A GRANDE EXPOSIÇÃO – Diogo Nógue
Era bela a grande pirâmide flutuando cinco metros acima do mar. Na beira do cais, milhares vieram assistir à saída da grande exposição. Ela zarparia pelo atlântico de volta à Terra Mãe.
Na plataforma que sustentava o monumento, mulheres de branco, contas e turbantes abençoaram e cantavam em ritual para todos que morreram na luta do nosso existir. Os tambores e baterias trovoavam em acompanhamento.
Lá dentro há vídeos, discos, esculturas, pinturas, jóias, roupas, instrumentos, e milhares de outros tesouros. Pais e mães empolgados, mostravam a seus filhos nossos triunfos, heróis e heroínas.
Em paradas estratégicas, drones transmitiriam as cerimônias aos doentes e afogados que ficaram pelos caminhos, e ao redor do globo gritaremos: Não foram esquecidos!
Em nossas línguas roubadas, os livros das diásporas e os planos de futuro serão declamados para filhos, netos, bisnetos…
Ao chegar em cada costa do grande continente, sem colonizadores, o equilíbrio em fim reinará.
CONVERSAS
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Por gentileza, se apresente
DIOGO NÓGUE: sou Diogo Nógue, artista visual e escritor, nascido na zona leste de São Paulo, afro-diasporico, filho de Regina Lúcia e Cicero Cândido, que migraram do interior do Rio de Janeiro, Campos dos Goytacazes em busca de uma vida com mais oportunidades.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você leitor?
DIOGO NÓGUE: Meu gosto da leitura vem da biblioteca da minha mãe, professora de Língua Portuguesa, se tornou ao longo da vida uma leitora voraz e colecionadora. Sempre atenta a sebos e coleções de clássicos que eram vendidos nas bancas.
Nunca gostei de livros policiais ou de mistério, apesar de ler alguns, esses livros infanto juvenis não me atraíam. Os primeiros títulos que lembro ter gostado eram de uma coleção de capa dura vermelha da minha mãe, Capitães de Areia de Jorge Amado, e Jangada de Pedra de José Saramago, que tentei ler quando tinha que Dez anos, mas não passei dos primeiros capítulos.
Depois aos doze, passei por Não verás país nenhum de Ignácio de Loyola Brandão, um dos meus preferidos até hoje. As Brumas de Avalon de Marion Zimmer Bradley, que despertou meu gosto por fantasia, distopias e ficção especulativa. Durante a adolescência virei leitor de Harry Potter, Tolkien e os Vampiros de André Vianco. As leituras de Carolina Maria de Jesus e Esmeralda: Porque não dancei me trouxeram a realidade sobre esse território que nos tratavam como intrusos. Passeei pelos clássicos, pelo realismo mágico de Cem Anos de Solidão e Jogo de Amarelinha e fui modificado por Marquez e Cortazár. Foi já adulto que passei a buscar autores negros e entender a estrutura colonial, eurocentrica que construía esse universo literário onde gênios e clássicos formam uma egemonia supremacista branca.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como foi e é para você a publicação do Livro?
DIOGO NÓGUE: Publicar livros para mim é construção de arquivo, memória e registro. É deixar para as gerações futuras os degraus de pensamento e imaginação de nosso tempo e as lutas que firmamos. Escrever é a possibilidade de reinventar o mundo para combater as injustiças e criar novas possibilidades para ter sonhos e força de luta. E a publicação e onde podemos compartilhar e espalhar essas ideias.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para que você escreve?
DIOGO NÓGUE: Eu escrevo pelo mesmo motivo que leio, por não aceitar o mundo em que vivo, as verdades e leis impostas que nos dizem serem incontornáveis. Em um poema, conto ou romance, tudo é possível. Neles tenho o poder de imaginar e existir para além das limitações e grades que construíram contra nós. Escrevo por poder, e posso porque lutaram para eu ter essa possibilidade. Escrevo para deixar novas possibilidades para os que virão.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais suas negras influencias?
DIOGO NÓGUE: Hoje busco escritores negros de todos os generos, mas prefiro temáticas da ficção científica, fantasia, afrofuturismo e a interação com o mágico.
Estou me aproximando de Octavia Butler, Chimamanda, Cuti, Lima Barreto, Conceição Evaristo, Lu Ain-Zaila e autores que tenho a honra de poder publicar junto como Cristiane Sobral, Plinio Camillo e Esmeralda Ribeiro.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual foi o seu primeiro e decisivo ato literário?
DIOGO NÓGUE: Desde criança criava histórias brincando no quintal com meus primos.
E na escola escrevia poesia e contos. Tive vários projetos de livros que comecei e nunca terminei.
O ato decisivo talvez tenha sido na adolescência, quando comecei a escrever textos poéticos e poemas e publicar em um blog quase diariamente. Desses textos saiu anos depois meu primeiro livro Pedra Polida.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Conceição Evaristo cunhou um termo escrevivência. O termo aponta para uma dupla dimensão: é a vida que se escreve na vivência de cada pessoa, assim como cada um escreve o mundo que enfrenta. Essa ideia se faz letras em seus escritos?
DIOGO NÓGUE: Sem Dúvida, o encontro com a escrevivência de Evaristo mudou o jeito que escrevo, e o porquê da minha escrita, essa dimensão abriu meus olhos para o poder de uma escrita consciente de si.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é você sendo ancestral em seus escritos
DIOGO NÓGUE: Ainda tenho pouco material para pensar nesses termos, mas espero que em futuro tenha construído um conjunto que instigue a construção de uma sociedade afro-diasporica consciente e livre.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Cuti afirma que a LITERATURA NEGRO-BRASILEIRA além do negro em primeira pessoa, também prepara o leitor negro. Como tem sida a sua preparação
DIOGO NÓGUE: Tem sido um caminho de encontro e muito aprendizado, quanto mais autores negros eu leio, mais encontro um pedaço de mim que não conhecia.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como a sua ancestralidade está nos seus escritos?
DIOGO NÓGUE: Minha família é muito miscigenada, alguma dessas ancestralidades são fruto de violência e apagamento. Conheci apenas uma de minhas avós que ainda está viva, os outros morreram antes de eu nascer. Então, em minha casa não tive muita construção da imagem deles. Dessa forma a ancestralidade em meus escritos é uma ficção de coucha de retalhos e vestígios de conhecimentos que vou descobrindo no meu caminho.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Como é, para você ser um escritor negro no Brasil?
DIOGO NÓGUE: É como ser negro em todas as outras áreas no Brasil. Enquanto for mantido o pensamento colonial e existir Brasil, negros e indígenas serão vistos como não humanos e não pertencentes.
É preciso o fim do Brasil para sermos livres.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Inspiração ou transpiração?
DIOGO NÓGUE: Muita transpiração.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quais são os seus principais temas?
DIOGO NÓGUE: A Inadequação do indivíduo, a solidão, a busca por uma nova realidade, o sonho e a morte.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual é o seu processo de escrita?
DIOGO NÓGUE: As ideias para minhas histórias nascem da reflexão de como o mundo funciona e contrapondo em como poderia ser. A partir disso penso em que forma contar essa história e vou testando estruturas e escrevendo diferentes versões até conseguir resolver a escrita.
Na poesia tenho explorado formas de escrita a partir de regras de métrica, rimas, formato. E também nas temáticas: as vezes partindo da memória, outras construindo figuras de linguagem complexas, ou apenas na construção de cenários.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Para quem você escreve?
DIOGO NÓGUE: Escrevo para os seres humanos, mas principalmente os que se parecem comigo e tem uma experiência da existência parecida com a minha.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Qual a função social da sua literatura?
DIOGO NÓGUE: …tenho a pretensão de um dia colaborar para a mudança de paradigma da nossa sociedade. Para isso precisamos de amor, sonhos, raiva direcionada e reverência aos que vieram antes de nós.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Quando se descobriu negro?
DIOGO NÓGUE: Quando um colega de classe me chamou de “Preto safado” e deu um tapa na minha cara, sem motivo algum.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Oralitura – definido por Leda Martins que usa o termo para designar as histórias e os saberes ancestrais passados não apenas através da literatura, mas também em manifestações performáticas culturais. Esse conceito se faz palavras em seus escritos?
DIOGO NÓGUE:…estou buscando empretecer meus escritos com essas dinâmicas e ensinamentos da oralidade e de outras manifestações culturais como uma forma de combater a forma de existir eurocentrica que nos massifica.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: Tem um narrador ou eu lírico que sempre utiliza em sua literatura?
DIOGO NÓGUE: Ainda não… mas gostei da ideia.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: O que também se faz palavras em seus escritos
DIOGO NÓGUE: Sons, cheiros, sabores, sonhos, medos e fantasmas.
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NOTAS DE ESCURECIMENTO: O que não foi perguntado porém você gostaria de abordar?
DIOGO NÓGUE: A ideia de Brasil é uma construção colonial e escravista que não enxerga negros e indígenas como cidadãos. Somente na constituição de 88 fomos adicionados, porém não estávamos lá para decidir de que forma. Ou seja, quanto custa para nós buscar se encaixar na literatura Brasileira? Não deveríamos estar pensando em nos definir não pela consequência do que fizeram de nós, mas por de onde viemos e o que fizemos de nós?
Uma literatura afro ou negro brasileira está ligada às dinâmicas do racismo, eurocentrismo e colonialismo. Como criar uma literatura africana da diáspora? E como imaginar um território que não repetimos os portugueses – excluindo e dominando os povos originários deste território. Mas que não aceitemos e validados as violências e genocídios a negros e indígenas que construíram esse lugar.
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