MÃE PRETA – FILHA PRETA
E uma coletânea de contos escritos por pretas falando da maternidade vivenciada, vista e revista por todos os possíveis lados. São dezessete escritoras negras que fazem narrativas vivas de seus olhares.
Neste mês apresentaremos quatro (4) e tem mais tão potente quanto.
Tão emocionante quanto.
Tão preta quantos
Interessadas e interessado em publicar, entre em contato conosco.
Boa Leitura
O ROUPÃO ROSA DE DONA JUÇARA por Inaiá Araújo
Ruiva trabalhava como empregada doméstica os cinco dias da semana. Por essa razão, a pequena Sarará ficava em outras casas até sua mãe chegar. Vizinhas admiravam Ruiva por sua força e caráter forte. Para Sarará, essas casas nem sempre cuidavam dela, e sim a depositavam em um canto da casa, aos gritos davam ordens com direito a beliscões. Em algumas casas, a pessoa que na frente de Ruiva se mostrava responsável nos cuidados, era só Ruiva bater o portão e o tratamento mudava radicalmente. A dona mandava a pequena tirar a roupa e pôr outra mais velha. Assim, Sarará poderia ficar livre no quintal sem sujar a roupa com que chegara. As brigas com filhos e filhas das cuidadoras eram frequentes. A fama de atentada de Sarará era grande na vizinhança. Reclamar não adiantava porque a necessidade de Ruiva falava mais alto. Mas a felicidade da pequena Sarará era quando sua mãe dizia: – Filha não tem ninguém para ficar com você amanhã, por isso vai dormir cedo para encarar comigo um ou dois dias de trabalho.
Cada dia era uma casa de família diferente, tinham suas histórias e hábitos, que Ruiva conhecia como suas próprias mãos. A segunda feira, casa de dona Juçara, mulher que nos recebia de robe de seda rosa. Ruiva de antemão justificava a presença de Sarará já dizendo:- Dona Juçara, minha filha maluquete não vai mexer em nada e só vai ficar no quartinho assistindo tv. Então a patroa respondia: – Não precisa disso Ruiva, quando os meninos saírem ela pode brincar no quarto deles até o meio dia. Feito o combinado do dia, Sarará vai para o quarto da empregada. Para Sarará o quarto era divertido, tinha um beliche onde a pequena subia e descia, fazia uma cabana e brincava de faroeste como nos filmes a que assistia. No quarto das empregadas tinha uma cômoda com gavetas e a tv, geralmente pequena e a imagens com chuviscada que só melhorava com esponja de alumínio. A brincadeira terminava com o café da manhã, momento já aguardado porque era a hora de todos saírem e assim ela podia andar pela casa gigante e cheia de coisas tão impressionantes que só de olhar já era o bastante. Sarará começava sua aventura pala sala, pulava no sofá e não quebrava, depois a estante de porta retrato e objetos das viagens da família. A pequena partia distraída até os quartos dos filhos. Quando entrava, tudo o que a tv mostrava havia lá. Bonecos de várias cores e tamanhos, os lençóis dos heróis conhecidos ou vindos de lugares que ela nunca tinha visto.
O tempo para a Ruiva era curto, o trabalho começava pelos quartos, corredores e sala. Quando chamava Sarará, a brincadeira terminava. O almoço também cabia a Ruiva e Sarará podia contar que a comida seria boa e cheia de cor.
A primeira que chegava na casa e já elogiando o cheiro da comida era dona Juçara. Na cozinha fumava um cigarro com Ruiva e lamentava tanta coisa que Sarará preferia só ouvir as palavras diferentes da dona rica. Tinha momentos em que a dona chorava e pedia um abraço de Ruiva. Era tão esquisito ver uma mulher tão rica chorando. Ruiva a abraçava, depois segurava o ombro da mulher bem forte, no olhar enxugava as lágrimas dizendo que não sabia como ajudar, mas estava lá sempre para um abraço. Depois as duas falavam baixinho e tudo voltava ao normal. Quando todos estavam à mesa era um silêncio na casa, só os talhares conversavam. Dona Juçara chamava Sarará para se juntar-se a todos, e a menina ficava entre a vergonha e felicidade de aprender a se comportar.
Sentava e os talhares se confundiam. E apesar de a dona falar ao seu ouvido quais talhares usar, o momento era de comer pouco e aprender mais do que a fome ensinava.
Caminhada: Inaiá Araújo 50 anos. Atua com as artes, escrevendo, compondo, tecendo e ensinando xequerês. Na música se inspira nas águas das Yiabás, compasso do ixejá. Assim explica as técnicas dos toques dos xequerês. Suas narrativas surgem dos aprendizados na matriz africana. Onde tudo tem sentido e mistério prato cheio para contar sobre os orixás e a natureza essência da vida. Inaiá Araújo vem ao longo de vinte anos entre as artes de pesquisas dos ritmos, das escritas para narrar histórias e poesias
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