Júnia, sua negrinha!
Vem cá já
Nasceu minha lorinha, dois dias depois do meu terceiro filho!
Ele não vingou, o meu negrinho.
Menos um pra se danar!
Morreu gritando. Os chás de ervas nada resolveram.
Findou e não virou anjo.
Num tem anjo preto…
Negrinha!
Num sai daí!
Lorinha nasceu com fome.
Clarinha!
O leite da senhora secou pelo susto que os meninos deram.
Traquinagens.
Diabruras aprendidas com os negrinhos sem-vergonha dos fundos.
Ela murchava e eu desaguava na tristeza.
Tinha medo de empedrar.
Preta tonta!
Viu o que cê fez?
Meu senhor mandou cuidar dela.
Sem resguardo.
Sem pranto e a minha branquinha bebeu só de mim.
Cada mordida me apegava mais.
Sangrando prometi a Oxum: serei dela!
Aqueles olhões manto da virgem me enfeitiçaram.
Júnia, sua nojenta!
Que bobagem!?!
Mamou até os seis anos.
De pé.
No terreiro.
Na sala.
Onde queria me rasgava a roupa e abocanhava.
Até na frente dos senhores!
Fazia tudo pela minha lorinha!
Pretinha, sua diaba!
Some logo!
Os irmãos mais velhos deixavam ela só.
Nunca brincavam de boneca.
Ou de casinha.
De nada.
Só comigo brincava.
Mas cortava o meu coração, quando o pai saía pra cavalgar e ver a negrada no campo.
Ela ficava só.
Para secar o choro: montava em mim.
Sua boçal!
Debanda!
Os bastardinhos não podiam se aproximar.
Num deixava.
Num mereciam.
Nem os meus também
Preta do cabelo duro!
Vá cuidar da sua vida!
Entretendo a minha clarinha,
Mostrava o que sabia:
Beladona faz ver coisa-ruim.
Copo de leite é bom só pra olhar.
Buchinha faz não ter filho.
Mandioca-brava, só farinha.
Narciso nem chá, só dá dor de barriga, pode matá.
Sua morta de fome!
Fale direito!
No Sol, seus cabelos me davam alegria.
Só eu domava.
Trazia babosa e deixava brilhante.
Para não gritar, brincava com o meu colar.
E só eu sabia lavar os vestidos dela.
Ficava uma rainha.
Antes do seu primeiro baile, ela me cuspiu e depois sorriu!
Sua coisa-ruim!
Faz direito ou te mando pro tronco.
Minha lorinha cresceu.
Moça bonita.
Elegante.
Linda e educada.
Tocava piano.
Aprendeu a coser comigo.
Me batia pouco!
Preta Velha!
Pruque tá demorando?
Minha lora vai casar com quem o pai dela mandou.
Vai ser uma linda aia.
A mais bela noiva.
Minha Lorinha.
Vai morar longe.
Pedi pra me levar.
Ela disse não.
Implorei
Xingou.
Supliquei
Me chutou e não fiquei com raiva, não.
Deu dó.
Deu pena de mim sem ela.
Júnia! Minhajunina!
Peloamordedeutádoendomuito!
Amassei o narciso forte com a minha dor.
Não quero que ela vá.
Não sem mim.
Sem meu peito.
Pus hortelã e açúcar pra acalmar
Cortou o meu coração ver minha lorinha gritar até morrer.
Todos os meus filhos morreram gritando.
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