Manhattan, NY – Há nos Estados Unidos da América mais de 100 museus, cada um a sua maneira, contando um pouco sobre o relacionamento e, naturalmente, a complexa história entre negros e brancos no país, desde o primeiro encontro entre ambos no início do século XVI na colônia inglesa.
Um dos museus mais importantes deste grupo foi inaugurado em 2018 para contar um pouco mais sobre esta historia através da perspectiva da comunidade afroamericana e o Mississippi Museu dos Direitos Civis (Mississippi Civil Rights Museum em Ingles), localizado na cidade de Jackson, no chamado interior do sul (Deep South, em inglês), o local mais racista entre os 13 Estados Confederados do Sul dos Estados Unidos. Estes estados lutaram ferozmente para manter a escravidão em suas enormes plantações e também uma cultura onde o negro era totalmente subjulgado e humilhado diariamente.
A famosa e desastrosa guerra entre os estados do norte e os estados do sul, conhecida como a Guerra de Secessão (ou Guerra Civil Americana), ceifou a vida de mais de 600 mil pessoas no país durante seus 4 anos de duração. A vitória dos estados do norte aboliu por completo o cativeiro no país. O Museu dos Direitos Civis do Mississippi, diga-se de passagem fundado pela administração de um governador republicano, conta a violenta história associada ao tratamento de pessoas escravizadas e depois libertas no estado.
Foram anos de debates e consultas sobre este espinhoso tema. O MCRM,antes de abrir suas portas em 2018, enfrentou várias barreiras. A primeira delas estava relacionada aos cidadãos afroamericanos do estado. Eles estavam preocupados se o museu contaria a verdadeira história das barbaridades e indignações enfrentadas pela comunidade. Uma outra barreira enfrentada foi a notória “Herança e não Ódio” defendendo o memorial dedicado aos soldados confederados, sua bandeira estadual, e seus líderes. A bandeira do estado do Mississippi ainda tem no seu desenho um emblema homenageando a Guerra Civil, além de uma celebração durante a última semana de todo mês de abril, como “Dia da Memória do Confederado”.
Mesmo assim, o Mississippi é o unico estado que construiu um museu focado na história dos direitos civis dos afroamericanos – um que mostra a luta pela sobrevivência e dignidade dos negros no Mississippi com bastante franqueza e honestidade.
Muitos ativistas da velha guarda, que lutaram pelos direitos civis dos negros no estado, não acreditavam que seria possível o Mississippi patrocinar um museu contando suas histórias, suas lutas, e vitórias, disse a diretora do museu, Pamela Jr. “Uma senhora me puxou do lado e disse: ‘Então, você está trabalhando naquele local… Você sabe que é uma mentira.’ Eu disse, “não, senhora, não é. Nós fizemos toda a pesquisa”, completa.
O MCRM começa com a Reconstrução, depois se aprofunda no período entre a Segunda Grande Guerra, até os anos 1970. Tudo isto pode ser visto nas suas 08 galerias em volta da bela rotunda iluminada pela luz natural. Cada uma das salas apresenta um tema específico: “Uma Sociedade Fechada”, por exemplo, discute a história através da fotografia e tristes histórias orais gravadas, da segregação nas escolas, e a persistente segregação enfrentada pelos soldados que voltavam da Guerra. “Um Tremor no Iceberg”, o qual tirou o titulo de uma frase escrita pelo ativista Bob Moses, descrevendo o tempo entre os primeiros “Freedom Riders” (jovens do Norte que iam para o Sul de ônibus para registrarem afroamericanos para votarem) – lembrados nas centenas de fotos policiais num testamento extraordinário do coletivo de Resistência – e o assassinato do ativista Medgar Evers, em Jackson, no ano de 1963. (O deputado federal John Lewis da Georgia participou dos “freedom Riders”, ficando preso por quase 40 dias na notória penitenciária “Pachman Farm”, porque ousou usar o banheiro para pessoas brancas).
A sala “Eu Questiono a América” cobre um pequeno, mas intenso período de organização, de Fannie Loui Hamer conduzindo uma delegação dissidente de Democratas negros do Mississippi à convenção nacional do Partido até os assassinatos dos jovens ativistas James Cheney, Andrew Goodman, e Michael Schwerner, por homens da organização Ku Klux Klan, numa noite de junho de 1964, no condado de Neshoba.
Todas as salas misturam textos, fotografias, artefatos, com experiências interativas que vão do chão ao teto, quase como uma cacofonia, revelando camadas de narrativas negligenciadas em pinceladas, mostrando a história do movimento.
O MCRM é mais um importante museu que conta em detalhes a história afroamericana no sul racista dos EUA. É, sem dúvida alguma, uma demonstração da força afroamericana que, durante séculos, sofreu duplamente desde sua chegada no continente. Primeiro, acorrentado e mantido como propriedade e depois, liberto, mas sendo tratado como cidadão de segunda classe, sendo submetido a todo tipo de discriminação e humilhação durante a era das notórias leis racistas conhecidas como “Jim Crow”.
Reconciliação é um trabalho serio. O MCRM não apareceu do nada; ele reflete décadas de esforço de ativistas e grupos cívicos que apareceram no interior do sul. Outras partes do país, onde o racismo estrutural é mais facilmente ignorado ou negado, pode aprender com este museu. “A doença do Mississippi está finalmente na parede”, disse a senhora Pamela Jr. “As bandagens foram arrancadas. A verdade está sendo dita agora. Não há lugar para ir, a não ser para cima.
Sobre o autor: Edson Cadete é um jornalista brasileiro residente nos Estados Unidos. Em suas pautas ressalta a importância de dar atenção à comunidade negra e sua história, fomentando o debate racial e trazendo à luz a necessidade de uma compreensão mais profunda e integrada das realidades raciais em ambos os países, considerando suas particularidades e desafios únicos.
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