“Negro é arte, é cultura
Negra é fé… Axé!
Negro tem talento
Tem bravura”.
O refrão contagiante da música Batuque, A Força de Uma Raça, samba-enredo da Escola de Samba Leandro de Itaquera no carnaval paulistano de 1992, sempre vinha em minha mente quando eu pensava sobre a influência negra na sociedade brasileira, e esta composição me fazia pensar: nós, negros e negras, influenciamos o Brasil apenas na música e no esporte? Qual é o papel da ciência dentro de uma cultura?
A importância de refletir sobre as perguntas acima é que sem saber das respostas que elas suscitam, podemos compreender muito pouco do mundo em que vivemos. A quase totalidade dos nossos pensamentos, de nossas convicções e também dos nossos valores, se inscreve nas grandes visões do mundo já elaboradas e estruturadas ao longo da história pelos pensadores europeus e descendentes. É indispensável compreendê-las para aprender sua lógica, alcance e implicações para o nosso modo de refletir a realidade.
Os homens brancos europeus ocidentais oriundos de um continente de pequena extensão conseguiram dominar boa parte do mundo, a partir do século 15, escravizando, pilhando, dividindo e ocupando, não sem resistência, territórios e criando uma geografia planetária onde se colocam no centro e no topo. Esta ideia é retificada nos mapas que usamos para aprender e ensinar geografia mundial. Não é por acaso que associar brancos à gente bem sucedida é tido como algo natural. Porém no geral desconhecemos a origem deste processo.
No auge do período chamado racismo científico, entre o século 18 e início do século 20 (vale lembrar, porém, que ainda hoje há cientistas que acreditam em raças e que hierarquizam a humanidade neste quesito, como o psicólogo britânico Richard Lynn que criou o mapa mundi da inteligência humana, situando a África no pior patamar) intelectuais brancos ocidentais famosos quiseram provar que os africanos estavam num estágio muito abaixo das outras “raças” defendendo que esses homens e mulheres eram animais próximos aos macacos, ignorantes, selvagens, bárbaros, feiticeiros charlatões e que a escravidão e a colonização era a forma de libertá-los da escuridão, como dizia o famoso padre Antônio Vieira no século 17.
A palavra negro foi inventada pelos portugueses assim como branco, amarelo e índio por povos europeus e assim criou-se uma hierarquia racial onde o homem branco estava no topo, o amarelo em segundo lugar, o índio em terceiro e o negro no último patamar de humanidade dentro desta visão política que tantos danos fez à humanidade.
É importante dizer que esta classificação nem sempre existiu. Os europeus já se classificaram como azuis e vermelhos referindo-se a uma hierarquia social entre os nobres – que se beneficiavam dos privilégios do sistema e não tomavam sol por viverem encastelados e aparentarem suas veias azuis na face como fator de diferenciação – e os plebeus, que mesmo com os raios solares de menor intensidade da Europa, tinham a pele mais pigmentada.
Na organização das nações o continente africano está em último lugar em muitos índices econômicos e sociais e isto também é um fator para que muitos descendentes de africanos não se identifiquem com esta região do planeta e prefiram valorizar o “mundo desenvolvido” do norte.
No concerto das “raças” (aqui uso o termo raça, por este conceito ainda permear o imaginário coletivo, mas a genética moderna comprova que somos 99,9% semelhantes e os 0,1% do nosso patrimônio genético é destinado para os traços fenotípicos externos, como cor da pele, cabelo, nariz e cor dos olhos) o homem branco criou todo um imaginário que o privilegiava: beleza, inteligência, limpeza, pacificação, liderança, organização, civilização e nomearam o outro: o negro e o índio especialmente como feio, burro, ignorante, preguiçoso, criminoso, sujo, desorganizado e incivilizado, naturalizando assim o lugar dessas populações que foram escravizadas pelos brancos em nosso país. A ciência é representada pelos brancos e amarelos, sendo este segundo grupo automaticamente associado à inteligência em nosso imaginário.
E os negros não são inteligentes? A escravização promovida pelos brancos cristãos foi fundamental neste processo de não acreditarmos no nosso potencial negro humano de produzir o novo. Mas mesmo diante da hegemonia branca, a nossa gente não deixou de inventar e inovar. A questão é que esta genialidade foi omitida e consequentemente não divulgada como deveria ser em uma sociedade que diz não ver a cor da pessoa e sim o mérito.
Vejamos o samba Ao Povo em Forma de Arte, composto por Nei Lopes e Wilson Moreira e interpretado por Martinho da Vila para a escola de samba Quilombo, em 1978:
“Em toda a cultura nacional
Na arte e até mesmo na ciência
O modo africano de viver
Exerceu grande influência”
Em minha pesquisa Ciência, Tecnologia e Inovação Africana e Afrodescendente (2016), Nei Lopes é o primeiro pesquisador negro a publicar conteúdos sobre cientistas e inventores negros no Brasil, através do livro Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana (2004). Na sua canção ele diz maravilhado “até mesmo na ciência” como algo espantoso dos feitos dos ancestrais africanos. Mas esta surpresa vem de onde? De um sistema educacional eurocêntrico (da educação infantil até à universidade) que não valoriza a capacidade cognitiva da criança, jovem e adulto negro e torce pelo seu fracasso escolar. No imaginário coletivo a imagem de gente bem sucedida na ciência está reservada ao amarelo (japonês, coreano e chinês) e em segundo lugar para o branco, não tendo espaço para o negro. Esta visão está ancorada na visão dos racistas científicos europeus famosos desde o século 18, como Carl Linnaeus, Voltaire, Hegel, Schopenhauer, Auguste Comte, David Hume, Charles Darwin entre outros. O filósofo prussiano Immanuel Kant (1724-1804), por exemplo, presença obrigatória nos currículos dos cursos de filosofia e livros no Brasil e no mundo a fora, na sua obra Observações Sobre o Sentimento do Belo e do Sublime, de 1764, diz que:
Os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que se eleve acima do ridículo. O senhor Hume desafia qualquer um a citar um único exemplo em que um Negro tenha mostrado talentos, e afirma: dentre os milhões de pretos que foram deportados de seus países, não obstante muitos deles terem sido postos em liberdade, não se encontrou um único sequer que apresentasse algo grandioso na arte ou na ciência, ou em qualquer outra aptidão; já entre os brancos, constantemente arrojam-se aqueles que, saídos da plebe mais baixa, adquirem no mundo certo prestígio, por força de dons excelentes.
Como contraponto a esta visão kantiana, que reflete o pensamento do seu tempo, temos o relato do filósofo iluminista francês Conde Constantine de Volney (1757-1820), que no livro The Ruins or, Meditation on the Revolutions of Empires: And The Law of Nature (As Ruínas ou, Meditação sobre as Revoluções dos Impérios: E a Lei da Natureza – sem edição em português), após uma visita ao Egito, em 1787, escreveu:
Basta pensar que essa raça de homens negros, hoje nossos escravos e objeto de nosso desprezo, é a mesma raça à qual devemos nossas artes, ciências e até mesmo o uso do discurso! Imaginem que estamos no meio de pessoas que se dizem os maiores amigos da liberdade e da humanidade e que aprovaram a escravidão mais bárbara e questionando se os homens negros têm o mesmo tipo de inteligência que os brancos.
Como uma das respostas à Kant, Hegel, Victor Hugo e a todos os intelectuais e políticos como Nicolas Sarkozy, ex-presidente francês (de 2007 a 2012), que desprezaram e desqualificam nossa gente de origem africana, somei os reinos, impérios e cidades-estados do continente africano. Este conhecimento ocultado por gerações, meus estudos totalizaram até o momento 186 organizações político-administrativas ao longo de 30 séculos:
Nordeste da África
Idade Antiga
1 Império Egípcio (3100-870 a.C.)
2 Reino de Kerma (Sudão, 2500-1500 a.C.)
3 Reino de Kush (Sudão, 1070 a.C. – 350 d.C.)
4 Cartago (Tunísia, 814 a.C.-146 a.C.)
5 Reino da Numídia (Sudão, 202-46 a.C.)
6 Reino de Macúria (Sudão, 340–1276 e 1286–1317)
7 Reino de Nobatia (Sudão, 350-650)
8 Garamantes (Líbia, 500 a.C. e 700 d.C.)
9 Reino dos Blemmyes (Sudão, 600 d.C.-3 d.C.)
Idade Média
10 Reino de Alodia (Sudão, século 7-1504)
11 Reino de Nekor (Marrocos, 710-1019)
12 Confederação Barghawata (Marrocos, 744-1058)
13 Emirado de Sijilmassa (Marrocos, 758-1055)
14 Imanado ou Reino Rustamida (Argélia, 767-909)
15 Reino do Marrocos (788-presente)
16 Banu Ifran (Argélia, 790-1066)
17 Califado Fatímida (Egito, 910 – 1171)
18 Reino dos Hamaditas (Argélia, 1014-1152)
19 Reino Zirida (Tunísia, 1048-1148)
20 Emirado Kurasânida de Tunis (Tunísia, 1059-1128 e 1148-1158)
21 Dinastia e Império Almorávida (Marrocos, 1061-1147)
22 Dinastia e Califado Almóada (Marrocos, 1121-1269)
23 Dinastia e Império Aiúbida (Egito, 1171-1260)
24 Reino ou Sultanato Háfsida (Ifriqiya (Tunísia, 1229-1574)
25 Banu al-Kanz (Egito e Sudão, século 10-15)
26 Reino de Tlemcen (Argélia, 1235–1556)
27 Império Merínida (Marrocos, 1248-1465)
28 Sultanato Mameluco (Egito, 1250-1517)
Idade Moderna
29 Sultanato Oatácidas (Marrocos , 1420-1554)
30 Sultanato Funj de Senar (Sudão, 1504-1821)
31 Principado de Saadi, Sus e Tagmadert (Marrocos, 1509-1554)
32 Sultanato ou Reino de Ait Abbas (Marrocos, 1510–1872)
33 Sultanato ou Reino de Kuku (Argélia, 1515–c.1638)
34 Dinastia Saadiana ( Marrocos, 1554-1659)
35 Principado Naqsid de Tetuão (Marrocos, 1597-1673)
36 Sultanato de Darfur (Sudão, 1603-1874 e 1898-1916)
37 República de Salé ou Bou Regregue (Marrocos, 1627-1668)
38 Dinastia Alauíta (Marrocos, 1666 – presente)
Idade Contemporânea
39 Dinastia de Muhammad Ali (Egito, 1914-1951)
40 Dinastia Senussi (Líbia, 1951-1969)
África Ocidental
Idade Antiga
41 Civilização Nok (Nigéria, 1250 – 250 a.C.)
42 Reino da Mauritânia (285 a.C.-431 d.C. e 533-698 d.C.)
43 Império de Gana (Mali e Mauritânia, c.300 -c.1200)
Idade Média
44 Reino de Tekrur (Senegal, c. 800-c. 1285)
45 Reino de Igala (Nigéria, século 7-século 19)
46 Império Gao (Mali, século 9-século 17)
47 Reino de Kano (Nigéria, 999–1340)
48 Bonoman (Gana, século 11-19)
49 Reino Mossi (Burkina Fasso, século 11-1896)
50 Reino de Nri (Nigéria, 1043–1911)
51 Império do Benin (Nigéria, 1180-presente)
52 Império do Mali (Mali, 1235-1600 )
53 Reino de Alada (Benin, século 12-17)
54 Cidades-Estado Haussás (Nigéria, século 13-1808):
55 Daura (? – 1806)
56 Kano (998 – 1807)
57 Katsina (c. 1100 – 1805)
58 Zaria ou Zazau (c. 1200 – 1805)
59 Gobir (c. 1000 – 1808)
60 Rano
61 Biram ou Hadejia (c. 1100 – 1805)
62 Zamfara
63 Kebbi
64 Yauri
65 Gwari
66 Kwararafa
67 Nupe
68 Ilorin
Idade Moderna
69 Reino de Denkiera/Denkyra ou Agona após 1620 (Gana, 1500-1701)
70 Reino de Baol (Senegal, 1555-1895)
71 Reino Dendi (Niger, 1591–1901)
72 Reino de Sine ou Bur-ba-Sine (Senegal, século 14-1895)
73 Reino de Dagbon (Gana, 1409–1899)
74 Reino de Mamprusi (Gana e Togo, século 16 -?)
75 Reino de Ijebu (Nigéria, 1401-presente)
76 Reino Ondo (Nigéria, c.1510–1899)
77 Império de Kaabu ou Gabu (Senegal, 1537-1867)
78 Reino de Cayor (Senegal, 1549-1879 )
79 Reino de Baol (Senegal, 1555-1874 )
80 Reino de Daomé (Benin, 1600-1900 )
81 Reino Baulê (Costa do Marfim, 1650-1680)
82 Confederação Aro (Nigéria, 1690-1902 )
83 Império Ashanti (Gana e Costa do Marfim, 1701-1957)
84 Reino Bubi (Guiné Equatorial, século 18-2001)
85 Império Kong ou Watara (Costa do Marfim e Burkina Fasso, 1710-1894 )
86 Império Bamana (Mali, 1712-1861 )
87 Imanado de Futa Jallon (Guiné, 1725-1896)
88 Reino de Sanwi (Costa do Marfim, c.1740-1959)
Idade Contemporânea
89 Califado de Sokoto (Nigéria, 1804-1903)
90 Emirado de Kano (Nigéria, 1807–1903)
91 Império Massina (Mali, 1818-1853)
92 Império Tucolor (Senegal, 1848–1893)
93 Confederação Fante (Gana, 1868-1874)
94 Império Oassoulou (Mali, 1878-1898)
Idade Antiga
95 Reino de Punt – (Etiópia e Somália, 2400-1069 a.C.)
96 Reino de D’mt ou Da`mat (Etiópia, c. 980 a.C.-400 a.C.)
97 Império Axumita (Etiópia, 50-937 d.C.)
Idade Média
98 Reino de Bazin (Eritréia, século 9)
99 Reino de Belgin (Eritréia, século 9)
100 Reino de Jarin (Eritréia e Sudão, século 9)
101 Reino de Qita’a (Egito e Eritréia, século 9)
102 Reino de Nagash (Egito e Eritréia, século 9)
103 Reino de Tankish (Egito e Eritréia, século 9)
104 Sultanato de Mogadíscio (Etiópia, século 10-16)
105 Sultanato de Kilwa (Tanzânia, 960-1513 )
106 Reino de Mapungubwe (África do Sul, 1075-1220)
107 Reino de Medri Bahri (Eritréia, 1137-1890 )
108 Império da Etiópia (1137–1936 e 1941–1974)
109 Dinastia Zagwe (Etiópia, 1137-1270 )
110 Dinastia Salomônica (Etiópia, 1270-1974)
111 Reino de Ennarea (Etiópia, século 13–c. 1710)
112 Sultanato Hadiya (Etiópia, século 13–15)
113 Reino de Bunioro-Kitara (Uganda, século 13-presente)
114 Sultanato de Ifat (Etiópia, Djibuti e Somália, 1285-1415)
115 Sultanato de Warsangali (Somália, 1218-1886)
116 Reino de Buganda (Uganda, 1300-presente)
117 Reino de Ruanda (1300-1959 )
118 Reino de Caffa (Etiópia, c.1390–1897)
119 Sultanato de Ajuran (Somália, século 14 -17)
120 Sultanato de Adal (Somália, 1415-1559)
121 Império Monomotapa (Zimbábue, 1430-1760)
122 Sultanato de Angoche (Moçambique, 1485-1910)
123 Reino de Janjero ou Yamma (Etiópia, c. século 15–1894)
124 Reino do Burundi (1500-1966)
Cidades-Estado Suaíli:
125 Gedi (Quênia, século 13-17 d.C.)
126 Ilha de Anjuan/Nzwani (Ilhas Comores, século 10-15)
127 Ilha de Ibo/Arquipélago de Quirimbas (Moçambique, século 10-15)
128 Ilha de Máfia (Tanzânia, século 8-15 d.C.)
129 Ilha de Moçambique (Moçambique, século 10-15 d.C.)
130 Ilha de Pate (Quênia, século 7-13)
131 Kilwa Kisiwani (Tanzânia, século 13-15)
132 Ilha de Lamu (Quênia, século 14-19)
133 Nosy Be (Madagascar, século 12-14)
134 Mahajanga/Majunga (Madagascar, século 15)
135 Malindi (Quênia, século 14-15)
136 Mombaça (Quênia, século 10-16)
137 Pemba (Tanzânia, século 6-15 d.C.)
138 Quelimane (Moçambique, século 10-15)
139 Sofala (Moçambique, século 7-15)
140 Songo Mnara (Tanzânia, século 14-16)
141 Zanzibar (Tanzânia, século 7-15)
Idade Moderna
142 Sultanato de Sennar (Sudão, 1502-1821 )
143 Reino Merina (Madagascar, 1540-1897)
144 Reino de Garo (Etiópia, 1567–1883)
145 Sultanato Majeerteen (Somália, c. 1600–1889 e 1889-1924)
146 Sultanato do Geledi (Somália, século 17-19 )
147 Sultanato de Aussa/Afar (Somália, 1734-presente)
148 Reino de Gumma (Etiópia, 1770-1902 )
Idade Contemporânea
149 Reino de Jimma (Etiópia, 1790–1932)
150 Reino de Limmu-Ennarea (Etiópia, 1801–1891)
151 Reino de Gera (Etiópia, c. 1835–1887)
152 Sultanato de Hobyo (Somália, 1878 -1926)
153 Estado Dervish (Somália, 1896-1920 )
154 Reino de Gomma (Etiópia, 1780-1886)
Sul da África
155 Reino da Suazilândia (1350-presente)
156 Reino do Lesoto (1822-presente)
157 Reino Zulu (África do Sul, 1727-1897)
África Central
Idade Antiga
158 Ngoyo (Angola, 1500 a.C. -1830)
Idade Média
159 Civilização Sao (Camarões e Chade, século 6 aC – século 16 )
160 Império Kanem (Chade e Nigéria, 600 a.C. – 1376)
161 Império Kanem-Bornu (Chade e Nigéria, 1380 – 1900)
162 Reino do Congo ((1390–1857; 1857-1910 e 1910 – 1914)
163 Reino de Bunyoro (Uganda, século 13-1967 e 1993 até o presente)
164 Reino de Ankole ou Nkore (Uganda, 1447-1967)
Idade Moderna
165 Sultanato ou Reino de Bagirmi (Chade, 1522-1897 )
166 Reino do Ndongo (Angola, 1535-1671)
167 Reino Mbwila ou Ambuíla (Angola, 1550-1758)
168 Reino de Loango (República Democrática do Congo, c. 1550-c. 1883)
169 Império Luba ou Baluba (República Democrática do Congo, 1585-1889)
170 Sete Reinos de Kongo dia Nlaza (Congo, República Democrática do Congo e Angola, século 16-17)
171 Reino de Matamba (Angola, 1631-1744 )
172 Reino de Kassanje (Angola, 1622-1910)
173 Reino Mbunda (Angola, 1700-1914)
174 Império ou Sultanato de Wadai (Chade, 1635-1912 )
175 Reino de Lunda (Angola, 1665-1887 )
176 Reino de Kuba (República Democrática do Congo, século 17-19)
Idade Contemporânea
177 Reino de Toro (Uganda, 1830-1967 e 1993-presente)
178 Reino de Busoga (Uganda, 1862-1966 e 1995 até o presente)
179 Reino de Rwenzururu (Uganda, 1963–1982)
Idade Média
180 Reino de Butua (Zimbábue, 1450-1683)
181 Reino de Mutapa (Zimbábue, Moçambique, Suazilândia, África do Sul, Lesoto e Zâmbia, 1450-1629)
182 Sultanato de Ndzuwani/Anjouan (Ilhas Comores, 1500-2008)
Idade Moderna
183 Sultanato de Zanzibar (Tanzânia, 1856-1964)
184 Império Rozwi (Zimbábue, 1684-1834)
185 Reino Ndwandwe (África do Sul, 1780-1819 )
Idade Contemporânea
186 Império de Gaza (Moçambique, 1824–1895)
Nossa formação (ou deformação?) passa pela matriz grega e latina dos romanos e é a base de todo o conhecimento ocidental. Como vimos acima é fundamental dizer que o Egito já era velho quando surgiu a Grécia (cerca de 1.200 a.C. – cerca 800 d.C). A influência egípcia africana é elemento fundante para a civilização europeia, o que às vezes é negado e outras confirmado, mas o Egito é visto como uma continuidade das civilizações do Crescente Fértil (Oriente Médio e norte da África), ou que o Egito está numa região denominada “África branca” pelos geógrafos ocidentais. A prova desta visão é que a mais famosa rainha egípcia Cleópatra Thea Filopator (69 a.C. – 30 a.C.) ser retratada no cinema europeu e estadunidense como uma mulher branca. O filme mais famoso e que está no imaginário coletivo sobre esta rainha é sem duvida a produção de 1963 realizado por Joseph L. Mankiewicz, chamado Cleópatra, que foi protagonizado pela atriz branca Elizabeth Taylor, com Rex Harrison no papel de Júlio César e Richard Burton no de Marco Antônio.
No século 21, o Brasil não atualizou os novos conhecimentos sobre o Antigo Egito e a TV Record insiste na representação desta região com as produções José do Egito e Os Dez Mandamentos escrita pela autora de telenovelas Vivian de Oliveira, onde mostra um país africano povoado de mulheres e homens brancos. As novas gerações estão sendo educadas nestes valores eurocêntricos sem um contraponto. Nos EUA não é diferente, o famoso diretor inglês Ridley Scott produziu em 2014 o filme Exodus: Deuses e Heróis contando a história de Moisés e dos faraós africanos. Todos os personagens centrais do filme são interpretados por atores brancos – incluindo Moisés (Christian Bale), Ramsés (Joel Edgerton) e a rainha africana Tuya (Sigourney Weaver). Ao mesmo tempo, atores negros fazem papéis de escravizados, servos, ladrões e vilões, o mundo dos negócios falou mais alto novamente.
Com certeza estes produtores brancos desconsideram o trabalho do cientista senegalês Cheick Anta Diop (1923-1986). Em 1951 a Universidade de Paris recusou a sua tese de doutoramento sobre a ideia de que o antigo Egito tinha sido uma cultura negra. Ele comprovou a negritude dos monarcas egípcios em seu livro Nações Negras e Cultura (1954), que até hoje não foi traduzido para o português. Ele propôs que a civilização africana deve ser reconstruída com base no antigo Egito, da mesma forma que a cultura europeia foi construída sobre os legados da Grécia e Roma antiga. Sua teoria defendeu que o Egito era parte do ambiente africano em oposição a incorporá-lo em locais do Mediterrâneo ou do Oriente Médio como os pesquisadores europeus e norte-americanos queriam defender. Diop, na Universidade de Dakar, no Senegal, criou um laboratório de radiocarbono para ajudar na sua investigação e lá criou uma técnica e metodologia para um teste de dosagem de melanina. Ele usou esta técnica para determinar o teor de melanina das múmias egípcias. Investigadores forenses mais tarde adotaram esta técnica para determinar a “identidade étnica” de vítimas gravemente queimadas. Diop comprovou com seu trabalho científico o viés cultural político-ideológico na pesquisa científica.
É importante afirmar como resposta aos racistas que a nossa espécie o Homo sapiens evoluiu há 200 mil anos no continente africano. É deste continente a origem da maioria da população brasileira. Foi lá que os nossos ancestrais ficaram de pé, criaram instrumentos de pedra para se tornarem independentes na caça e inventaram o fogo. Os restos mortais mais antigos da nossa espécie foram localizados na Etiópia, na África Oriental. E foi no continente africano que as revoluções tecnológicas e científicas tiveram origem, base para o desenvolvimento da humanidade. E com a escravidão branca cristã milhões de mulheres e homens vieram para a América e não deixaram de produzir ciência e tecnologia. Abaixo apresento-lhes uma pequena relação das milhares de invenções negras.
CIENCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÕES AFRICANAS COLETIVAS
* Pigmentos e equipamentos para moer tinta que se acredita ter entre 350 mil e 400 mil anos de idade numa caverna perto de Lusaka, Zâmbia;
* Cama datada de 77 mil a.C. foi descoberta na caverna Sibudu na África do Sul;
* O artefato matemático mais antigo do mundo foi encontrado na caverna de Blombos, África do Sul, e tem aproximadamente 75 mil anos;
* Algodão cultivado no Sudão há 5 mil anos a.C;
* A filosofia (rekhet) no Egito há 2650 a.C;
* Encosto de cabeça de 2 mil a.C. inventado no antigo Egito;
* Pilão descrito no papiro de Ebers de 1550 a.C. (o mais antigo documento de medicina) no Egito;
* Cidade de Louango capital do Reino de Loango (1400-1885) na África Central;
* Inhame cultivado há 8 mil anos a.C. na África Ocidental;
* Melancia domesticada entre 7 e 5 mil anos a.C. na África Ocidental.
* Café foi cultivado no século 9 d.C. na Etiópia;
* Egito: linguagem, escrita, pecuária criação de burro e cavalo, bois e vacas, em agricultura o hábito de fazer pão usando fermento, bebidas fermentadas, plantação de uva, fabricação de vinho, queijo, cerveja e churrasco; na astronomia o calendário utilizado até os dias atuais, matemática de base 10; geometria, na engenharia a rampa, origem da química derivada da palavra kemet; medicina mumificação e origem da moderna neurociência e empirismo.
NOTÁVEIS CIENTISTAS AFRICANOS E AFRODESCENDENTES
* Hesy Re (~ 3000 a.C.) egípcio, o primeiro dentista da história e o primeiro a estudar a diabetes;
* Merit Ptah (2700 a.C.) cientista egípcia, considerada a primeira médica registrada do mundo;
* Imhotep (2650-2600 a.C.) polímata egípcio, especialista em diversas áreas, construtor da primeira pirâmide, engenheiro, primeiro filósofo da história, médico, estadista sacerdote, foi elevado a deus da inteligência, o primeiro humano no panteão dos deuses egípcios e foi adorado por milênios;
* André Rebouças (1838-1898) engenheiro brasileiro, professor da área e responsável pela construção de estradas de ferro, portos, docas, obras de saneamento. Como engenheiro militar inventou o torpedo, foi abolicionista e é considerado o pai da engenharia brasileira;
* Granville Tailer Woods (1856-1910) engenheiro elétrico e mecânico autodidata afroamericano com mais de 50 patentes. É responsável pela invenção do transmissor de telefone, sistema ferroviários, sistema de metrô, montanha-russa dentre outras invenções. Em sua época era chamado de “O Thomas Edison negro”.
* George Washington Carver (1865-1943) botânico estadunidense desenvolveu centenas de produtos baseado na noz pecã, batata doce, soja e amendoim;
* Dra. Jane Cooke Wright (1919-2013) foi uma oncologista estadunidense pioneira que ajudou a elevar a quimioterapia como opção de tratamento para pacientes com câncer;
* Bertin Nahoun (1969-) engenheiro beninense e empresário da Medtech especialista em robótica cirúrgica criou o robô Rosa especializado em cirurgias cerebrais;
* Sonia Guimarães é a primeira mulher negra PhD em física do Brasil e é especialista em mísseis no ITA em São José dos Campos;
* Joana D´Arc Félix de Souza pós-doutora em química orgânica de Harvard, trabalha na ETEC de Franca e desenvolveu pele humana artificial a partir da pele de porco a preço acessível e é especialista em resíduos sólidos.
É fundamental dizer que antes da evolução dos amarelos e brancos os negros já existiam há pelo menos 190 mil anos e esta população não ficou esperando os europeus para criarem a ciência e o método científico. Desde muito tempo mulheres e homens foram obrigados a inventar, desenvolvendo deste modo a inteligência. Tudo isto nos parece evidente e a listagem de invenções atribuídas a negros seria supérflua se, ainda hoje, as suas capacidades intelectuais não continuassem a ser postas em dúvida. Precisamos superar a narrativa europeia da ciência, história e razão como uma visão universal e sim situá-la como mais uma das diversas influências que produziu a ciência mundial. Esta ordem mundial centrada no branco desclassifica a produção intelectual africana e os povos negros devem levar em consideração sua história, cultura e ancestralidade em suas formulações intelectuais. A escravidão e o racismo impediram nosso desenvolvimento, mas não o cessou completamente. Precisamos descolonizar as mentes negras e assim retirar a África e a diáspora da periferia mundial que o ocidente a colocou.
Finalizo com a frase do príncipe Lukanga, descendente dos reis de Buganda, do reino da atual Uganda: “a cultura é o pai da história, o médico tradicional é o pai da ciência e ciência é o pai da tecnologia. Sem ciência, nenhuma tecnologia. Sem história, nenhuma ciência, sem cultura, sem história” e ignorar que a população negra não tivesse estes atributos é um crime contra a humanidade, e enquanto não chega este reconhecimento, vamos reconstruir nosso orgulho de ser o que somos.
PARA LER
CHRÉTIEN, Jean-Pierre. The Great Lakes of Africa: Two thousand years of history. 2003.
CUNHA JUNIOR, Henrique. Tecnologia africana na formação brasileira. Rio de Janeiro: CEAP, 2010.
Disponível em: http://www.ifrj.edu.br/webfm_send/268
ESPOSITO, John L. The Oxford History of Islam. Oxford University Press, 1999.
HEYWOOD, Linda M.; THORNTON, John K. Central Africans, Atlantic creoles, and the foundation of the Americas, 1585-1660. Cambridge University Press, 2007.
HUNWICK, John O. (Ed.). Timbuktu and the Songhay Empire: Al-Saʿdi’s Taʾrīkh Al-Sūdān Down to 1613, and Other Contemporary Documents. Brill, 2003.
LOPES, Nei. Enciclopédia brasileira da diáspora africana. Selo Negro Edições, 2014.
MACHADO. Carlos. Ciência, Tecnologia e Inovação Africana e Afrodescendente. Florianópolis: Bookess, 2014.
Disponível em: http://www.bookess.com/read/19840-ciencia-tecnologia-e-inovacao-africana-e-afrodescendente/
NASCIMENTO, Elisa Larkin. Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira. Selo Negro Edições, 2009.
ROBERTS, Andrew. The Cambridge History of Africa. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.
SHAW, Ian. The Oxford history of ancient Egypt. Oxford University Press, 2003.
SILVÉRIO, Valter Roberto et al. Síntese da coleção História Geral da África: século XVI ao século XX. Brasília: UNESCO, MEC, UFSCar, 2014. 2v., 2016.
TURCHIN, Peter; ADAMS, Jonathan M.; HALL, Thomas D. East-west orientation of historical empires and modern states. Journal of World-Systems Research, v. 12, n. 2, p. 219-229, 2015.
VANSINA, Jan. A comparison of African kingdoms. Africa: , Journal of the International African Institute v. 32, n. 04, p. 324-335, 1962.
PARA ASSISTIR
Cientistas e Inventores Negros
Disponível em: [youtube]https://www.youtube.com/watch?v=h0hv9fg88n8[/youtube]
Tarde de Palestras: Ciência, tecnologia e inovação afrodescendente (Carlos Machado)
Disponível em: [youtube]https://www.youtube.com/watch?v=jvuo4VgGqMM[/youtube]
Ciência, tecnologia e inovação afrodescendente (Carlos Machado) – Parte 2
Disponível em: [youtube]https://www.youtube.com/watch?v=8t0y2mm_Mww[/youtube]
CARLOS EDUARDO DIAS MACHADO é mestre em História Social pelo departamento de História da Universidade de São Paulo – USP, bacharel e licenciado pela mesma instituição. Atua como pesquisador, articulista, palestrante e educador.
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