Paulo André
I
Primeira vez foi na rua.
Veio um negrãozinho de sorriso amplo e passo macio.
— Meu nome é Paulo André Viera.
Na segunda, foi na antiga Febem, dos carentes. Junto com os pequenos que sempre foi.
— Meu nome é Paulo André. Me leva pra casa, tio! Me leva pra sua casa!
Na terceira vez, falamos primeiro.
— Sua mãe telefonou… falou… falou e a gente não entendeu nada!
— Fala pr’ela que tô na rua, tô bem e volto no Natal.
— Natal está longe!
— Eu espero…
Visitamos Tereza, a mãe.
Comenta que está doente.
Declara que sofre dos nervos.
Paquera o educador.
Reclama não saber por que o filho foge.
Queixa-se do marido.
Critica os outros filhos.
Fala sobre o que pretende no futuro.
Paquera descaradamente o educador.
Conversa demais.
Fofoca de tudo e de todos.
Implica com a educadora.
Paquera desavergonhadamente o educador.
Manifesta sua indignação com o governo.
Proseia sobre um passado que não volta mais.
Tagarela muito!
Paquera exageradamente o educador.
II
Vida segue.
Paulinho não falta em nenhuma das atividades.
Brinca, toma banho e conta as suas histórias fantásticas.
Um dia, a mãe telefona para falar de outras coisas e ele quer conversar com ela.
— Se a senhora vier me buscar, eu vou pra casa.
A mãe veio correndo. Quase com a língua de fora.
Combinamos que poderia nos encontrar, nos visitar.
— Amanhã?
— Tá! — disse a mãe. — e jogou um charme para o educador.
No dia seguinte: Paulinho muito bravo!
— Ela não me acordou!
— Mas ele estava tão lindinho dormindo! Tive dó de acordar — justificou a mãe em uma ligação a cobrar
— Não volto pra casa — justificou ele antes da gente combinar.
III
Na rua, Paulinho aprontava.
Tereza, a mãe, aparecia e reclamava.
Tagarela até deixar a gente doente.
Reclama que sofre dos nervos.
Queixa-se não saber por que o filho foge.
Proseia do marido.
Fleta com o educador.
Manifesta-se sobre o que pretende no futuro.
Implica com os outros filhos.
Fofoca demais.
Fala de tudo e de todos.
Declara-se para o educador.
Critica com o governo.
Conversa sobre um passado que não volta mais.
Comenta muito!
— Você precisa agir. Ser uma mãe!
— Nunca bati nele. — informa perto demais do educador.
IV
Na rua, depois de uns tabefes de um policial: o pegamos no fracasso.
Concordou em ir para um abrigo.
— Se eu não gostar?
— Volta.
Lá
— E ai? Vai ficar?
— A vida toda.
A vida toda durou três dias.
Voltou para a rua e adotou um marreteiro.
— Vou tratá-lo como um filho.
— Ele já tem família.
— Vou falar com eles.
V
Combinação familiar: Paulinho passa a semana com o marreteiro e os finais de semana com a mãe.
Durou pouco.
O marreteiro quase aos prantos.
— Ele roubou a minha casa. Levou: a dentadura do meu sogro, a coleção de goma de mascar de meu filho, as bonecas Barbie de minha filha, as chaves do carro da minha mulher, as joias da minha sogra, as minhas duas bolas de capotão no cinco, dois vestidos de noite de seda chinesa de minha mulher, duas câmeras de vídeo do meu enteado, meu batistério, meu capacete autografado pelo Ayrton Senna, meu fogão quatro bocas, meu frigobar, meus cobertores de lã de ovelha holandesa, meus dois ternos de linho inglês, meus marcos alemães, meus tapetes persas, minha coleção da Playboy, minhas canetas banhadas a ouro, minhas fotografias da xuxa, minhas gravatas italianas, nossa cama redonda, o controle remoto da minha garagem, o endereço de meu terapeuta, o livro de sonhos de minha mulher, o meu celular, o meu litro importado de Sangue de Boi, o pinguim da minha geladeira, o ralo do banheiro de visitas, o vibrador do meu cunhado, os meus sapatos de cromo alemão e mais outras esqueci! Tratei ele como um filho!
VI
Na rua, Paulinho:
— Sabe tio, quando tenho fome, roubo.
— Sabe tia, quando como, perco a fome.
— Sabe tio, quando cheiro cola, quero dar.
— Sabe tia, quando apanho, não choro.
— Sabe tio, quando corro, chego.
— Sabe tia, quando fujo, rio.
— Sabe tio, quando dou, fico feliz.
— Sabe tia, quando pego, aproveito.
— Sabe tio, quando fumo, viajo.
VII
… e Teresa continua a reclamar.
Tagarela com a educadora.
Reclama de tudo e de todos.
Queixa-se dos demais.
Louva o marido.
Paquera muito!
Manifesta novamente que não sabe por que o filho foge.
Implica o educador.
Fofoca dos outros filhos.
Fala que está doente.
Declara que sofre dos nervos.
Critica o futuro.
Conversa sobre um passado que não volta mais.
Comenta sua indignação com o governo.
— Nós sabemos. Você é a mãe dele… tem que assumir.
— Só estou esperando que venham me avisar que ele está morto!
VIII
Paulinho some.
Tereza muito tempo depois liga.
— Não sei como eu…
— Sabemos. Você é a mãe dele: tem que assumir.
— Só estou esperando que venham me avisar que ele está morto… tenho outros filhos para cuidar! E você não me liga mais por quê?
IX
Paulinho passa pelo centro, pelos fundos, pela frente, pelo lado de lá, pelo lado de acolá, por onde judasalizouocalo (mas não fica, pois foi adotado por um pastor que no fundo era um traficante. Paulinho que o denunciou à polícia)
Volta.
— Tudo bem?
— Tudo… acho que vou pro Rio de Janeiro.
— Fazer o quê?
— Passear, tomar sol, depois vou para Santos.
— E a sua mãe?
— Vai muito bem, obrigado!
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