Na estreia da série Papo de Beleza Marie Claire, a atriz fala sobre as mudanças que vê acontecer de pertinho no mercado de beleza, o poder da representatividade, como sua relação com seu próprio corpo amadureceu e mais, muito mais
Quando se fala em representatividade da mulher negra no Brasil, de uma maneira mais ampla, em alguma medida, as referências acabam passando por Taís Araújo. A atriz carioca de 44 anos personifica uma das primeiras possibilidades de identificação para muitas gerações, acima e abaixo da dela, de mulheres negras que nunca se enxergaram na mídia.
É também um dos símbolos de um movimento que compreende a ampliação de olhares e uma caminhada consciente para uma mudança de padrões de beleza da sociedade. “No meu histórico, que já tem um tempo, eu já vi de tudo. Desde revistas dizendo que negros na capa não vendem ou então que só poderia ter um negro por ano. Até começar a ver esse tipo de conversa virar dentro das editoras, de ter mulheres negras em três edições seguidas. Então, realmente, o meu tempo de vida trabalhando conta muito a história dessa mudança, né?”, aponta.
Como uma das principais referência sobre os novos e inspiradores ares do mercado da beleza, nada mais justo do que estrear com ela a série Papo de Beleza Marie Claire. Conversas que pretendem estimular a reflexão sobre a relação de questões estéticas e comportamentais na sociedade, a partir da voz de mulheres que fazem parte desta engrenagem. Confira o bate-papo exclusivo, que aconteceu no Rio de Janeiro, na sede da L´Oréal Paris, marca que tem Taís como representante de suas campanhas há 13 anos.
Marie Claire – De todos esses anos que você trabalha com beleza, faz campanhas, é porta-voz da L’Oréal, deste lugar com vista privilegiada que você tem, o que você percebe em relação a alteração dos padrões de beleza?
Taís Araújo – Bom, estamos no processo ainda, né? Mas a gente já teve uma mudança significativa, pelo menos em relação ao padrão que a gente era obrigada a seguir. E padrões inatingíveis para nós negros, né? Aquele padrão que deixava a gente lá na última da fila da beleza, sem a possibilidade de chegar mais próximo. Então, essa coisa de não ter um padrão tão rígido, acho isso muito bonito e eu dou todos os méritos para essa geração de 20, 30 e poucos anos, que estão à frente desses movimentos em prol da beleza sem padrão. As meninas gordas, as meninas negras, as meninas indígenas, todo mundo que está nesse movimento, muitas vezes elas ficam muito expostas. E essa é a dinâmica dos movimentos. Quem está na vanguarda? Quem está na frente está sempre exposto e correndo risco. É um ativismo mesmo. Então, nesse meu histórico, que já tem um tempo, eu já vi de tudo. Desde revistas dizendo que negros na capa não vendem até dizendo que pode ter uma negra, mas desde que tenha uma branca junto. Ou então que só poderia ter um negro por ano. Até começar a ver esse tipo de conversa virar dentro das editoras, de ter mulheres negras em três edições seguidas. Então, realmente, o meu tempo de vida trabalhando conta muito a história dessa mudança, né? Eu senti essa mudança no meu corpo, a minha pele sentiu, a minha vivência isso. A minha existência está vivendo essa mudança. Isso é bonito ver, porque você vê que tem um progresso, de fazer parte desse progresso.
MC – Você é, possivelmente, um dos personagens mais importantes dessa mudança aqui no Brasil. Mas dizer que sentiu isso no corpo, na pele, te trouxe algum dano emocional? Você se sentiu fragilizada em algumas situações?
Taís – Então, já tomei muita porrada, né? Eu acho que isso me criou uma casca, na verdade. Amadurecimento, habilidade de aprender a lidar. Danos acho que não, mas alguns traumas, sim. Na época de ‘Chica da Silva’, com a questão da nudez e tal. Ali teve muita exposição. Mas no geral, das porradas que eu levei, eu criei casca. Eu continuo aqui. Isso é um sinal muito forte de que eu segurei a onda. Já fui desacreditada tantas vezes, por tanta gente. Mas eu permaneci, estou permanecendo. Uma vez, acho que há uns cinco anos, uma pessoa me falou que as pessoas estavam questionando se eu não era uma moda. Eu falei, isso há cinco anos: “eu já estou aí há 25 anos. Então o tempo inteiro eu vou ser questionada. Se eu estou na moda, essa moda está durando 25 anos, tá maneiro!”. E pelo jeito a moda continua, porque agora eu estou na moda há 31 anos, que legal, né? E na verdade não tem a ver com a moda. Permanecer é difícil mesmo.
MC – E faz parte de um processo, né? Porque as pessoas estão mudando as perspectivas.
Taís – O meu olhar também foi mudando. Não é que eu já estava aqui, já sabia de tudo, as pessoas foram mudando e agora estou aqui, sentada nesse lugar. Não. Eu também fui mudando o meu olhar para a beleza. Eu também me reeduco, dia após dia, sobre o que é belo, o que não é belo, se todos somos belos, todos têm a sua beleza. Eu também fui criada num país racista, machista, onde só o ideal de beleza europeu era o quero que tinha validade. Eu também tenho essa criação, isso também está dentro de mim. Só que eu também fui amadurecendo. Conforme a sociedade vai se questionando, eu também fui me questionando, e me livrando do que eu considero que não presta.
MC – Nesse processo de questionamento e releituras, como ficou a tua relação com o corpo? Você tem esse olhar mais democrático e mais carinhoso com as questões do corpo também?
Taís – Eu mudei totalmente. Eu sempre fui magra, sempre tive um corpo bem padrãozinho. Mas eu tinha vergonha de ir à praia porque eu tenho muitas estrias na bunda, por exemplo, então durante a minha adolescência eu não fui à praia. E aí o movimento das meninas gordas me ajuda para caramba. Pode parecer que não, mas me ajuda pra caramba. Um movimento ajuda do outro, não adianta. Eu nunca fui gorda, não é a minha estrutura, eu venho de uma família que tem algumas mulheres gordas, mas eu puxei a família do meu pai. E eu tinha vergonha do meu corpo mesmo sendo magra. Quando eu vejo essas meninas é a coisa mais linda. Por que você vai se limitar, se privar de viver plenamente por causa do outro? Ah, pelo amor de Deus. O outro que se dane! Então, um movimento ajuda muito o outro mesmo. Eu só quero ficar saudável, ter uma velhice saudável, de qualidade. Eu me cuido para caramba. Quando eu fiz 40 anos eu falei “eu vou ter uma alimentação basicamente saudável. Não é que eu não como porcaria, não. Como tudo, bebo, faço tudo. Mas o meu dia a dia vai ser bastante saudável, vou me exercitar todo dia. Vou fazer isso dos 40 aos 50. Quando eu chegar nos 50 isso tem que ter virado um hábito! E aí eu vou até os 70, os 90, com muita qualidade. Não é que eu não, me cuido direto. Vou na dermatologista direto, malho, como bem e tal. E aí eu falo cara, eu tô muito melhor com 44 do que com 22, mas muito melhor mesmo, nem se compara.
MC – Pensando em identificação, em como você representa e motiva outras mulheres, você lembra algum fato específico que te fez entender e se sentir confortável como uma mulher negra? Como um marcador de tempo que define quando sentiu orgulho em ser quem você é…
Taís – Eu tive alguns momentos, sim. Quando comecei a trabalhar como modelo, com 13 anos, foi um momento de ser reconhecida. Porque uma adolescente, para trabalhar como modelo, é como ganhar um carimbo de que você é bonita. Isso foi muito importante para mim. Daí eu fui conhecendo outras modelos negras. Naomi Campbell, não pessoalmente, mas sabendo da existência. Tyra Banks. A Isabel Fillardis era uma super top model na época e estava ali bem perto de mim. Então isso também foi um outro marco. Na minha adolescência, assistir Boyz N The Hood, com meus amigos todos brancos e que eles saíram odiando o filme eu saía amando. Ali foi o primeiro momento eu pensei: hum, tem alguma coisa diferente aqui entre mim e eles. Terceira coisa: o ‘Sobrevivendo no Inferno’, dos Racionais, foi um disco muito importante para mim. Conhecer Racionais ali, por mais que a minha realidade fosse completamente diferente da que eles cantavam, tinha alguma coisa identitária ali, de não pertencimento, que me falava ao coração. São vários marcos. Nos últimos oito anos, ler as autoras negras, por exemplo, parece que tem um encaixe direto. Eu acho muito engraçado, quando eu li uma Tony Morrison, uma bel hooks, e que parece que ela tá falando para mim. Mesmo ela nascendo em outro país, em outra geração. Uma sensação de que tem um lapso, um lugar que precisa ser preenchido, identitário. Quando eu vejo alguma coisa que uma pessoa negra escreveu ou dirigiu, é o que mais me interessa. É um lugar de pertencimento que eu nem sabia, que eu não sentia antes. Quando eu vi uma dramaturgia ou uma literatura muito branca. Eu não tinha essa esse entendimento de que não era não era pertencente. Até entender o que era pertencer, sabe? Então acho que ultimamente é isso que que mais cola. E isso começou quando eu li, lá no Coletivo di Jeje, isso tem um oito anos. Eu peguei um TCC de uma menina, para ler. Gente, aquilo mudou a minha vida. E foi aí que eu comecei a ler mais autoras negras. É uma construção.
Fonte: Marie Claire.
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