ESPETÁCULO :
“F.E.T.O. – estudos de Doroteia nua descendo a escada”
Nesse instante, quanto a tempo histórico, tempo interno, tempo emocional e dramático, há em todo o mundo (de forma mais intensa e grifada em alguns lugares) uma nuvem que nos rodeia e nos assombra, como uma ambientação de um set de Hithcock, paralelizando com nossa realidade de sobreviventes perdidos num pântano. O desastre contemporâneo onde não imaginávamos chegar. O descer ao fundo do poço degrau a degrau em “slow motion” aos tropeços.
O que mais tenho presenciado desde quando começamos a adentrar nessa nuvem, são pessoas próximas enfrentando turbulentos conflitos internos, psicológicos, tentando encontrar os motivos e saídas de tudo isso que estamos colhendo: guerras, fome, ódio, sangue, truculência, ignorância;
E é com a consciência dessa nossa existência que assisto quadro a quadro (como um quadro de artes plásticas mesmo) o espetáculo “F.E.T.O. – estudos de Doroteia nua descendo a escada” de Gerald Thomas no SESC Consolação em São Paulo, numa noite fria e cinzenta, de tons profundos. E lá está o reflexo dessa nossa realidade, pintada à pinceladas de tinta óleo em tela de carne e osso.
Assisto as peças de Gerald, desde os anos 90, passando por “O império das Meias Verdades”, “The Flash and Crash Days” e agora “F.E.T.O.” e todos os simbolismos estão lá, todas as metáforas, a ironia do artista rindo de si mesmo e do mundo, as referências políticas, sociais e artísticas. A receita com todos os ingredientes sendo servida como num banquete, pois Gerald sabe muito bem o que faz e como faz esse prato.
Você pode (e eu particularmente acredito que DEVE) antes de assistir ao espetáculo, se informar sobre o conteúdo, ler análises, pesquisar referências, saber sobre oque se fala, ler o programa, como quando se vai à um museu, para poder aproveitar mais e fazer relações intelectuais mergulhando com mais profundidade à experiência artística, pois assistir “F.E.T.O.” é sim submergir na arte.
Mesmo para o público que não quer se informar , se preparando sobre o conteúdo e vai somente para a diversão, o espetáculo surpreende. A plateia estava encantada com o deleite visual que realmente impressiona em sua perfeição plástica de cenários de Fernando Passeti e concepção e direção de cena de Gerald. A cada cena se constrói uma pintura viva e pulsante acompanhando o sound design e trilha impactante de Ale Martins. Uma perfeição no meticuloso ballet da iluminação desenhada por Wagner Pinto. Um ballet onde sobrevoam a cena voando em cabos de aço ou com pés fincados ao chão um elenco talentosíssimo: Fabiana Gugli, Rodrigo Pandolfo, Lisa Giobbi, Beatrice Sayd, Raul Barreto e Ana Gabi, dançam entre a comédia , o drama, a farsa, dominando a plateia.
Mas para quem reconhece os “readymades” de Duchamp, sua noiva despida por celibatários de “O Grande Vidro” que dialoga com a gozo bloqueado das “viúvas” em núpcias de “Doroteia; para quem reconhece a crueza e realismo sofrido do corpo entregue ao chão seco da volta à fome do brasil e dos refugiados (ucranianos, sírios, etc,etc,etc) de Iberê Camargo, para quem se reconhece….reconhece o que é e deveria sempre ser o bom teatro que fala com seu tempo.
Que a obra fique bastante tempo por aqui e “dialogue” muito com o público que merece esse deleite e também com a classe artística teatral brasileira, que precisa de muita auto-crítica para progredir no que desenvolve atualmente permanecendo estagnada no tempo.
Há um tempo atrás eu disse: “Gerald, venha para cá com mais teatro porque precisamos.” Não sabia do meu poder premunitório.
Assistam, assim que puderem. Assistam!
Cotação: 🌟🌟🌟🌟🌟 excelente
Ficha técnica
Criação e Direção: Gerald Thomas
CoDireção, Coreografia e Performance Aérea: Lisa Giobbi
Elenco: Fabiana Gugli, Rodrigo Pandolfo, Lisa Giobbi, Beatrice Sayd, Ana Gabi e Raul Barretto.
Dramaturgismo: David George
Desenho de Luz: Wagner Pinto
Cenografia e Direção Técnica: Fernando Passetti
Adereços: Clau Carmo, Raíssa Milanelli
Figurinos: João Pimenta
Poeta: Luciene Carvalho
Sonoplastia e Trilha Sonora: Ale Martins
Músicas:
Portugal é um Nerologismo: Fatima Vale & Charles Sangnoir
SKÆLV B: Kasper Toeplitz & Jørgen Teller
A Guerra, A Guerra II, Marcha Fúnebre: Eduardo Agni
Lamento: Eduardo Agni (com participação especial de Mônica Salmaso – voz)
Direção de Produção: Dora Leão
Assistente de Direção: André Bortolanza
Assistente de Produção: Ingrid Lais Monreal
Assistentes de Iluminação: Gabriel Greghi, Gabriela Cezario
Assistente de Cenografia: Vinicius Cardoso
Assistente Técnico: Samuel Kobayashi
Contrarregras: Calú Batista, Raíssa Milanelli
Maquinistas: ClaudioBoi, Mazinho, Rafael Dias, Zé DaHora
Cenotécnicos: Carol Nogueira, Casa Malagueta, Neide Cecilia, Rafa Dias, Su Martins, Usina da Alegria Planetária, Zé DaHora
Auxiliar de Montagem: Eron Dias, Iuri Dias, Leandro Wildenes, Rodrigo do Nascimento, Willians dos Reis
Direção e técnica do vídeo (de Ana Gabi): Carol Thusek
Visagismo: Louise Helène
Aulas de Corpo: Fabricio Licursi
Camareiras: Andrea Lima (Temporada), Maria Rosa Nepomuceno (Ensaios)
Segurança: Juliana Ferreira
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Desenho e Pintura: Gerald Thomas
Fotos de Divulgação: Carol Thusek, Claudia Santos de Oliveira
Produção e Administração: PLATÔproduções
Realização: Sesc SP
Deixe um Comentário
Você deve logar para comentar