O Portal Afro entrevista Nilton Ribeiro, Mister Paradoxx.
Entrevista: Milton C. Nicolau e Jader Nicolau. Fotos: Jader Nicolau. Edição: Milton C. Nicolau. – 20’/02/02
Em 1959, o norte-americano Berry Gordy Jr. juntou as parcas economias de sua família e fundou a Motown Records, responsável pelo sucesso de gente como Michael Jackson, Diana Ross e Marvin Gaye, entre outros não menos cintilantes. 35 anos depois, em 1994, o brasileiro Nilton Ribeiro fundou a Paradoxx Music, que vem despontando como uma das empresas que mais investe no talento negro brasileiro.
Você deve estar se perguntando o que uma coisa tem a ver com a outra. Ora, ambos são negros! E isso não é pouco… Nilton Ribeiro nasceu em Minas Gerais, na cidade de Lavras, distante aproximadamente 200 Km a sudoeste da capital Belo Horizonte. O empresário tem 53 anos e é casado, há 24 anos, com Mercedes Ribeiro, com quem tem 3 filhos. Ribeiro iniciou sua carreira musical trabalhando na rádio de sua cidade natal. Quando completou 18 anos decidiu tentar a sorte em São Paulo. Trabalhou durante 9 anos em várias emissoras de rádio até ser convidado para ser divulgador e relações públicas da gravadora Beverly. A experiência o levou até a Emi-Odeon, onde ficou durante 10 anos, chegando a ser gerente de promoção. Nessa época, Ribeiro trabalhou com Clara Nunes, Paulinho da Viola e Tim, Maia entre outros. Mas foi com Djavan que o empresário desenvolveu uma grande amizade e aprendeu os segredos do mundo da música. Sem perspectivas de evolução na Emi, Ribeiro saiu da empresa e decidiu trabalhar como free lance, produtor e Dj de Black Music, época em que usou o nome de Mrs. Miltão e viajava animando festas por todo opaís. Em 1990 lançou seu primeiro selo, o Banto Music. Em 1994, associou-se ao amigo Sílvio Arnaldo, que também tinha outro selo, e fundaram a Paradoxx Music, com capital 100% nacional. Conheça um pouco mais sobre a vida e os pensamentos desse homem que talvez possa redesenhar a história da música e dos cantores negros no Brasil.
Portal Afro – Qual a posição que a Paradoxx Music ocupa no mercado?
Nilton Ribeiro – O mercado está difícil para todas as gravadoras. A pirataria hoje abocanha 50% das vendas e isto acaba com as gravadoras. Principalmente com as constituídas exclusivamente por capital nacional. A Paradoxx Music é uma das poucas que resiste. Muitas fizerão fusões para poder suportar os encargos. A situação é grave e o governo não toma as providências necessárias. As gravadoras são obrigadas a baixar cada vez mais os preços… Fico muito chateado quando as pessoas falam que compram Cd pirata porque o outro está caro. Isto não é verdade. O Cd está barato! Grandes revendedores como o Carrefour, por exemplo, vendem Cds a preços bem populares.
Portal Afro – E como as gravadoras estão fazendo para sobreviver?
Nilton Ribeiro – Os profissionais desse ramo têm que ser competentes, procurar alternativas e elaborar projetos especiais. Quando mandamos um Cd para a mídia, no dia seguinte ele já está pirateado! O problema é que as lojas vendem a R$ 10,00 e o pirata custa R$ 3,00, só que eles não pagam impostos, encargos, custos de gravação, nada… O governo precisa intervir neste sentido.
Portal Afro – O DVD de Tim Maia é o primeiro da Paradoxx Music?
Nilton Ribeiro – Sim. É nosso primeiro DVD. Isso me motiva a continuar no mercado. O DVD é uma esperança, apesar de ainda ser um produto caro e não vender o suficiente para manter uma empresa.
Portal Afro – O senhor acredita que os DVDs também possam vir a ser pirateados?
Nilton Ribeiro – Claro! Pirateiam tudo! Começaram com o cassete, depois os vinis, e agora os CDs…
Portal Afro – Por que Tim Maia?
Nilton Ribeiro – A Paradoxx Music sempre está atenta às novas oportunidades. Tínhamos projetos para o lançamento de outros DVDs, mas apareceu Tim Maia e todo a gravadora quer Tim Maia. O projeto do DVD de Tim Maia chegou às nossas mãos. Acreditamos e abraçamos a idéia. Faremos disso um grande produto.
Portal Afro – Existe a intenção de lançar outros DVDs de cantores negros?
Nilton Ribeiro – Sim. Pretendemos lançar o DVD de Lucky Dube, um cantor de reggae da África do Sul.
Portal Afro – Qual a sua opinião sobre a implantação de cotas para negros no serviço público?
Nilton Ribeiro – Olha, alguma coisa tem que ser feita, mas não é por aí. O mais importante é a determinação e a competência de cada um. Se a pessoa tiver uma boa formação, não precisará das cotas. Acredito que a solução não está nas cotas.
Portal Afro – Mas as cotas não poderiam ajudar os negros a conseguir melhores colocações no mercado?
Nilton Ribeiro – O governo concede cotas para negros na Santa Casa, no Fórum, no INPS, geralmente para serviços menos qualificados. Tenho a impressão que essas cotas funcionam apenas para cargos que não são cobiçados… Cada um tem que batalhar por seu espaço. Quando o cara quer, ele não precisa de cota. Precisa, isso sim, de determinação e boa vontade.
Portal Afro – E as cotas no sistema educacional? O senhor também é contra?
Nilton Ribeiro – Apoio a adoção das cotas até o estudo fundamental. Pode até existir um subsídio para o cara fazer um cursinho legal. Mas daí pra frente cada um tem que se virar por si. Tem que prestar vestibular e provar que tem capacidade.
Portal Afro – Quais são os critérios considerados fundamentais no momento de contratar um artista?
Nilton Ribeiro – Hoje, tanto a Paradoxx Music como qualquer outra gravadora, tem que optar pelos artistas com melhores condições de vendagem, por aqueles que atendam aos modismos, à necessidade do mercado. Não é muito saudável para a empresa considerar os critérios artísticos neste momento. É o menos indicado.
Portal Afro – Mas você tem em seu casting nomes como Leny Andrade, que é reconhecida pela crítica especializada como uma artista de primeira linha…
Nilton Ribeiro – Sim. Mas, infelizmente, um disco dessa qualidade nos frustra. Esse tripo de disco não vende o suficiente para cobrir os custos de sua produção e garantir a folha de pagamento de 40 funcionários. Não é esse tipo de música que vende. As lojas não pedem, as rádios não tocam… Hoje em dia temos que trabalhar com quem rebola a “bundinha”. E nós somos uma empresa, não podemos investir em produtos que não tenham retorno
Portal Afro – Comparando os artistas que vendem bem hoje, com aqueles que vendiam bem antigamente, O senhor considera que o público está menos exigente?
Nilton Ribeiro – Não, não é isto. O problema é que o grande público não tem acesso a produtos de melhor qualidade. As boas músicas são vendidas de mão em mão, em shows. Por outro lado, uma artista como a Leny Andrade, que vende pouco, dificilmente terá seu trabalho espalhado pela calçada, vendido a R$ 1,00. por consequência, isso nos estimula a criar formas alternativas para vender esse produto de melhor qualidade: nos shows, em projetos especiais, coisas desse tipo.
Portal Afro – O senhor acredita que se o público consomidor da “bundinha” tiver acesso ao trabalho de Leny Andrade, irá gostar?
Nilton Ribeiro – Não digo que a maioria gostaria. A verdade é que apenas parte do público consome essas músicas por gostar. A maioria não, eles compram porque a música está sendo massificada pela mídia. Se a Leny Andrade passasse a ser tocada nas rádios, ela também seria massificada e venderia até mais que os outros. O problema é que a maioria das rádios não têm interesse em tocar música boa, as poucas que investem nesse setor não têm uma boa audiência.
Portal Afro – É possível traçar um perfil do consumidor de discos no Brasil?
Nilton Ribeiro – O mercado está conturbado. Como a situação do país não é das melhores, um disco pode custar caro, mas como presente, por exemplo, ainda é um produto barato. Felizmente existe aquele público que entra em uma loja para escolher um produto com boa qualidade. Geralmente, as pessaos que tem mais cultura, são incapazes de comprar um disco pirata.
Portal Afro – Qual é sua visão sobre o mercado fonográfico?
Nilton Ribeiro – Meu ponto de vista foge totalmente do que fazem as outras gravadoras e a própria Paradoxx Music. O problema da pirataria nos impede de assumir novos compromissos e nos obriga a investir em produtos mais baratos, como as compilações. Isso deixa o artista relegado a um segundo plano. A promoção de um artista novo, de um disco novo, é muito cara. As gravadoras estão receosas, pois a partir do momento que esse disco vai para a mídia, ele será pirateado. Se não for para a mídia… Não vende! Particularmente, acredito que a partir de agora precisamos de pequenos núcleos, de pequenos produtores. Vender em shows, de mão em mão…
Portal Afro – Seria o mesmo esquema que funciona na Jamaica, onde em cada canto existe uma pequena produtora?
Nilton Ribeiro – Exatamente. Dessa forma, muitos poderão gravar e o sucesso dependerá da produção e do talento de cada artista, além das pessoas que estiverem por trás, e de modernas estratégias de marketing.
Portal Afro – Os negros são bons consumidores de CDs?
Nilton Ribeiro – Sim. Nosso público é muito exigente.
Portal Afro – Como assim? Mais exigente que outros…?
Nilton Ribeiro – Eu acredito nisso. Nós temos bom gosto! Para falarmos que um disco é ruim, é muito fácil. Claro que me refiro à parcela que tem mais informação. Essa realmente tem um gosto bem apurado.
Portal Afro – É mais fácil promover um artista branco ou não há diferença?
Nilton Ribeiro – O talento sempre falará mais alto. Mas é claro que um sujeito de olhos azuis poderá contar com melhores condições…
Portal Afro – No começo, principalmente?
Nilton Ribeiro – O começo sempre é mais complicado. Principalmente para quem não pertence ao modelo de beleza imposto pela mídia.
Portal Afro – Então a imagem ainda conta muitos pontos…
Nilton Ribeiro – Sim. Mas essa imagem não é uma verdade absoluta. É imposta pela mídia. Não é a verdade do povo. Ele apenas segue o que lhe é imposto. Mas que fique bem claro: “A beleza não canta…”
Nilton Ribeiro – Se tiver, é negra.
Portal Afro – O senhor acredita que possa acontecer no Brasil o que aconteceu com os artistas da Motown nos Estados Unidos? Negros trabalhando para negros e vendendo para negros…
Nilton Ribeiro – Artisticamente pode ser uma saída. Comercialmente seria difícil. Num país como o Brasil temos que vender para todos. Podemos até formar um núcleo, expor nossa identidade e os valores em que acreditamos. Mas o disco tem que ser vendido para todos… Até porque aqui os brancos gostam muito da música feita por negros.
Portal Afro – Mesmo os brancos que têm comportamento racista acabam consumindo música feita por negros?
Nilton Ribeiro – Com certeza. Eles podem até não gostar de ver, mas gostam de ouvir.
Portal Afro – O que o senhor pensa sobre a relação entre a Internet e a música? O Mp3, por exemplo. Sua empresa está se preparando para isso?
Nilton Ribeiro – Algumas descobertas da humanidade trazem benefícios a todos. Outras, representam um retrocesso…
Portal Afro – É o caso?
Nilton Ribeiro
– Fica difícil entender a postura dos fabricantres. Ao mesmo tempo que desenvolveram toda tecnologia para fabricar Cds de ótima qualidade, oferecem também aparelhos sofisticados que podem copiar este mesmo Cd! Gostaria de saber de que lado eles estão…
Portal Afro – Que conselho o senhor daria para os cantores que estão começando e que sonham em gravar?
Nilton Ribeiro – Antes de gravar, a pessoa tem que pensar muito bem. Saber se é realmente isto que ela quer. É preciso ter talento. Gravar não significa fazer sucesso. É uma profissão como outra qualquer, exige estudo e dedicação. A pessoa terá que assumir vários compromissos: um show aqui, uma aula ali… Não é enganação ou um modo fácil de levar
a vida. É uma profissão digna e muito difícil. Tem que pensar muito bem para não se arrepender. Conheço pessoas que gravaram há vinte anos e hoje não têm coragem de assumir a autoria de suas obras. Mesmo quem faz música comercial, tem que buscar qualidade. Tem que ser legal.
Portal Afro – E qual o segredo para ser um empresário bem sucedido?
Nilton Ribeiro – É preciso lutar diariamente! Estamos lutando todo o dia. E ter o pé no chão. Estou no meio artístico há 30 anos e posso entrar e sair de qualquer lugar, com a cabeça erguida. Conquistei muitos amigos. É uma alegria.
Portal Afro – Essa história de pé no chão é conversa de mineiro, não?
Nilton Ribeiro – É. A sabedoria diz: “Não podemos dar o passo maior que a perna…”
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