NOTAS DE ESCURECIMENTO POR ESCRITO – Série de questões enviadas para escritoras negras e escritores pretos que gentilmente responderam
Escritora de hoje: Cláudia Carvalho Menezes
MUITO ALÉM DA PLANTA E DO BICHO
Uma planta
Nasce planta,
Cresce planta,
Morre planta.
Ah, se o ser humano apreendesse
O crescer profundo das raízes,
O crescer para o infinito dos galhos e folhas
E que desse interno e externo,
Pode-se construir sua própria energia.
Um bicho
Nasce bicho,
Cresce bicho,
Morre bicho.
Ah, se o ser humano apreendesse
O viver instintual
Que mobiliza o interno e o externo
Na procura de satisfação da vida.
Um ser humano
Nasce potencialmente humano.
Mas na sua consciência
Com a qual se diferencia
Da planta e do bicho,
Exalta uma supremacia existencial
E gradual com os seres vivos
Deles se apropriando e deles se apartando,
Cria outra instância de vida
Na qual se diviniza.
Nega sua planta, nega seu bicho.
Perde-se o humano,
Numa cadeia de normas
Que nem sempre se fundamentam
Na construção de sua própria energia
E na satisfação da vida.
Já não se morre humano.
Se desusa e se desqualifica
Em sua consciência.
Não se reconhecendo planta e além,
Não se reconhecendo bicho e além.
Constituindo-se mecanicamente,
Cultuando o inanimado
Por vesti-lo de poder.
CONVERSA
NOTAS DE ESCURECIMENTO: Por gentileza, se apresente:
CLÁUDIA CARVALHO MENEZES: Eu sou a Claudia, filha da Dona Conceição e seu João Batista, nascida em São Luís do Maranhão. Sou uma mulher negra de pele clara, nordestina, morando em São Paulo há mais de 25 anos. Sou dentista de formação, funcionária pública na atuação e escritora de coração, não tenho formação em Letras, área que sempre me encantou, entrei na área da escrita por puro prazer em ler e escrever.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como a sua ancestralidade está nos seus escritos?
CLÁUDIA CARVALHO MENEZES: Penso que em todo texto, cada linha está presente minha ancestralidade, pois sou quem sou pelas raízes que me formaram, meu pensar e sentir estão imbuídos das minhas origens.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é, para você ser uma escritora negra no Brasil?
CLÁUDIA CARVALHO MENEZES: Como minha caminhada na escrita é recente, publiquei meu primeiro livro em 2020, em um formato individual, de forma que se poderia até dizer caseira, pois por uma questão de realizar um sonho, ver meus escritos no formato “livro”, pesquisei editoras, valores e fiz a publicação, não tinha intenção de grande divulgação, vendas. Assim, estava fora desse mundo editorial. À medida que entrei em contato com tantas escritoras e escritores negros fui entendendo o quanto é invisibilizado o nosso trabalho.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Inspiração ou transpiração?
CLÁUDIA CARVALHO MENEZES: As duas coisas, mas a transpiração é que torna a inspiração realidade!
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais são os seus principais temas?
CLÁUDIA CARVALHO MENEZES: A vida, as pessoas, as paisagens, os sentimentos, tudo traz uma história a ser sentida e captada em palavras.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é o seu processo de escrita?
CLÁUDIA CARVALHO MENEZES: Ás vezes o processo se faz num repente e parece que já vem pronto, às vezes fica sendo gestado até conseguir ser traduzido em palavras.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é ou foram as suas relações com os seus pais?
CLÁUDIA CARVALHO MENEZES: Meus pais foram os meus heróis da infância, vilões da adolescência e modelos na fase adulta, mesmo que modelos a não serem imitados, mas modelos. Tenho por eles profunda admiração, respeito e amor. De modo especial minha mãe, professora, foi fundamental na valorização do estudo e importância das “letras” em minha vida.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: O que também se faz palavras em seus escritos?
CLÁUDIA CARVALHO MENEZES: Tudo pode vir a se tornar palavras, de forma especial aquilo que me traz a experiência de me sentir viva.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você leitora?
CLÁUDIA CARVALHO MENEZES: Gosto de poemas, romances, crônicas, filosofia, neurociência, história, biografias…
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como foi e é para você a publicação do Livro?
CLÁUDIA CARVALHO MENEZES: Foi uma experiência solitária como falei antes, penso que me dei de presente a publicação do meu livro. Mas percebo que o mundo editorial assim como todos os meios de produção com a lógica capitalista visa lucro e existe uma procura pelo que for vendável.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para que você escreve?
CLÁUDIA CARVALHO MENEZES: Para deixar uma maneira de pensar registrada, como uma pintura rupestre.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais suas negras influencias?
CLÁUDIA CARVALHO MENEZES: Descobri os escritores negros, agora na pandemia. Sou de uma geração que a formação invisibilizava os autores negros ou os branqueava. Comecei a ler: Maria Firmina dos Reis, Carolina Maria de Jesus, entender Machado de Assis, Cruz e Sousa como autores negros. Ter contato com os Cadernos Negros! Conceição Evaristo, Djamila Ribeiro, Grada Kilomba, Marli Aguiar, Franz Fanon… Me sinto numa real defasagem em relação a tudo que preciso conhecer, tudo que foi escondido!! Mas agora é só tempo para mergulhar nessa literatura viva e enriquecedora.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Conceição Evaristo cunhou um termo escrevivência. O termo aponta para uma dupla dimensão: é a vida que se escreve na vivência de cada pessoa, assim como cada um escreve o mundo que enfrenta. Essa ideia se faz letras em seus escritos?
CLÁUDIA CARVALHO MENEZES: Sim, porque o que escrevo fala de minha interpretação do mundo e isso é indissociável da minha vivência.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você sendo Ancestral em seus escritos?
CLÁUDIA CARVALHO MENEZES: Sou ancestral no ponto em que me faço voz e testemunho que todos podemos nos fazer vozes em alto e bom som, sem possibilidade de sermos silenciados.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Cuti afirma que a LITERATURA NEGRO-BRASILEIRA além do negro em primeira pessoa, também prepara o leitor negro. Como tem sida a sua preparação. De fato, estou adentrando ao estudo da literatura negro brasileira e me surpreendendo com tantas obras primas que foram silenciadas. Então me sinto uma aprendiz e com muita defasagem. Inclusive aproveito para dizer que o canal Notas de Escurecimento foi crucial para mim, uma fenomenal fonte de descoberta, conhecimento e aprofundamento.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para quem você escreve?
CLÁUDIA CARVALHO MENEZES: Nunca parei para pensar nesse aspecto. De supetão diria, para todos que se atrevam a descobrir sutilezas num mundo tão cheio de concretudes.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual a função social da sua literatura?
CLÁUDIA CARVALHO MENEZES: Penso que a função dos meus escritos é de criar pontos de reflexão enquanto pessoa, ser humano e sua inserção no mundo enquanto vetor de transformação individual e social.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quando se descobriu negra?
CLÁUDIA CARVALHO MENEZES: Sou negra de pele clara e me perceber negra foi natural no sentido que, vinda de uma família com casamentos multirraciais era comum a gente nos observar parecidos com o vô, com a vó, tia, tio e isso incluía a nossa negritude. Com o colorismo no Brasil é muito comum eu não ser considerada nem parda. Mas me reconhecer como negra faz parte de minha identidade e é fato que sempre me senti mais inclinada admirar a minha origem negra, de resistência e coragem, do que de minha origem branca, pois se branca estava do lado do opressor. Um fato curioso é que os únicos nomes de bisavós que recordo são do meu bisavô Simplício, homem preto, que se casa com a Polichena, uma mulher branca. Esse casal foi um único que se uniu por estarem apaixonados, todos os outros dessa geração foram casamentos “arranjados” pelo pais. Talvez por isso é como se esse casamento tivesse sido o único real e me sinto fortemente inclinada a me identificar com eles.
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