamente e sensibilizar o público, sofre de frieza, com um texto que “passa por fora” dos atores de forma mecanizada, com uma estética que não dialoga com a montagem e com uma técnica teatral mal orquestrada.
O diálogo que a sociedade atual necessita sobre os assuntos tão sensíveis, humanos, reais e tocantes explorados pela montagem e pelo qual o público comparece com sede de ver ser abordado, pedindo em seu íntimo que aconteça diante de seus olhos depois de tantos anos sendo abafado por uma sociedade que evitada falar sobre esses assuntos… não surge. E assim, é visível depois do espetáculo a frustração do público diante de uma comunicação entre arte e plateia que não acontece.
O teatro é um espaço para ações, além de elucubrações e voz negra tem muito a dizer.
Avaliação: ⭐⭐regular
Concepção e Direção: José Fernando Peixoto de Azevedo
Dramaturgia: José Fernando Peixoto de Azevedo e Luís Fernando Massonetto
Atores: Ailton Barros, Lilian Regina, Raphael Garcia
Assistência de Direção e Vídeo: Flávio Moraes
Assistência de Direção: Leonardo Devitto
Preparação Corporal: Tarina Quelho
Iluminação: Wagner Antônio
Direção de Arte: Chris Aizner
Técnico e Operação de Luz: Jimmy Wong
Programação Visual (Programa): Lucas Brandão
Assessoria de Imprensa: Márcia Marques – Canal Aberto
Produção: núcleo corpo rastreado
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