ESPETÁCULO TEATRAL:
(IN)JUSTIÇA
A “Companhia de Teatro Heliópolis” parte da história do personagem “Cerol” (que comete um crime de forma involuntária) para refletir imagens em trechos fragmentados, como num espelho trincado, sobre a tortuosa vida de nossos jovens e cidadãos pretos e periféricos diante da Justiça/Injustiça.
A humanização do personagem central nos leva a questionamentos sobre as classificações que criamos para alguns “tipos” sociais, os estereotipando e repetindo preconceitos infindáveis.
A montagem inicia-se com um julgamento “duro e direto” onde valores são colocados à frente do público para que possamos através da análise, fazermos uma leitura de quanto nossa sociedade é injusta e desigual.
O texto assinado por Evill Rebouças e Cia de Teatro Higienópolis pincela uma encenação que navega entre cenas de discurso direto e muitas cenas “musicadas”; uma variação que faz a companhia navegar entre erros e acertos.
É evidente a mão firme da direção em cada momento do espetáculo, principalmente pelas marcações, desenhos de luz e de cena precisos. A mesma mão perde a força quando cria entrecenas longas com trilhas sonoras infinitas que acabam se transformando em cenas arrastadas que prejudicam o andamento e dão impressão de fragilidade ao texto por causa das grandes lacunas. É uma pena, pois se as cenas fossem mais curtas provavelmente teríamos belos efeitos criando momentos emotivos, lindamente plásticos e sonoros, como já acontece em algumas passagens onde o time foi acertado.
As cenas faladas funcionam com muito mais assertividade ao que se propõem:
A cena do tribunal com seu texto e signos cênicos é extremamente interessante por tratar de forma crua e realista, quase sádica, sobre nossos problemas jurídicos.
O trabalho dos atores/atrizes é uma qualidade à parte, com um elenco talentoso esbanjando preparo corporal, interpretações bem construídas tecnicamente e domínio da potência vocal (apesar de os momentos cantados serem totalmente descartáveis diante de uma concepção artística tão funcional quando comunica de forma direta e sem pretensão poética).
O momento ápice é a cena discursiva com dois atores diante dos microfones, narrando injustiças históricas.
A direção de Miguel Rocha agora sim acerta a mão e sincroniza o time cênico com texto e interpretações incisivas. Acerta também, finalmente, o cenário usado da forma como se deveria, com a utilização do espaço cênico ao fundo, onde acontecem cenas como numa tela de cinema, praticamente descrevendo o texto que vem a ser dito em primeiro plano. Uma linda cena, que nos toca por nos lembrar o quanto de injustiça sempre houve e há ao nosso redor, se repetindo, sem que tomemos atitudes para mudanças.
O cenário e figurinos são criativos e simbolicamente corretos sem exageros estilísticos nem metafóricos.
A plasticidade cênica impressa pelos desenhos de luz e cores de Fagner Lourenço e Miguel Rocha são de encher os olhos.
Em suma, “(IN)JUSTIÇA” começa como uma tela em branco onde são apresentados nossos julgamentos. Com o andamento ,vamos sobrepondo pinceladas, cena após cena, com as quais vamos nos aprofundando, nos questionando e finalmente completamos a pintura , quando reavaliamos o quanto somos (in)justos em nossa sociedade.
A companhia realiza um grande feito, fazendo um trabalho de qualidade, com muitos cuidados de nível profissional, num momento tão difícil para se fazer arte.
Cotação: ⭐⭐⭐bom
Ficha técnica
Encenação: Miguel Rocha
Texto: Evill Rebouças (criação em processo colaborativo com a Cia de Teatro Heliópolis)
Elenco: Alex Mendes, Cícero Ciszo, Dalma Régia, Danyel Freitas, Davi Guimarães, Gustavo Rocha, Maggie Abreu e Walmir Bess.
Cenografia/instalação: Marcelo Denny
Assistência de cenografia: Denise Fujimoto
Figurino: Samara Costa
Iluminação:
Fagner Lourenço e Miguel Rocha
Provocação teórica e prática: Maria Fernanda Vomero
Provocação / teatro épico: Alexandre Mate
Provocação / teatro performático: Marcelo Denny
Direção de movimento: Lúcia Kakazu e Miguel Rocha
Preparação corporal: Lúcia Kakazu Coreografia: Camila Bronizeski, Lucia Kakazu e Miguel Rocha
Oficina de dança: Camila Bronizeski
Oficina de mímica: Thiago Cuimar
Direção musical: Meno Del Picchia
Provocação vocal: Bel Borges e Luciano Mendes de Jesus
Musicistas: Amanda Abá (violoncelo), Bel Borges (violão e percussão) e Fernanda Broggi (percussão).
Operação de luz: Fagner Lourenço
Operação de som e sonoplastia: Felipe Chacon, U-China e Xuvisco Transmissão: Marcos Yoshi , Yghor Boy e Donizete Bomfim
Mesas de debates: Viviane Mosé, Gustavo Roberto Costa, Ana Lúcia Pastore e Cristiano Burlan
Mediadora/debates: Maria Fernanda Vomero
Comentador convidado: Bruno Paes Manso
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