A lancheira
Quando eu era criança, a moda era ter uma lancheira de plástico que as crianças penduravam no ombro e levavam o lanche e o suco para o recreio.
O meu sonho era ter uma lancheira cor de rosa com a garrafinha cor de rosa também. Se bem que eu também achava bonita a lancheira vermelha e a garrafinha branca. O meu sonho era ter uma lancheira.
Mas, eu nunca tive. Meus pais nunca puderam comprar e eu levava o meu lanche na sacola de papel do supermercado. Há um tempo atrás, as sacolas dos supermercados eram de papel. Nossa, estou velha!
Me lembro de numa conversa com a minha vó, ter dito que eu queria ganhar uma lancheira de presente e ela me dizer que aquilo era muito caro e tínhamos outras prioridades. A minha vó sempre foi assim: sempre me explicava porque não podia comprar isso ou aquilo.
“Se o seu pai comprar essa lancheira não vai ter dinheiro para o lanche para você levar para a escola.” Ou ela dizia: “Sua irmã está doente, o seu pai precisa comprar o remédio para ela.” “O importante é ter o que comer, menina. Tem muitas crianças que não tem. Mas, no dia que a vó tiver dinheiro, a vó compra uma para você, tá bom?”
Um dia cheguei da escola e a vó gritou lá da casa dela que era pra eu ir lá um pouquinho. Deixei as minhas coisas em cima da cama e saí em disparada. A vó estava sentada na sala em sua máquina de costura assistindo à tv, como ela sempre fazia. Em sua mão ela segurava uma bolsinha de pano xadrez e me entregou.
“Eu fiz para você levar o seu lanche.” – ela disse.
Não era a lancheira que eu queria. E confesso que fiquei com vergonha de levá-la para a escola. Mas, na manhã seguinte a mãe preparou-a colocando um pão com manteiga e um copo de suco de Ki-suco e me entregou no portão. E desci com os primos para a escola.
Quando o sinal para o recreio tocou, pensei em tirar o lanche da sacolinha e levá-lo na mão para que ninguém a visse, foi quando vi saírem da minha sala muitas crianças de mãos vazias. Elas não tinham nem lancheira e nem lanche.
A minha amiguinha, cujo nome eu já esqueci, mas me lembro dos cabelos loiros cacheados dela que sempre estavam despenteados e dos olhos verdes, me dizer:
“Que lancheira bonitinha!”
E ela tinha uma lancheira de plástico. Rosa. Toda cor de rosa. Do jeito que eu sonhava.
“Aonde você comprou?” – ela quis saber.
“Foi a minha vó que fez.” – respondi, ajeitando a lancheira no ombro.
“Que legal! Eu queria tanto ter uma avó pra fazer uma lancheira pra mim! Vamos trocar? Só hoje.”
Eu olhei para a lancheira cor de rosa dela pendurada em seu ombro, olhei para a minha de pano, olhei para as crianças que saíam sem lanche, olhei para a minha amiguinha, lembrei da minha vó costurando e respondi:
“Hoje não. Hoje é o meu primeiro dia com ela. Quando eu enjoar dela, eu deixo, tá bom?”
E eu nunca enjoei.
<3
(Daíse Lima)
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