Uma névoa lá fora deixa o dia sem cor e as janelas do ônibus todas embaçadas. Para ver lá fora é preciso limpá-las. Já fiz isso três vezes e voltaram a embaçar. Estou enxergando o mundo com outros olhos. Deve ser difícil não poder ver. Lembrei da minha bisa, Dindinha, que era cega. Ficou cega depois de adulta. Depois de já haver descoberto o mundo, conhecido as cores, as flores, os filhos, a vida… Morreu cega. Me lembro de entrar em seu quarto, nas pontas dos pés, para mexer em suas coisas antigas, um silêncio total e de repente ela dizia: “quem é que está aí? É tu, né, Daíse?! Ô menina arteira! Tá mexendo no quê? Em nada não, Dindinha! Tava só olhando o seu terço.” Ela tinha um terço branco. Foi enterrada com ele. Todos os dias às seis da tarde, a minha vó ligava o rádio para ela ouvir a Ave-Maria, e de olhos fechados, segurando firme o terço, ela rezava. Eu ficava na janela olhando. Achava aquilo tão bonito!
A bisa era uma velhinha de muita fé!
Quando morreu, com quase cem anos, em seu velório parecia que dormia. Um sono sereno.
Foi em paz a Dindinha.
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