Laboratório Fantasma é a liberdade que os pássaros devem sentir ao voar
A marca Laboratório Fantasma, é uma empresa que trabalha com a arte das músicas de periferia, e recentemente tem trabalhado também com a moda. Evandro Fióti (28) que é cantor, compositor e empresário, também é estilista.
Mas o irmão do Reper Emicida, não gosta muito do titulo e antes de começarmos a entrevista ele já deixa o recado “Primeiro eu não me considero estilista. Isso é muito importante ser dito”.
Mas sendo assim ou não, o fato é que as roupas do Lab Fantasma, tem conquistado um grande publico, apaixonados pela moda é até o São Paulo Fashion Week.
Esse ano a marca teve inspiração nos pássaros e sua liberdade em voo, fazendo peças com tonalidades de azuis que lembram muito o céu, e o dourado que é uma cor que está muito na moda por representar o poder (Além de que o dourado é uma cor muito elegante e luxuosa). O ‘Estilista’ também fez questão de escolher seus modelos de uma forma mais inclusiva, e com música ao vivo de Emicida, Kamau, Drik Barbosa, Coruja BC1, Fióti & Rael.
É como vocês verão na entrevista que o Portal Afro fez com ele.
PORTAL AFRO: Como foi a sua infância? Nesse tempo você já possuía algum contato com a moda?
EVANDRO FIÓTI: Na verdade, minha relação foi muito mais com a música do que com a moda, mas eu vi através da música que com a moda era uma ferramenta de comunicação forte e uma expressão de arte também que poderia nos possibilitar de se comunicar através da forma de se vestir, de impor os nossos valores. A gente acredita também da forma como a gente se veste, se apresenta nos lugares, essa foi a vivencia que me trouxe.
P.A.: Quando foi que você começou a ver que precisamos de uma marca que representasse nós negros?
E.F.: Eu acredito que isso faz parte de um processo de descobertas, interior mesmo, de você encontrar o seu caminho dentro do mundo, assim quando você se descobre afrodescendente no Brasil. Que é uma coisa geralmente difícil. Como não aprendemos na escola, não aprendemos nos ambientes que frequentamos desde pequenos, eu tive essa dificuldade de identificar como uma pessoa que habita o corpo negro, e com todos os lados positivos e negativos que se possam ter. Então desde o período que eu conheci o movimento hip-hop, comecei a frequentar os eventos de Rap, e comecei a me entender como ser negro ocupando um corpo negro e sabendo o quanto o mundo me olhava de maneira diferente. Comecei a aprender sobre isso e quais eram as alternativas que eu e nosso povo temos de lutar e de conseguir resistir e seguir vivo dentro desse sistema.
E as ferramentas que me possibilitaram de fazer isso foi a música e a moda.
P.A.: Fale um pouco sobre a laboratório fantasma.
E.F.: O Laboratório Fantasma na verdade é uma empresa de Music Services, que tem diversos serviços de música dentro as quais priorizamos a confecção e a fabricação de merchandising do Nea, que era focada nos projetos fonográficos dos artistas, e isso foi ganhando cada vez mais autonomia dentro de nossos planejamentos interno, faturamento e tudo mais. E foi crescendo e ganhando uma adesão do público muito grande, ganhando protagonismo dentro da nossa empresa. E isso possibilitou que a gente pudesse depois conseguir avançar, inovar e estrear em um evento forte como tem o porte do São Paulo Fashion Week.
P.A.: Falando do São Paulo Fashion Week, a música Avuá veio de inspiração da coleção desse ano. De onde veio a inspiração das peças?
E.F.: A coleção Avuá na verdade foi o primeiro momento em que a gente emergiu na nossa história dentro do SPFW com seu terceiro desfile para construir uma coleção. Ou seja analisamos históricos, dados de venda, o que tínhamos feito nas duas últimas coleções. Para levar uma coleção mais madura e tivesse um DNA muito mais próximo do que consideramos ser nosso consumidor final. Tentamos na verdade traduzir um pouco o que significa o conceito de liberdade para nós, tanto pessoas periféricas, como pessoas oriundas no movimento Hip-Hop. Então traduzimos o conceito de liberdade de possibilidade, medindo a nossa própria trajetória e transcendendo isso para um poder de conexão com nosso público, vimos que através dos sonhos a gente significava isso e que não tinha nem um outro ser vivo que pudesse significar isso melhor que os pássaros e a liberdade que eles devem ter, que eles sentem. Quisermos saber trazer isso para dentro da música. Que a gente viu a possibilidade que você tem de cantar essa história inspirado na questão dos três pilares que temos na coleção, que são a escrita, canto e o voo.
A escrita foi onde a gente de certa forma conseguiu possibilitar e organizar o nosso sonho.
O canto uma das frentes musicais que simboliza a nossa trajetória musical, que foi o que possibilitou que a gente usasse esse voo maior, carregando todos os nossos valores que a gente conseguisse usar voos grandes e hoje é uma companhia que é respeitada, cultuada e importante para o senário da música brasileira.
P.A.: Quais as características da marca Laboratório Fantasma?
E.F.: Transformação e resinificação do que era Street Hair no Brasil antes da gente chegar. Significamos uma realidade pouco vista dentro dos meios, tanto de comunicação quanto dos meios de mecanismo aonde circulam a grana no Brasil. Onde os negros 99% das vezes são excluídos, significamos na verdade possibilidade.
P.A.: Ser negro no Brasil, faz com que quebremos muitas barreiras, você já quebrou muitas delas. Quais serão as próximas?
E.F.: Eu acho que a gente tem uma possibilidade de inserir mais pessoas como nós no mercado de trabalho e dos espaços de poder. Da mesma maneira que eu consegui fazer isso com meu irmão, e até através dele na verdade, junto com a música e depois com a moda, vemos que o laboratório Fantasma é essa válvula de escape, essa possibilidade para novos jovens oriundos das periferias do Brasil e de São Paulo. Então eu acho que a gente consegue avançar e transformar hoje infelizmente no mundo capitalista, conseguindo usar o sistema sem deixar que o sistema use a gente. Somos um reflexo disso e embora eu respeite demais toda forma de militância e ache ela extremamente importante, acho que temos de pensar no hoje, quais são as possibilidades que temos. Acho que o Lab Fantasma e alguns outros artistas também tem construído uma carreira sólida dentro do mercado independente, temos essa possibilidade de dar mais amplitude a gama de serviços que os negros podem prestar no Brasil.
Nada contra quem acaba escolhendo, que eu acho que a maioria das pessoas não escolhem, mas a maioria dos lugares estamos realmente prestando serviços e sempre nas funções mais baixas, onde o salário é baixo, onde não tem opção de escolha, está sempre nos cargos subservientes aos brancos, e eu acho que isso que a gente vem transcender.
P.A.: Quais as maiores conquistas do Evandro Fióti e a maior conquista do Laboratório Fantasma?
E.F.: A maior conquista do Lab Fantasma é mostrar para as pessoas que é possível, até mesmo para gente é extremamente difícil carregar esse peso, essa responsabilidade, mas ao mesmo tempo a gente entende como uma continuidade, como uma missão mesmo.
E para mim, tanto pessoa física quanto artística eu acho que é poder ser uma peça importante dentro dessa engrenagem.
P.A.: Como tem sido essa experiencia de criação de roupas?
E.F.: É algo prazeroso e o bacana é ver que a gente acaba empoderando as pessoas através da roupa também, não só da música. Digo até que as pessoas viram super-heróis quando usam as nossas roupas, como se a pessoa conhecesse de onde ela saiu e conhece os valores sobre os quais defendemos, sobre os quais as nossas peças foram criadas elas sentem necessidade de adquirir. E isso tudo é muito bacana, que de certa forma isso impulsiona também, e isso significa um realimento ao nosso e eu acho que isso é extremamente valoroso para a nossa caminhada é o combustível do nosso dia a dia. E conciliar essas três coleções foi um processo de aprendizado muito grande. Mesmo não sendo formado em moda, nunca tendo trabalhado profundamente em moda e ao mesmo tempo conseguir chegar e ressignificar um espaço ao qual você não pertence através das atitudes do que você acha que pode ser, é uma missão muito grande.
P.A.: Para terminar. Uma mensagem para os jovens de hoje?
E.F.: Estou fazendo uma companha para a Rider que o slogan fica muito na minha cabeça, e eles me escolheram exatamente por ser um sinônimo dessa nova geração, que mostra que as coisas são possíveis e tem tecnologias e processos que nossos antepassados não tinham, meu pai e minha mãe não tiveram essa possibilidade. Então eu convenço tudo isso em uma frase que é “Dá para fazer” mesmo com todas as dificuldades que a gente enfrenta.
Só o fato da gente existir dentro do corpo negro, já é um ato político, ‘tá ligado’, porque a gente precisa encontrar espaços de afeto, de pessoas que nos entendam e que nos compreendam e consigam entender as dores, as dificuldades de ser uma pessoa que habita o corpo negro no Brasil hoje. As pessoas dizem que não existe racismo, as pessoas que não existe pré-conceito, mas ao mesmo tempo você não consegue ver os negros em outras posições que não só de subservientes e ao mesmo tempo sendo maioria dentro dos presídios e periferias, onde você não tem condições de vida. E ainda assim fazendo daquele universo complexo uma vivencia digna, ou seja, todo dia sai as 4, 5h da manhã para trabalhar, para dar o seu melhor, conseguindo sustentar a família com um salário mínimo que para mim isso é a maior ‘pirotecnia’ que as pessoas conseguem fazer no Brasil.
Hoje é extremamente impossível você sustentar a família com 900 reais. Como as pessoas fazem isso, só a gente sabe como é, sem roubar, sem fazer essas coisas, só a gente sabe o quanto isso é dolorido, o quanto isso é sofrido, e a gente consegue.
Então é assim, um povo que consegue fazer isso, consegue fazer qualquer coisa. Só precisa do despertar.
A gente consegue fazer isso com amor, e ainda num final de semana tem o churrasco na ‘quebrada’, nos unimos para encher a laje do vizinho, então existe uma cooperação uma coletividade do povo brasileiro e nas pessoas oriundas da periferia, que você não vê em todo lugar.
O dia que esse povo acordar para o tanto de possibilidades que ele pode construir, eu acho que a gente ressignifica esse país, mas infelizmente a gente vive massacrado pelo sistema no sentido de que a gente não consegue acordar, temos uma vida linear onde tem uma rotina que em virtude de termos um monte de afazeres a gente não consegue pensar e olhar amplamente muitas vezes. Não foi ensinado fazer isso, não sabemos fazer isso, e isso é uma coisa que nos coloca em completa desvantagem com uma pessoa que vem no corpo branco, uma pessoa que já vem com uma estrutura familiar que lhe possibilita fazer essa gama de coisas, essa gama de possibilidades que a gente não tem.
Então o que eu tenho tentado fazer, tanto para mim mesmo, para mi mostrar que é possível fazer, que Dá para fazer, mesmo com todas as dificuldades, e que para a gente tem uma vida melhor temos que arriscar, estudar e conseguir transpor essas dificuldades por mais difíceis que elas sejam, não é fácil mesmo, não é fácil, não é só falar “Dá para fazer”, para nós não é só isso, é um monte de barreiras que você vai enfrentar, que vão te desmotivar, que vão ser difíceis, mas você tem que acreditar e trabalhar e transpor isso.
Para ver o desfile completo entre em https://www.youtube.com/watch?v=i01VwrFHLgE
E para ver a musica Avuá entre em https://www.youtube.com/watch?v=XwdmWanQLJ8
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