Nossa Senhora Aparecida: Minha Mãe é a Mãe de todos (Brancos e Negros)
“O anjo protetor do Brasil é negro, então os corações são tocados contra o racismo”. Disse-me um americano que seguindo em seu argumento acrescenta:
_____“Os brancos no Brasil (homens, mulheres e crianças) exibem em seus peitos uma medalha da Santa Negra. Nas casas em que visitei quase todas tinham santos, e, entre eles a imagem sagrada de Nossa Senhora Aparecida. Uma amiga é tão intima que a chama de Cidinha”
Disse-lhe não: devemos olhar além das aparências, de fato as pessoas brancas e negras têm devoção a Nossa Senhora Aparecida. A Santa Negra não faz acepções de pessoas e atende aos pedidos de todos, entre elas estão àquelas pessoas que são boas e cristãs, mas não gostam de negros e acreditam que pessoas negras não merecem ter acessos às coisas boas da vida. Essa discussão ocorreu nos anos de 1998 ou 1999.
Todavia, no dia 11 de outubro de 2017, passei em uma loja católica para comprar uma imagem de Nossa Senhora para presentear à uma amiga que aniversariava nesse dia.
Na loja fui coadjuvante de uma discussão absurda e resolvi me manifestar. A cena foi constituída por duas clientes e duas vendedoras. Entrei e fui atendida por uma simpática vendedora extremante polida que gentilmente me mostrará as imagens. Comprei e fomos para o caixa. Havia outra cliente que queria a imagem de um determinado anjo e nos relatava haver feito várias peregrinações em lojas diversas, mas não o encontrara.
Outra vendedora igualmente gentil lhe disse: aqui na Rua Veridiana tem uma loja, a do Vavá. Lá tem imagens lindas e de qualidades diferenciadas.
Vavá é uma loja que vende produtos de Umbanda. De repente a doce vendedora que me atenderá incorpora um discurso discriminatório que apregoava a intolerância religiosa, a saber:
_____ “Não indique essa loja. Uma loja que vende produtos de macumba, feitiçaria etc…” Alterando-se dizia: bruxaria, macumba.
A outra vendedora disse:
_____ “Lá tem as mesmas imagens que vendemos aqui e independente da religião. Ela quer o produto”
Acalorando-se a discussão, disse: isto é um absurdo, é contrário ao que Jesus pregou. Inadmissível um cristão pregar o ódio. Intolerância religiosa é crime. Não devemos esquecer-nos das invasões as Igrejas Católicas. Da imagem de nosso doce Aparecida sendo quebrada em mil pedaços numa manifestação de ódio, de reserva e disputa do mercado religioso.
Então não podemos reproduzir isso em nossas vidas. Não podemos ser cúmplice de crimes contra a humanidade das pessoas que pensam e são diferentes de nós. Nesse momento entra em cena a outra cliente:
_____ Estava demorando em acontecer um barraco.
Disse-lhe:
______Barraco é a covardia e a conspiração do silêncio diante das injustiças. Ser conivente com a intolerância religiosa revela o nosso caráter indigno e consequentemente o nosso racismo diante das religiões de matriz africana.
A cliente continua e contesta:
_____ Tem hora para se dizer as verdades
A vendedora disse:
____Desculpe-me a culpa é minha.
Restou-me apenas dizer:
Não se sinta culpada pense apenas no lugar sagrado em que você trabalha e preste atenção no que você fala.
É A MORAL DA HISTÓRIA:
Se as instituições como todo pregam o racismo. Se Igreja no Brasil não aceitava negros em seus quadros, isto é, negros e negras não podiam ser padres nem freiras. (A primeira Congregação brasileira que aceitou mulheres negras foi as Missionárias de Jesus Sacrificado em 1927; mesmo assim fazia distinção entre brancas e negras. As negras eram as oblatas e até mesmo o hábito e refeitórios eram diferentes). Devemos pensar que estamos diante de situações históricas que fazem do imaginário social constituintes das objetividades e subjetividades negras e brancas que se manifestam nos brancos como uma identidade autoritária e nós negros na subordinação.
As bruxas e feiticeiras historicamente eram brancas. As religiões de matriz africana – nunca cultuaram as bruxas -, especificamente a Umbanda hoje têm uma faculdade para formação de teólogos. Trata-se da Faculdade de Teologia Umbandista, a qual é chancelada pelo MEC.http://emec.mec.gov.br/emec/consulta-cadastro/detalhes-eis/d96957f455f6405d14c6542552b0f6eb/Mjg0Ng.
Como nos anos de 1990, como 11 de outubro de 2017 estamos diante de relações face a face guiadas por um racismo estrutural que impactam em todas as dimensões da vida, tanto nas dimensões institucionais como nas atitudinais. Moralmente vivenciamos as nossas incongruências e contradições: somos cristãos, mas não gostamos de gays, de negros, das putas, dos índios e dos ciganos. Somos umbandistas, sentamos diante do espírito do Preto Velho, pedimos graças, mas continuamos não gostando nem de pobre e nem de pretos. Somos espíritas, budistas, mas podemos nos comportar como um protestante americano que em nome de Jesus implementou leis segregacionistas, promoveu linchamentos de negros e os penduraram em árvores. Somos todos crentes e ateus bons, mas continuamos tratando as empregadas domésticas como menos gente.
Eticamente o Estado brasileiro tem que ter ações mais contundentes, deixar de ser omisso, torna-se verdadeiramente laico.
Encerremos essa exposição cantado com Milton Nascimento para a Maria, Nossa Mariama de todos os povos, todos os pobres, de todas as favelas.
Louvação a Mariama – Milton Nascimento – LETRAS.MUS.BR
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