Matrizes Africana e Indígena contradizem Espírito do Capital .
Ancestralidade, Memória e Resistência X Cultura de consumo.
Uma das principais motivações que me levaram a escrever a obra “Antropologia dos Orixás” assim como minhas demais obras sobre Renascimento Africano foi justamente o fato de a maior parte das obras sobre os mitos africanos tratá-los somente no aspecto religioso, sendo que segundo o mitólogo Joseph Campbell o mito tem mais três funções além da mística (religiosa) que são a cosmológica (explica uma ordem universal), a sociológica (cria corpos sociais ) e a pedagógica (cria arquétipos que imitamos e legitima comportamentos).
Atualmente as tradições de matriz africana sofrem ataques e agressões em vários níveis e a principal razão disso não se enquadra exatamente em razões religiosas em si mas sim em conflitos de valores civilizatórios entre a cultura do capital ocidental e as culturas tradicionais tanto de matriz africana quanto indígena.
Segundo Max Weber o Espírito do Capital ( que muito a grosso modo é a disposição de acumular capital como uma finalidade em si mesma e que tratarei em detalhe no capítulo da Sociologia de Exu mais a frente nesta mesma obra) vem da ética das primeiras seitas protestantes assim como o conceito de vocação profissional dentre outras coisas do conceito de Vocação de Lutero, e este comportamento dentro do Espírito do Capital interessam sobremaneira aos detentores dos meios de produção, razão pela qual muitos deles financiam ( inclusive do capital estrangeiro ) a evangelização de comunidades tradicionais.
Segundo o Antropólogo Georges Balandier em seus estudos sobre as comunidades tradicionais na África Subsaariana , estas em geral tem a tendência de condenar a morte social aqueles que acumulam capital ou riquezas de forma a ameaçar a sustentabilidade de suas sociedades e no caso de nossas sociedades tradicionais tanto de matriz africana quanto indígena esta influência está presente o que contrasta com o que Weber define como o Espírito do Capital .
Outro valor civilizatório das tradições de matriz africana que vai contra o Espírito do Capital em si é o conceito de ancestralidade e senioridade , pois ancestralidade é memória e memória é resistência e este valor da ancestralidade vai contra a cultura de consumo.
Ancestralidade dá o sentido de pertencimento a uma comunidade nas matrizes africanas e algumas tradições outras religiosas na própria Africa Subsaariana para poderem se propagar ressignificaram este valor civilizatório tão característico das sociedades Tradicionais , como foi o caso do Islã em determinados momentos de sua expansão na Àfrica Subsaariana.
Além da Noção de pertencimento a uma comunidade o conceito de ancestralidade dá gera o conceito de pertencimento a uma terra , e o culto ao Espírito desta terra que se nasce.
Para o africano subsaariano em geral a terra em que se nasce e se fundamentam seus ancestrais tem um valor sagrado. De qualquer forma a Terra dos Ancestrais se são de outra região também o tem , assim como a terra que o acolhe, contudo a noção de pertencimento a terra que se nasce é central. O sentido de Memória a partir desta ancestralidade e sentido de pertencimento também é central.
Temos nisso um exemplo claro que não deixa dúvidas no imaginário negro brasileiro que apesar de serem descendentes da África como terra ancestral, não tem dúvidas que são brasileiros, a identidade negra no Brasil e na maior parte dos países da diáspora africana valoriza a identidade brasileira ou do país de origem ao contrário do que acontece com grande parte dos descendentes de europeus no nosso país que buscam ressaltar sua ascendência européia em detrimento de suas identidades latino-americanas, mesmo que na época da diáspora de seus povos para a América Latina tenham vindo para cá as elites européias não os tenham querido lá e ainda não nos querem lá.
Da mesma forma as comunidades tradicionais de matriz africana baseadas na ancestralidade e senioridade incitam a adoção das dinâmicas sociais africanas tradicionais que só aceitam o novo se ele for ressignificado a partir do tradicional e dificilmente aceita o novo pelo novo , o que se converte também em um valor civilizatório que contrasta com a cultura de consumo e o Espírito do Capital tão presente em sua reedição na atual “ Modernidade Líquida “ nestes tempos de pós modernismo que vivemos ao qual a Teologia da Prosperidade das Igrejas Neo- Pentecostais vai igualmente tão de encontro e que a Memória que se baseia na Ancestralidade e que estão presentes nas Tradições de Matrizes Africanas consistem em uma ameaça.
Neste sentido o próprio Max Weber afirmava que a o Espírito do Capital prevaleceria na América Latina quando esta fosse predominantemente Protestante ( e em conseqüência menos católica e exterminasse as religiões tradicionais de Matriz Africana e Indígena ).
Para entendermos melhor o que isso significa basta que nos atentemos ao que representaram os quilombos no período colonial no que se refere a resistência ao Capitalismo Mercantilista, e ainda hoje estas comunidades quilombolas e indígenas que mantém suas tradições representam a este atual Espírito do Capital , motivo pelo qual se faz grande prioridade evangelizá-las.
Desta forma fica bem claro que mais do que valores de dogmas ou religiosos o que faz com que as tradições de matriz africana sofram agressões é o conflito de valores civilizatórios e como única saída para que possam sobreviver a esta onda conservadora de agressões que passam é que nossas casas de Matriz Africana se tornem pontos de Cultura e propagadoras destes valores civilizatórios patrimônio Cultural de Todos Brasileiros e que assim possam gozar da proteção do Estado ( pois o Estado não pode defender valores religiosos ou dogmas , contudo tem o dever de defender valores civilizatórios que são nosso Patrimônio Cultural.)
Neste sentido desenvolvi os livros Antropologia dos Orixás e Pedagogia dos Orixás e a presente obra, para defender estes valores civilizatórios tanto no meio acadêmico quanto para que sirvam de material de formação sobre estes valores civilizatórios em ambientes educacionais e comunidades tradicionais , para servir assim em sua defesa institucional.
O pai (muitas vezes protestante e negro) que não se importa que seu filho veja como herói os mitos nórdicos de suas comunidades tradicionais no passado como Thor (que na Escandinávia nenhum pai protestante contesta que seja um mito que traz importantes valores civilizatórios a suas identidades nacionais), tem que reconhecer nos mitos africanos como Ogum , Oxóssi , Yansã , Oxum e todos Orixás estes valores civilizatórios fundadores de nossa nação.
É necessário que independentemente das religiões se admita que o Reino do Ketu tem muito mais a ver com nosso processo civilizatório brasileiro que o Reino de Odin ou mesmo o Olimpo Grego em muitos aspectos .
Este processo descolonizador é um dos principais objetivos de minha obra como um todo e nestes específicos em relação aos valores civilizatórios que herdamos de nossos ancestrais africanos que muitas vezes são invisíveis em nossa educação mesmo em universidades de referência de nosso país assim como em nossa mídia hegemônica.
Ivan Poli (Osunfemi Elebuibon) – Professor da Universidade de São Paulo , para Carta Capital em 30 de setembro de 2016
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