A concorrência entre os movimentos nacionalistas angolanos, antes e depois do início da luta armada, tornou a narrativa sobre a gesta nacionalista global um quebra-cabeças para os estudiosos que queiram olhar com objetividade esta história no seu todo.
A frase é do historiador e académico congolês Jean-Michel Mabeko-Tali, proferida no decorrer de uma entrevista à agência Lusa, a propósito do livro “Guerrilhas e Lutas Sociais — O MPLA Perante Si Próprio (1960/1977)”, de 814 páginas, a lançar pela editora portuguesa Mercado de Letras e que constitui, assumiu, um “ensaio de história política”.
Mabeko-Tali, que vivenciou no Congo-Brazzaville os primeiros anos da luta dos movimentos independentistas angolanos contra Portugal, lembrou que tanto o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), com a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) procuraram “puxar o cobertor da narrativa para si”.
Para o académico natural do Congo-Brazzaville e desde 2002 professor na Universidade de Howard, exemplo disso mesmo é a disputa entre MPLA e FNLA sobre a questão das datas mais importantes da luta de libertação do jugo colonial português, “as que até agora estão consagradas com um “selo de santificação política”.
“São as datas que decorrem da narrativa assumida pelo vencedor desta concorrência intra-nacionalista. Ou seja, o MPLA. O mesmo acontece com aquilo que podemos chamar de ‘genealogia dos mártires’ da luta de libertação. Pode procurar em vão nesta genealogia algum nome de um comandante de guerrilha da FNLA. Da UNITA nem se fala, e por motivos que se pode ainda compreender, dado o percurso um tanto controverso”, explicou.
“Pior ainda, no seio do próprio MPLA, antigas querelas internas, e dissidências, acabaram como que banindo para a eternidade nomes de peso na génese deste partido. Não me parece que haja, ainda hoje em dia, um ‘becozinho’ de rua, uma escolinha, mesmo de aldeia, uma ruazinha, com o nome de Viriato Clemente da Cruz, o verdadeiro conceptor, ‘pai fundador’ e primeiro secretário-geral do MPLA”, salientou.
O mesmo se passa, acrescentou Mabeko-Tali, em relação a Mário Pinto de Andrade, primeiro presidente do MPLA, ou Matias Migueis, primeiro vice-presidente.
“Mas temos Rua Ho Chi Minh, Rua Che Guevara, figuras revolucionárias, certo, e de prestígio e de importante referência na teorização da luta anticolonial do antigo ‘Terceiro Mundo’, mas que não terão tido um papel igual a estas três figuras nacionalistas angolanas, cujo pecado mortal foi o de discordar com parte da direção do movimento de libertação de então. Isto torna a reconciliação nacional problemática se o próprio MPLA não consegue sanar as suas próprias feridas internas”, enfatizou.
Sobre o livro, o académico congolês lembrou que, em 2001, publicou uma versão parcial do atual, tendo, depois, recebido inúmeros contributos que viabilizaram, quase 17 anos depois, o reforço do ensaio.
“Tive acesso a novas fontes, quer escritas, quer orais, às quais eu não tinha tido oportunidade de aceder antes, assim como à publicação de memórias de antigos combatentes dos antigos movimentos da luta de libertação. E houve fontes de arquivos quer da antiga potência colonial, quer dos antigos aliados soviéticos. Tudo isto levou a uma necessidade de voltar a debruçar-me novamente sobre o essencial dos problemas que tinha abordado anos antes”, explicou.
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