ESPETÁCULO :
“ENTRELINHAS”
Se você procura obras artísticas de qualidade e que fujam do circuito óbvio e ultra comercial, você já deve ter ouvido falar do MIT-SP , a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo.
O MIT uma vez ao ano nos presenteia com uma variada cartela de espetáculos de teatro, de dança, seminários, debates, instalações. Um imperdível trabalho de curadoria que beneficia o público que o assiste e também os artistas participantes.
Nesse ano de 2020, devido a pandemia do Coronavirus, a Mostra precisou sair do formato tradicional para se encaixar na forma virtual e passou a apresentar os trabalhos artísticos convidados via plataforma. Criou-se então uma agenda e alguns espetáculos ficaram e estão disponíveis gratuitamente ao grande público.
Entre os espetáculos podemos assistir “Entrelinhas”, um patchwork de coreografias e estilos musicais que tem o intuito de fazer uma trajetória histórica, por uma timeline subentendida, ilustrando alguns dos sofrimentos sentidos na “pele” por toda mulher negra.
A apresentação pode ser classificada como performance de dança. Apesar de esboçar passagens teatralizadas, não chega a ser atuação, não passa de um rascunho cênico. Para ser teatro seria necessário mais complexidade na arquitetura teatral, no aprofundamento psicológico, mais verticalidade poética e estética.
O conjunto de coreografias desenha como a mulher negra sempre foi calada durante a história humana. Uma variação das mesmas dores e silêncio que as seguem repetidamente, mesmo que observemos de tempos em tempos.
Os melhores momentos da encenação são aqueles onde a única protagonista (pois trata-se de um solo da coreografa e bailarina Jaqueline Elesbão) emenda os passos puramente dançados, como o início nas pontas dos pés, diferentemente dos momentos de dramatizações cênicas, nos quais há necessidade de técnicas interpretativas, onde nota-se o uso de repetitivos signos dramáticos que remetam à um universo já conhecido de clichês.
As mensagens são fortes e necessárias e a imagem de Elesbão emudecida dá mais ênfase ao sofrimento negro-feminino.
A escolha da trilha desenha e caracteriza bem a alteração do momento histórico de cada coreografia/cena e auxilia na compreensão do objetivo artístico, apesar de a opção pelo universo musical obviamente “popular” não cooperar na criatividade necessária para se criar um espetáculo composto apenas por um corpo e por um cenário musical. A trilha poderia estar mais entrelinhas.
A ausência de cenário físico e figurino mínimo, nos imergem no mundo negro da “caixa teatral preta”, sem escapatórias de realizarmos mais pensamentos metafóricos com qualquer outro recurso cênico, que poderia sim auxiliar na obra artística final. Para se ocupar um espaço cênico sem nenhum artifício além do corpo é necessário muita riqueza, criatividade e aprofundamento artístico.
O conteúdo e o discurso social é imprescindível na Arte e ele é presenciado em “Entrelinhas” o tempo todo sem deixar que o público fuja do digníssimo objetivo, porém há de se usar as ferramentas artísticas para que haja catarse da ideia discursiva para a obra artística.
O discurso gritado da mulher negra se espalha por todos os poros de um corpo que berra por justiça e o público deve escutá-lo, senti-lo e permiti-lo.
Cotação: 🌟🌟🌟bom
Ficha Técnica:
Coreógrafa e intérprete: Jaqueline Elesbão
Produção: Nai Meneses
Sonoplastia: Anderson Gavião
Iluminação: Robson Poeta
Confecção de Figurino: Luiz Santana
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