EDUARDO SILVA (por Milton Cesar Nicolau, em julho/00)

Eduardo foi educado por Dona Olga (sua madrinha e mãe adotiva) dentro de rígidos princípios morais. Quando criança era mantido sob rédeas curtas. Falava baixinho e era sempre muito bem comportado.

Muito diferente do garoto espevitado e travesso que explode em energia e vitalidade quando em cena. Pergunto se usa o palco para extravasar toda molequice reprimida, como se reinterpretasse sua infância a cada espetáculo. Surpreso, não sabe responder... Nunca pensara nisso...

De qualquer forma é um vencedor. Consegue aliar sua carreira artística com o magistério, sendo respeitado em ambas por sua competência, atestada pelos prêmios que acumula e pela disputa de seu "passe" como professor de Biologia.

Portal - É verdade que você começou cedo?

Eduardo - Foi, e por acaso. Fui abordado na rua para participar do programa de Moacir Franco. Aparecia na TV sem ter muita consciência do que acontecia. Pudera, tinha apenas seis anos.

Portal - Interessante, o grande ator teatral começou na televisão...

Eduardo - Exatamente. Depois de participar de vários programas com Moacir Franco e outros como de Roquete Pinto, decidi que seria artista. Alguns anos depois, por indicação de Antonio Fonzar (antigo galã da TVS) participei da seleção de elenco para uma nova produção na TV de Sílvio Santos. Fui aprovado e iniciei oficialmente minha carreira aos 14 anos em 1.978, na novela "Solar Paraíso", que curiosamente não foi transmitida em São Paulo.

Portal - Desde então concilia teatro e TV?

Eduardo - Até 1.985, quando todas as emissoras de São Paulo deixaram de produzir novelas. Foi aí que percebi que precisaria de outro emprego para garantir meu futuro.

Portal - Foi isto que te levou a dar aulas?

Eduardo - Desde cedo tive consciência que seria difícil viver apenas de arte. Ficava perplexo quando via os atores que admirava, com anos de carreira, passando por privações e dificuldades financeiras. Descobri que a qualidade do trabalho, tempo de profissão ou papéis de destaque não eram garantia para se viver dignamente.

Portal - Como foi o início de sua carreira no magistério?

Eduardo - Comecei lecionando para o 2º grau. A direção e os professores veteranos notaram que eu conseguia prender a atenção dos alunos, que não era fácil. Pouco depois passei a dar aulas para as turmas do cursinho, onde as exigências eram maiores. Fiquei cinco anos no Objetivo e há oito estou no Anglo.

Portal - Você se identifica com os movimentos que buscam inovações nos métodos educacionais e melhorias para a vida dos professores?

Eduardo - Evidente. Apesar de ganhar bem onde trabalho, sempre estive ao lado de meus colegas. Infelizmente, nossa profissão está muito desmoralizada. Antigamente ser professor era uma opção. Hoje, muitos tornam-se professores por falta de opção.

Portal - Por ser também professor, a classe artística tem algum tratamento diferenciado com você?

Eduardo - Não. O interessante é que meus colegas atores pensam que dou aulas por diversão, e não por necessidade.

Portal - Se a situação mudasse e você conseguisse viver apenas com o que ganha no teatro abandonaria o magistério?

Eduardo - Abandonar, não. Diminuiria a quantidade de aulas (de 20 a 30 por semana) e deixaria de acordar as seis da manhã. Continuaria lecionando por ser algo que gosto de fazer. Faz parte de minha vida.

Portal - Você é um professor que atua para seus alunos?

Eduardo - Não, separo muito bem minhas profissões. Naturalmente tenho alguns recursos que dão certas vantagens como o gestual, por exemplo. Acredito que possa cativá-los com mais facilidade. Mas, se não tivesse competência e segurança no que faço não teria ido muito longe.

Portal - E a relação com seus alunos?

Eduardo - É ótima. Minhas aulas são produtivas e animadas. Posso começar falando em bactérias e terminar numa galáxia distante.

Portal - A biologia interfere de alguma forma na criação de seus tipos?

Eduardo - A técnica científica diminuiu meu desgaste físico, auxiliando-me na criação de métodos que poupam meu corpo dos excessos dos personagens.

Portal - Você é saudado como sucessor de Grande Otelo. O que pensa disso?

Eduardo - Me sinto orgulhoso e lisonjeado. Otelo foi brilhante. Um grande ator e o mais impressionante é que era totalmente intuitivo. Eu, não. Sou um artista que utiliza muita técnica. Para criar meus personagens preciso de estudo.

Portal - Geralmente, atores negros são escalados somente para interpretar personagens negros. Você é uma das raras exceções, Porquê?

Eduardo - Na televisão sempre representei personagens negros. Acredito que no teatro consiga papéis variados devido a minha versatilidade. Canto, danço, faço acrobacias e palhaçadas; um pouco de tudo.

Portal - Tendo sido criado num ambiente "não negro" (sua madrinha é branca, de descendência italiana) como se deu a descoberta do mundo afro?

Eduardo - Por acaso, de forma natural. Na religião, comecei pelo catolicismo, Secho-no-ie, pelas igrejas evangélica, messiânica e outras, fixando-me na umbanda. Para manter a forma pratiquei vários esportes, até identificar-me na capoeira. Meus ritmos preferidos são samba, pagode e forró. Enfim, vivo minha negritude.

Portal - Você já foi questionado sobre relações raciais em suas criações?

Eduardo - Não, nunca. Na verdade, eu mesmo crio minhas paranóias. Quando fiz "A Dama e o Vagabundo", fiquei preocupado pois a Dama era representada por uma atriz branca e eu o vagabundo, negro. Pensei que isto seria entendido negativamente. Enganei-me. Na "Comédia dos Erros "os escolhidos para interpretar os gêmeos foram eu e Augusto Pompeu. Novamente fiquei apreensivo com a relação que poderia ser feita entre negros e servidão. Era tudo bobagem. Os personagens poderiam ser de qualquer etnia. O importante era a qualidade do trabalho.

Portal - A comunidade afro-descendente não freqüenta teatros. Dificilmente notamos na platéia número significativo deles. A que se deve isto? Existe solução?

Eduardo - Em primeiro lugar a questão é mais abrangente. Os mais pobres (onde inclui-se a maioria dos afro-descendentes) não vão ao teatro por falta de dinheiro, e não por desinteresse. Em temporadas gratuitas a casa sempre lota. Há casos de pessoas que vão todos os dias. O problema é que o custo de manutenção de um espetáculo é muito alto: o aluguel do teatro vai de R$ 30 a R$ 40 mil !!! . Fora custos com operadores, manutenção, produção e outros profissionais. Por causa disso, estamos numa temporada dita popular e os preços chegam a R$ 25,00!!! Isto para quem ganha um salário mínimo é uma pequena fortuna. Às vezes, através de convites ou descontos consigo levar pessoas que nunca foram ao teatro. A reação delas é a melhor possível. O povo gosta de teatro.

Portal - Caberia então ao governo popularizar o acesso?

Eduardo - Ao governo e a iniciativa privada. Os custos para a produção de um espetáculo para uma grande empresa e até mesmo para as de médio porte são ínfimos para elas. O retorno é garantido em doses de educação e cidadania.

Portal - Quando interpreta personagens cômicos você é imbatível. Esse humor está presente em seu dia a dia?

Eduardo - Sou naturalmente bem humorado, de forma diferente de meus personanagens. Neles procuro criar uma graça própria, resguardando a que me é natural.

Portal - Quem vê seus tipos no teatro fica impressionado com a diferença que há entre eles e o rapaz sério e circunspecto que apresenta "Conexão Sebrae" e "Telecurso 2000". É difícil não criar tipos para esses dois personagens?

Eduardo - No começo foi. Sempre tive facilidade em criar tipos. De repente tinha que ser eu mesmo dando credibilidade a uma idéia. Aprendi tudo na própria TV.

Portal - Com tantos personagens e espetáculos marcantes, você conseguiria destacar alguns?

Eduardo - Fica difícil. Tenho boas lembranças daqueles onde a comédia e a emoção caminhavam juntos. Fazer drama é delicado. Fazer rir é difícil. Juntar os dois sentimentos é complicadíssmo. Por isso o bom resultado é muito mais gratificante.

Portal - Como imagina sua carreira no futuro?

Eduardo - Cheguei num ponto em que quero começar a aplicar tudo que aprendi. O trabalho como diretor seria o caminho natural. Já dirigi dois espetáculos profissionais.

Portal - É mais interessante ser diretor?

Eduardo - Tenho a vantagem de ter trabalhado anos como ator, entendendo a relação que deve existir entre os dois lados. Além do mais a possibilidade de criação é maior. Outra vantagem é o salário maior, como diretor.

Portal - Como diretor que linha seguiria? Optaria pelos clássicos que domina tão bem? Ou exploraria novos textos e autores?

Eduardo - Quero trabalhar com novas linguagens. Autores brasileiros que tratem de temas brasileiros, de nosso cotidiano. Nada de clássicos.

Portal - Já tem idéias nesse sentido?

Eduardo - Sim, atualmente procuro captar recursos para viabilizar o projeto "Zumbi, o despertar da liberdade", e um musical que reunirá trinta negros no palco, entre atores, bailarinos e músicos.

Chegamos ao final da entrevista, surpresos com a disposição e generosidade que Eduardo também demonstra em seu dia a dia. Vivendo um momento de estabilidade que possibilitou a compra de sua casa, não desampara a família, presenteando-a com uma viajem à Itália, onde Dona Olga pôde conhecer a terra de seus pais.

Otimista, Eduardo deixa uma mensagem para nossos internautas:

"Que as pessoas tenham muito amor por outras pessoas e pelo seu trabalho".

Com certeza este rosto lhe é familiar. Talvez não saiba seu nome. E é possível que não conheça seu currículo: sete novelas (entre elas A HISTÓRIA DE ANA RAIO e ZE TROVAO e ÉRAMOS SEIS); cinco longa-metragens (QUILOMBO e ALÔ, os mais conhecidos); dezenas de filmes publicitários para empresas como Suvinil e Mac Donald's e mais de 20 espetáculos teatrais (entre eles grandes sucessos de público e crítica, como "Ubu" e "Os Reis do Improviso").Prêmios? Resumidamente: seis "Mambembes" (dois como melhor ator) três vezes eleito melhor ator pela APCA e APETESP, além dos prêmios SHELL e MOLIÉRE, também como melhor ator (ambos em 1994). Pois bem, o dono de todos este prêmios é Eduardo Silva. O Portal Afro convida-os a conhecer mais sobre sua vida.
Eduardo em "Maria Quebrada"
Como Raio Negro em
"Éramos Seis"
Al Johnson: uma das caracterizações
de Eduardo Silva
Dançar é uma de suas habilidades
Homenageando Grande Otelo

Eduardo em
"Os Reis do Improviso"

Com Ana Lucia Cavalieri em
"A Dama e o Vagabundo"
Contracenando com Augusto Pompeu em
"A Comédia dos Erros"
Scapino