Quando criança, não tinha muita noção do que era a morte. Olhava de longe para as pessoas mergulhadas nas lágrimas e pensava: “Como conseguem sobreviver?”.
Hoje, aos 46, vejo minha família reduzida a pó. Desse mesmo pó, onde tudo começou, produzo meu renascimento, criando coragem para dar um salto e, assim, me retirar do buraco funesto em que me encontro.
A despedida dos pais, já idosos, foi dolorosa, confesso. Ninguém quer viver sem suas referências. Porém, enterrar um irmão é, de certa forma, se autodestruir. Trata-se de uma “Falha na Matrix”, como na ficção estrelada por Keanu Reeves, onde temos certeza de que algo deu muito errado, numa espécie de “sistema computacional” correspondente a uma existência cambaleante. Ver um irmão partir, como água que escorre pelos dedos, é um chiste, um problema no “projeto divino”.
Em estado peçonhento de petrificação, me enxergo morta, mas ainda em vida, já que Deus insiste em me oferecer chances de aqui permanecer. Meu irmão se foi aos 52, cheio de sonhos e esperança de um ano bacana. Isso me rasga a carne, além de carimbar manchas roxas abaixo de meus olhos.
Por mais certa que seja, a finitude nos corrói. Deixa-nos de “calças arriadas”, nos surpreendendo penosamente.
Paro, então. Respiro e olho pro céu. Permaneço nessa posição por horas, tentando compreender esse banzo incurável, essa angústia que me arranca a alma.
“Onde está o seu irmão?” – pergunto. Não o vejo mais. Apenas o sinto como parte essencial de minha completude.
Longe de estar incólume, busco o renascimento. Sei que, apesar de me ver mergulhada em uma travessia tão nociva, sairei inteira. Com certeza, inquestionavelmente, é a pior de todas as bordoadas que já recebi.
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