Homem, preto, Mestre em Administração pela ESPM, empresário e consultor de diversidade, equidade e inclusão para grandes empresas desde 2012, me deparo diariamente com o racismo estrutural presente em nossa sociedade e em companhias de todos os portes e segmentos. Em muitos casos, sou procurado pelas empresas para gerar engajamento de suas marcas, mas acabo prestando consultoria dado o contexto e a abordagem racista dos profissionais envolvidos neste processo e chancelada por companhias que ainda pregam a narrativa da diversidade somente em suas campanhas de publicidade e propaganda.
Uma década se passou e decidi investigar e apresentar os obstáculos que os influencers negros ainda enfrentam no Brasil. Ao longo de 2022, entrevistei criadores(as) de conteúdo negros(as), profissionais de diferentes regiões do Brasil e que atuam em diferentes áreas: Lifestyle, Moda, Beleza, Música, Entretenimento e Financeiro. A constatação, infelizmente, foi óbvia: para atuar neste mercado que segue em ascensão, estes profissionais devem estar sempre preparados para enfrentar tratativas racistas das marcas e de seus profissionais de marketing – sejam influenciadores em início de carreira, sejam influenciadores já considerados celebridades no ramo.
Em essência, o estudo buscou compreender: 1) como os profissionais de marketing de companhias abordam e oferecem parcerias. 2) quais os principais atos racistas enfrentados nas diferentes etapas de carreira como influencer. E, por fim, 3) como influencers negros(as) gerenciam suas marcas próprias, mantendo sua autenticidade e fidelidade aos próprios valores.
Os relatos obtidos são perversos e cruéis. Demonstram que marcas e profissionais de marketing de grandes empresas ainda não estão preparados para atuar plenamente com influencers negros(as). Em quase sua totalidade, os profissionais dessas marcas são pessoas brancas sem qualquer proximidade com essa e outras diversidades, resultando em atitudes racistas do começo ao fim da relação entre esses dois lados.
O estudo revela também a segregação – para influenciadores(as) negros(as), os convites para participação em eventos ainda se restringem aos meses de junho (Mês do Orgulho LGBTQIA+) e novembro (Mês da Consciência Negra). “Nestas datas, pipocam de marcas querendo fazer parceria… Fora isso o criador é meio que esquecido… só lembrado nessa época. Aí no meu caso eu brinco que eu ganho dinheiro em junho, que é o mês LGBTQIA+, e em novembro que é o mês da consciência negra.” diz o criador de conteúdo Enzo. Para a influenciadora Aline, a experiência é a mesma. “Parece que muitas marcas, infelizmente, só lembram do povo preto em novembro e mês da mulher, é quando chove trabalho.”, afirma.
É consenso também entre os entrevistados a percepção de que os algoritmos das plataformas digitais sabotam suas postagens; receber valores abaixo do que recebem os influencers brancos(as); ser hiperssexualizado e assediado por profissionais das empresas; ter a pele clareada pelos maquiadores contratados pelas marcas e, posteriormente, em softwares de tratamento de imagens; não ter os pagamentos acordados previamente honrados pelas empresas e se reclamar à marca de qualquer um desses pontos, será excluído da lista de futuras parcerias.
A abordagem das companhias (justificando o injustificável)
- “Já recusei trabalho por questão de valor também, porque quando chega para a gente, pessoas pretas, eles sempre mandam um valor bem abaixo do mercado, e eu lembro uma época que uma marca entrou em contato comigo, mas também entrou em contato com um amigo que é branco, e ele tinha números menores que o meu e a proposta para ele foi bem mais alta do que para mim.”
- “Eu já ouvi de marca, por exemplo, falando: Precisa ter pelo menos uma pessoa ali. Colocando como cota, sabe. Coloca uma pessoa preta ali e está bom.”
- “Eu não tenho expectativa de encontrar uma marca que esteja pronta, que não seja racista, gordofóbica, machista, xenofóbica, eu acredito que a gente ainda não tá nesse momento social do Brasil, talvez não do mundo.”
- “Não poder performar em trabalhos que geralmente tem um aspecto de felicidade, como por exemplo, natal, dia dos namorados, os trabalhos são reduzidos para a gente; menores valores, os influenciadores negros ganham menos do que os influenciadores brancos.”
Propósito e valores são inegociáveis
- “Tudo que não está alinhado com os nossos valores eu não flexibilizo.”
- “A marca tem que se posicionar principalmente sobre racismo, sobre LGBTFobia, não só nos meses de junho e novembro, tem que haver uma pluralidade ali.”
- “Primeiro critério que é o mais importante de todos, é ser coerente conosco, enquanto pessoas e enquanto marca. Já tive propostas com marcas que falei: Não faz o menor sentido trabalhar com essa marca.”
- “Mas marcas que tem casos de racismo e machismo eu opto por não trabalhar. Eu sei que eles estão me procurando também com essa vontade de fazer o exercício da diversidade.”
Alguns números falam por si e corroboram os relatos. Entre o mercado de influenciadores digitais, estima-se que o Brasil já concentre cerca 500 mil destes profissionais com mais de 10 mil seguidores. Número que salta para 13 milhões considerando aqueles com ao menos 1 mil seguidores. Em relação ao perfil do influenciador digital no país, em sua maioria são mulheres (76,5%), brancas (69%), de 26 a 37 anos (68%), heterossexual (68%) e moram em São Paulo (60%). Os dados são da plataforma Statista, portal de estatística com dados de mercado, inteligência de dados e serviços de marketing de conteúdo.
Já em relação aos ganhos dos influenciadores no Brasil, levantamento de 2020 da agência Black Influence, consultoria de negócios para a economia de influência, revelam que o preconceito, a discriminação e o racismo na sociedade são presentes também no ambiente digital: para as mesmas campanhas de publicidade e propaganda, 38% dos criadores de conteúdo negros no país recebem menos que criadores de conteúdo brancos com a mesma equivalência em número de seguidores e engajamento. Em média, o ganho por postagem do criador de conteúdo negro, preto e pardo é 16% menor que o ganho do criador branco. Essa herança discriminatória no universo digital pode ser ainda cruel que no mundo real. Ainda de acordo com mesma pesquisa, o racismo é o maior motivador de ataques de ódio contra criadores de conteúdo negro e também e indígenas.
Na relação com as marcas, portanto, esse é um pequeno retrato da realidade enfrentada pelos influencers negros no Brasil. Contudo, algumas atitudes podem ajudar os criadores de conteúdo negros a enfrentar esse cenário. Abaixo, algumas dicas ao analisar os relatos dos influencers negros que me ajudaram neste estudo:
- Não recuse propostas de empresas que já tiveram comportamentos racistas – Essa pode ser uma oportunidade exigir algumas ações que corrijam os erros cometidos por estas marcas.
- Atue com contratos assinados por ambas as partes e que sejam transparentes – Considere todas as suas exigências neste documento. Isso irá te proteger de possíveis problemas.
- Seja fiel aos seus valores e aos valores dos seus seguidores – Proteja-os assim como eles te protegem.
- Frente aos problemas com as marcas, exerça sua cidadania de modo assertivo – isso poderá te aproximar de futuras parcerias com outras marcas.
- Estude os algoritmos das plataformas em que deseja atuar – Elas têm comportamentos racistas e acabam por não potencializar suas publicações. Encontrem meios de driblar esses atos.
Estas são atitudes importantes a serem consideradas pelos influenciadores digitais desde o início de sua carreira para amenizar os problemas que enfrentarão ao longo do caminho. Como é de conhecimento geral, ser negro e negra no Brasil não é fácil em nenhum ambiente e em nenhuma profissão.
Conheça o estudo completo aqui.
Wagner Cerqueira, mestre em Administração pela ESPM, graduado em Marketing pela Universidade Anhembi Morumbi, com MBA pela Fundação Getúlio Vargas e Fundação Dom Cabral. Atua desde 2012 com Diversidade, Equidade & Inclusão, Marketing e Franquias em grandes empresas. Co-fundador da Rede de Profissionais Negros, entidade que promove ações de qualificação e inclusão no mercado da comunidade negra e idealizador da marca de moda Identidade Negra.
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