Fernando Moreira, do Instituto Cultural Brasil-África de Porto Alegre, um dos coordenadores do Comitê Pró-Afro do Forum Social Mundial fala sobre a mobilização da comunidade negra para este grande evento.

Portal – Quais são as atividades desenvolvidas pelo IBA em Porto Alegre?

Fernando Moreira – Trabalhamos com a integração entre Brasil e África do ponto de vista cultural, sócio-econômico e educacional. Como exemplo posso citar o intercâmbio entre estudantes negros gaúchos e da África do Sul. Além disto, atuamos dentro das escolas discutindo a questão racial, com oficinas para preparação de professores, auto-estima da criança negra e desmistificação da cultura africana para não negros. Para implementar nossos projetos contamos com a colaboração da iniciativa privada, do poder público e de outras entidades negras que trabalhem com as mesmas questões.

Portal – Por qual razão foi criado o comitê pró afro para o Fórum?

Fernando Moreira - O Fórum Social Mundial será um evento da sociedade civil, reunindo diversos segmentos sociais que mostrarão seu poder de organização e força política. Quando tivemos conhecimento da programação do Fórum, percebemos que estava programada uma série de dezoito oficinas tratando de questões negras ou ligadas à África. O problema é que os trabalhos estavam divididos de forma dispersa, sem interligação entre eles, o que diluía a questão negra dentro do Fórum. Outro ponto foi a descoberta de uma enorme delegação de africanos que estará por aqui (300, apenas de uma entidade), que precisarão ser devidamente recepcionados e ciceroneados, além, claro, das representações de entidades e ong’s brasileiras. Diante disto, reunimos cerca de trinta entidades, locais e de outros estados, e decidimos criar o comitê para auxiliarmos os trabalhos do Fórum. Atualmente buscamos junto a entidades negras do pais apoio financeiro, para garantir, no mínimo, estadia e alimentação para esses participantes.

"Caso não nos mobilizássemos, o movimento negro brasileiro não apareceria no Fórum, o que nos enfraqueceria diante da opinião pública, além do vexame que passaríamos diante dos organismos negros internacionais."

Portal – O comitê pró afro é reconhecido pela organização oficial do fórum?

Fernando Moreira – Sim. Temos o reconhecimento da organização nacional do fórum. Somos oficialmente uma instância que trata das questões negras e africanas, tanto que todos os órgãos dessa natureza que contatam o fórum são orientados a nos procurar. Consideramos isto um grande ganho político.

Portal – Efetivamente, quais os tópicos de interesse dos afrodescendentes que serão discutidos no fórum?

Fernando Moreira – No que diz respeito a nós, brasileiros, são vários: indicadores sociais, políticas públicas e afirmativas, educação, mercado de trabalho e discriminação racial, gênero e racismo, desenvolvimento e racismo, enfim, apresentar um amplo leque de alternativas ao modelo neoliberal, onde somos as maiores vítimas.

Portal – Por que Porto Alegre foi a cidade escolhida para o fórum?

Fernando Moreira – Por ser uma referência mundial em políticas alternativas ao modelo neoliberal de governo, imposto pelo capitalismo mundial. O Fórum Social Mundial será um evento em contraponto ao Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suiça (símbolo da riqueza e política neoliberal). Natural, portanto, a escolha de uma cidade onde esse modelo econômico e político não é o principal.

Portal – O movimento negro de Porto Alegre também é uma referência importante?

Fernando Moreira – Sim, sem dúvida nenhuma. Aqui, ao contrário de outras capitais brasileiras, temos uma comunidade negra pouco representativa numericamente (cerca de 13% dos habitantes da Grande Porto Alegre), mas muito unida, aguerrida e potencializada. Foi em Porto Alegre, por exemplo, que o 20 de novembro e Zumbi foram escolhidos como símbolos máximos da luta negra no Brasil. Além disto, somos pioneiros em várias leis municipais e estaduais que combatem a discriminação racial e visam minimizar os efeitos do racismo.