ESPETÁCULO :
“QUARTO DE DESPEJO”
O espaço cênico de “Quarto de despejo” é como se fosse uma das folhas do livro de Carolina Maria de Jesus, onde ficam impressas suas palavras e passagens de sua vivencia em um universo de personalidade única. Um espaço que se modifica para formar cenas e acontecimentos, assim como, quando escrevendo um livro, apagamos as frases imperfeitas ou superadas, buscando a melhor forma de comunicação.
Alguns podem assistir e se perguntar o motivo pelo qual o foco dessa dramaturgia e encenação não está mais concentrado na obra da artista do que nos acontecimentos de sua vida tortuosa e difícil, parecendo assim, supostamente haver então, uma tentativa de sensacionalizar a história de vida imprimindo um tom melodramático e altamente consumível. Porém não precisa ser muito inteligente ou observador para compreender que a obra artística de Carolina de Jesus é impossível de ser separada da essência da “novela” da sua vida, pois é, na verdade um complemento dela, retratando sua vida, costumes, hábitos, condições e habitat.
Na montagem da Evoé Cia de Teatro, presenciamos uma sequenciada marcação de cena, entradas e saídas, transposições e sobreposições cênicas que nos lembra, comparando com espetáculos anteriores da mesma companhia, que a “Evoé” tem evoluído com o passar do tempo, conforme a sua linguagem cênica própria se aprimora; e a batuta dessa sinfonia está na mão da direção de Rodrigo Ximarelli, que também assina a complexa e rica adaptação com muita dedicação e submersão necessárias para enfrentar essa aventura tão rica e de tanta responsabilidade. Ximarelli não possui o tão atualmente conhecido “lugar de fala” para empunhar a vida da escritora negra com a totalidade do olhar de quem passou por aqueles específicos dissabores (pelo ponto de vista racial), porém sua determinação em esmiuçar o universo da autora o levou à tratar da questão com poesia, sensibilidade, respeito, profundidade, conhecimento e empatia. Tudo o que necessitamos para como artistas,encararmos com qualidade um projeto sobre o qual gostaríamos de falar, mas que não pertence à nossa realidade de vida – o que acontece o tempo todo com todo e qualquer criador. Ximarelli cria assim uma sensível jornada emocional-educativa para o público.
O elenco tem como destaque os atores negros Arce Correia e Maggie Abbreu, essa última interpretando a própria Carolina de Jesus; Ambos com força, com sensibilidade e com signos genuínos de quem fala com propriedade sobre a questão. Arce nos toca com sua versatilidade, habilidade e principalmente com sua tocante e incisiva poesia vocal nos momentos cantados; Já a protagonista nos entrega uma personagem transbordando de significados internos como se a atriz criasse com muita consciência um “holograma” no qual nos transmitia com sua personagem todos os dilemas em simples olhares , gestuais e forças dramáticas em frases interpretadas.
Os outros atores compõem uma espécie de coro grego que se desfaz e se refaz, servindo de base para construção de situações que criam a engrenagem dramatúrgica e fazem a história acontecer. São competentes estruturas para um nave se manter na rota.
Ainda penso ser necessário os criadores teatrais refletirem sobre suas escolhas por incluir trechos musicados em certos espetáculos que já são poéticos por si só, tornando então, esses trechos, uma criação redundante e descartável.
A cia cria um conceito cênico para que tudo discorra com o mínimo que é o altamente suficiente: com adereços cênicos, figurinos e e visagismo inteligentes. Os últimos com a assinatura cuidadosa de Gil Oliveira.
A encenação merece parabéns pelo rigor técnico e pela poesia em forma de caleidoscópio que vai evoluindo diante de nossos olhos, abrindo portas que nos trazem revelações singelas, que passam rapidamente pelos nossos olhos e ouvidos,mas que se nos mantivermos atentos, nos farão pensar.
Talvez esse seja um espetáculo para ser assistido mais de 1 vez, pois são muitos detalhes a serem descobertos: resultado do mergulho feito na obra e vida da autora. Sendo assim, aproveite e o conheça ainda nessa temporada, pois torna-se um espetáculo obrigatório por tudo o que diz à nossa sociedade contemporânea.
Cotação: 🌟 🌟 🌟 🌟 🌟 Excelente
18/09 às 20:00 e 19/09 às 19:00
Complexo Cultural Funarte – Sala Carlos Miranda/ transmissão on-line
reserva de ingressos em http://www.evoeteatro.com.br
FICHA TÉCNICA
Elenco: Arce Correia, Lucas Barbugiani, Luana Tonetti, Maggie Abbreu, Wesley Salatiel e Shanny Segade/ Músicas e letras Arce Correia/Produção VS Thiago Siqueira e Gustavo Perri/Preparação para voz cantada Roberto de Paula/ Iluminação Carlos Marroco/ Figurinos, Fotos e Visagismo Gil Oliveira/ Confecção de Cartazes Alessandro Rodrigues/ Produção Audiovisual Ícarus Designer Gráfico Dimas Stecca/ Produção executiva Bruna Silvestre/ Adaptação, cenário e direção Rodrigo Ximarelli/ Realização Evoé Cia de Teatro.
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