CRÍTICA TEATRAL:
ESPETÁCULO: “REVOLUÇÃO ANIMAL”
A sala de teatro alternativa do “Espaço 483”, de tamanho ultra pequeno, de um bairro residencial em São Paulo, nos faz pensar se a estética escolhida para o espetáculo teatral “Revolução Animal”, dialogará com uma localização e estrutura de personalidades tão fortes.
A adaptação de um texto literário marcante e famoso mundialmente é mais um ponto significativo, que completa o imenso desafio enfrentado pelo “Grupo Raízes de Dança e Teatro”.
Desafio esse que vai se dissolvendo minuto a minuto, conforme presenciamos a mão precisa da encenação de Adriano Merlini que desenha as cenas quadro a quadro, como uma HQ (história em quadrinhos) ao vivo e a cores.
A harmonia do Grupo é tanta que parece que cada detalhe do espetáculo foi composto em total conjunto, porém, o profissionalismo final revela que cada ítem da produção teve sim artistas responsáveis e especializados.
O diminuto espaço cênico onde imaginaríamos servir para comportar apenas um monólogo, é explorado com precisão, servindo como um tablado onde um ballet de 7 atores salta de uma marcação à outra e desenvolve a história com clareza, autenticidade e extremo dinamismo.
As marcas intensas e fluidas sob focos coloridos, atraem o olhar fixo da plateia que em nenhum momento se desliga de cada passagem de um roteiro complexo.
Apesar de presenciarmos uma adaptação de um romance de 1945 do inglês George Orwell, o tema não teria como ser mais contemporâneo para um Brasil caótico e assustado de 2019, no qual esse paralelo em forma teatral se transforma em uma obra-prima obrigatória para o consumo de nossa população, afinal, “o ar está pesado como a muito tempo não se via na fazenda”. (méritos da ótima adaptação e do olhar inteligente pela escolha do texto).
A característica satírica do romance original é transportada para o palco em interpretações de um elenco bem orquestrado e consciente. Nota-se a preocupação latente de uma interpretação que entretenha o público e ao mesmo tempo o conscientize com pinceladas brechtinianas.
O trabalho dos atores nos envolve e diverte e é auxiliado por um delicioso tom irônico no desenho/linguagem corporal ( desenvolvidos pela coreógrafa e atriz, Adriana Gerizani)que reforça satisfatoriamente (com simplicidade e sem flertar com obviedades) a construção da identidade animal.
O cenário e adereços beiram o minimalismo, explorando unicamente o fundamental para abordar e caracterizar a história, uma saída inteligente para uma encenação que ocupa um espaço cênico onde as lacunas são facilmente preenchidas com pouco. Talvez um palco mais amplo exija uma preocupação maior com os espaços livres.
Completando o conjunto de recursos cênicos, temos uma sonoplastia importantíssima nessa montagem, que completa a proposta satírica, com músicas – narrativas originais compostas por Bruno Lourenço – e efeitos sonoros que “linkam” a obra teatral à nossa realidade, auxiliando a assimilação do conteúdo.
Um cuidado deve ser tomado com as entradas e saídas sonoras que poderiam deslizar mais delicadamente em vários momentos da operação e assim não incomodar tanto os ouvidos com cortes e entradas bruscas as vezes fora do tempo das canções e efeitos.
A manipulação do pensamento e das ações é o cerne da “Revolução dos Animais” , explorada pelos lados mais soturnos e corrompidos da sociedade (vezes representados pela religião, pela ambição política, em suma, pelo poder) e da falta de caráter humano, aqui também representados metaforicamente por animais.
Um espetáculo que ocorre com ótimo tempo de duração para uma plateia cada vez mais imediatista.
Saímos refletindo qual a nossa responsabilidade diante do caos. Existe melhor papel que a Arte possa prestar?
Cotação: 🌟🌟🌟🌟🌟 excelente
Ficha Técnica
Ellenco: Adriana Gerizani, Bruno Lourenço, Márcio Araújo, Melany Kern, Michelle Racaneli, Pedro Medeiros, Willian Gibson, Letícia Andréa e Vitor Machado.
Direção: Adriano Merlini
Direção Musical: Bruno Lourenço
Coreografias: Adriana Gerizani
Assistente de direção: Isabelly Pereira
Direção de Arte: Adriana Gerizani
Figurinos e Adereços: Paolo Suhadolnik
Desenho de luz: Nando Zâmbia
Operação de Luz: Marcelo Galdino
Operação de Som: Francisco Cardoso e Isabelly Pereira
Produção Geral: Adriana Gerizani
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