Jornalista residente em Nova York fala das nuances entre os dois países do ponto de visita de raça, imprensa e outras variáveis
Edson Cadete, nasceu na zona leste de São Paulo, e há mais de 30 anos foi para os Estados Unidos. Desde então teve um casamento e uma filha, trabalha há 24 anos na parte administrativa do Sindicato dos Porteiros e das Pessoas que fazem limpeza nos prédios, zeladoria. Também atua como jornalista, em seu blog cobre eventos dentro e fora da comunidade brasileira.
Ao longo de sua trajetória tem observado de perto como a temática racial é abordada nos Estados Unidos e no Brasil. Sua experiência oferece um ponto de vista único sobre essas questões enraizadas na sociedade contemporânea.
Edson iniciou a entrevista usando um boné escrito “Marielle Presente”, o que levantou o questionamento sobre o fato de como se dá a mobilização entre os dois países com relação a casos de mortes de pessoas negras.
Portal Afro: você está usando um boné com a frase Marielle Presente, mas é presente para a comunidade brasileira ou para a comunidade americana?
Edson Cadete: é particular para a comunidade brasileira ativista, os americanos em geral sabem muito pouco sobre o Brasil. Se você andar na rua e for em qualquer lugar e perguntar se já ouviram falar da Marielle Franco eles dirão que não.
Portal Afro: existe uma mobilização dos cidadãos americanos em relação a incidentes de negros brasileiros? Considerando que, enquanto no Brasil fizeram uma mobilização no caso do George Floyd, será que eles também parariam por conta da Marielle, por exemplo?
Edson Cadete: não, apenas a comunidade brasileira que reside aqui, se mobiliza com os casos. Como disse, os americanos não têm muito conhecimento sobre o Brasil e nem acesso a informações do que acontece aí. Com exceções dos intelectuais que tem mais conhecimento sobre história de África e Brasil, mas no geral a comunidade afro-americana não. O que mais se sabe sobre o Brasil é o lance do carnaval, etc.
Portal Afro: como fica as relações interraciais, existe um recorte que se fala que o negro bem sucedido, tende a construir relacionamentos com mulheres brancas, em sua opinião é real que o americano pratica mais o black love ou o dengo ancestral?
Edson Cadete: eu cresci vendo que o que é idealizado como beleza são as pessoas brancas, ou seja, o negro não se ver como uma pessoa bonita, a beleza nunca é a negra, então isso acaba contribuindo para esses relacionamentos. E outro detalhe que vale ressaltar é que o negro com um poder aquisitivo maior frequenta lugares que não tem mulheres negras e vice-versa, para haver esse relacionamento, então acredito que por isso criou-se essa percepção.
Portal Afro: muito se fala a respeito do negro brasileiro, não ser considerado parte da comunidade afro-americana, ao que se dá isso?
Edson Cadete: isso ocorre devido à ideia predominante de que ser negro nos Estados Unidos está intrinsecamente ligado à história e à cultura afro-americana específicas, que não são completamente compartilhadas pelos brasileiros negros.
Portal Afro: você entende que o brasileiro tem um deslocamento de não estar nem dentro da comunidade negra americana e nem dentro do escopo latino por não ter, entre outras variáveis, o espanhol?
Edson Cadete: nós somos latinos porque estamos dentro da América latina, a diferença é que não falamos espanhol, e há muita similaridade entre os países de língua espanhola na América do Sul e o Brasil, porém o americano tem um desconhecimento geográfico, por exemplo: uma pessoa da cor da minha pele é considerado por muita gente como dominicano, porque se você olhar a população de lá é muito parecida com o Brasil, temos uma mistura parecida e como tem um número de dominicanos morando aqui, muitas vezes as pessoas me perguntam se eu sou dominicano. E com relação à comunidade afro-americana isso pode até aparecer uma surpresa, mas eles são fechados, então alguém considerado negro no Brasil, se vier para cá, eles não vão achar que faz parte da comunidade, porque eles têm a própria cultura afro-americana, mas também são nortes americanos,não tem essa relação de ancestrais,não consideram o negro brasileiro parte desta comunidade.
Portal Afro: aqui no Brasil, o nigeriano, o haitiano são tratados diferente do tratamento que é destinado ao francês, por exemplo. E quando você fala dessa comunidade afro-americana e esse desconhecimento em relação ao Brasil, há um desconhecimento também em relação à África? Os africanos também têm um tratamento diferenciado aí?
Edson Cadete: aqui tem a mesma maneira de tratar a pessoa de origem africana, então como eu disse anteriormente, o americano em geral tem um desconhecimento geográfico muito grande, não apenas com relação ao Brasil. Por exemplo, eles não sabem sobre os países africanos, então quando eles falam da África eles relacionam como uma pessoa africana, eles não estão falando de um nigeriano, de um turco ou de um egípcio, eles reduzem a um africano.
Portal Afro: com relação à mídia segmentada, existe essa movimentação aí com recorte racial?
Edson Cadete: sim, tem várias, mas eu particularmente não leio nenhuma específica. Porque o interessante, é que a temática racial na América é constante, então existe sim uma mídia segmentada, porém, esse debate está sempre em alta. Você não precisa necessariamente ter acesso a veículos específicos para estar por dentro do que acontece. Há uma cobertura constantemente nos jornais de grande circulação.
Portal Afro: mas, existe nos EUA, como no Brasil, o monopólio da comunicação de algumas empresas ou famílias ou o público?
Edson Cadete: aqui também tem, o New York Times é uma família desde do século XIX, só que aqui o debate racial é muito amplo, então apesar de estar sob domínio privado, sempre tem cobertura constante da imprensa, tem vários temas, histórias da comunidade, etc.
Portal Afro: você também mencionou que adquiriu muito conhecimento sobre a história afro-americana através da cultura, como teatro e cinema. Você acredita que nos EUA, o acesso à cultura, é mais possibilitado?
Edson Cadete: aqui há descontos, e eu como jornalista, tenho acesso a muitos eventos e instituições culturais, porque dão um passe para quem é jornalista, mas, por exemplo, tem várias galerias que você não paga, tem instituições que o primeiro sábado do mês não é pago, então, tem várias maneiras de adquirir cultura, sem precisar pagar um preço exorbitante para assistir à peça de teatro, por exemplo.
Portal Afro: aqui no Brasil temos a Lei Rouanet, de incentivo à cultura. Aí tem algum dispositivo similar a essa Lei?
Edson Cadete: diferente do Brasil, aqui tem muita instituição filantrópica que ajuda as instituições culturais e a cidade também ajuda com recursos, então há uma combinação privada e da cidade.
O jornalista , Edson Cadete, finaliza a entrevista ressaltando a importância de dar atenção à comunidade negra e sua história, e que o debate racial deve ser constante. A fala dele evidencia a necessidade de uma compreensão mais profunda e integrada das realidades raciais em ambos os países, levando em conta suas particularidades e desafios que são únicos.
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