Está acontecendo em novembro e dezembro a 1° Mostra do cinema angolano, e o destaque fica para o filme “O Emigrante”.
Desembarcaram no Brasil na cidade de São Paulo, o cineasta, Levis Albano e a produtora e atriz Erica Chissapa, ambos angolanos, para apresentarem o filme “O Emigrante” na primeira mostra do cinema angolano em São Paulo.
Cineasta e diretor, Levis Albano.
Atriz e produtora, Erica Chissapa.
A Mostra iniciou-se no dia 23 de novembro com a apresentação do filme “O Emigrante” e segue até 09 de dezembro com vários filmes dirigidos por cineastas angolanos, entre eles, Além do amor, Kambas, Chaduka, Lastimável, Mwana Nkento, Mutu Mbi, Os separados, Weza e Kota.
O jornalista, William Lemos fez um bate papo com o cineasta, Levis Albano e a atriz e produtora, Erica Chissapa.
ENTREVISTA COM LEVIS ALBANO
O cineasta, Levis Albano e o jornalista, William Lemos.
W.L.: Levis, essa não é a primeira vez que vem a São Paulo, você já esteve aqui uma vez para fazer o lançamento do filme Mutu Mbi e agora está lançando o filme de autoria própria, que é “O Emigrante”. Fala um pouco desse filme, dessa ideia e da produção.
L.A.: Vamos começar falando de onde surgiu a ideia… eu vivo em Londres há muito tempo, e em 2016 tive uma conversa com alguém próximo lá na Escócia, a senhora chama-se Linn, eu já tinha uma ideia, queria escrever algo sobre imigração, mas nada envolvendo comboios, aviões, por que financeiramente não seria possível desenvolver uma produção dessa, pensei então num romance. Em 2017 comecei a escrever a historia, uma vaga ideia de como seria o romance, mas quando ouvi a historia da Linn, que ela fazia viagens de turismo para o Gambia, um país pequeno que faz fronteira com Senegal e ajudava as pessoas… lá ela conheceu esse tal rapaz e daí ajudou a chegar na Inglaterra, viveram juntos, casaram, ajudou as irmãs do rapaz, depois descobriu que a vida toda era uma mentira, a irmã do seu marido com que vivia não era irmã dele, era uma das mulheres e ainda assim na Gambia tinha outras três mulheres. Ele sempre queria ajudar as três irmãs que eram outras três mulheres no Gambia… essa historia comoveu-me muito e pedi autorização, eu disse ‘Linn, eu posso fazer desta historia um filme? Não será 90% daquilo que me contaste, mas pelo menos 50%’, comecei a fazer um twist and turns e pensei conhecendo outras historias também de muita gente de Cabo Verde, da Guiné-Bissau, alguns albaneses que eu conheço, até alguns russos, eu cresci como refugiado na Inglaterra, então estava dentro do asilo e lá tu perguntas as outras pessoas ‘Qual é o teu asilo?’ e eles respondem ‘Ah, estamos refugiados da guerra na Eslováquia’ ou ‘Minha mãe foi prostituta… ’ e tu começas a entender o que tira alguém do seu país pra ir viver no país do outro e qual é a história que tens que contar para ser aceito. Conhecendo toda essa cena, me inspirei para fazer O Emigrante do jeito que está, então é baseado em fatos reais, essa é só a primeira parte do filme, é muito longo, muitas coisas acontecem.
WL – O filme foi gravado em Portugal, por quê?
LA – Enquanto eu estava em Angola trabalhando a novela Mahinga, decidi fazer essa história. Neste período conheci a Erica que já morava em Lisboa em Portugal, eu a conheci a um ano antes de lançar o Mutu Mbi, conheci rapidamente, mas o meu espírito bateu, eu acho que tenho esse dom de conectar com pessoas que tem as mesmas energias que eu, disse ‘Vou tentar, vou ligar para a Érica ’, já tinha em mente que queria ela como atriz, mas depois de algumas conversas com ela percebi que ela não é só atriz, é muito forte. Os americanos com quem trabalhei os indianos, os nigerianos, eles não são só atores, eles são executivos, são diretores, são produtores, têm sempre uma porcentagem maior. Eu perguntei à Érica ‘Pelo talento que tens, não queres esse desafio?’ levou alguns dias, mas depois aceitou e desde que aceitou… acho que também mostrei algo à Érica , que não estou aqui para brincar… não há finanças? Não há um milhão e meio de dólares ou euros? Mas temos idéias, que valem mais que um milhão e temos que criar a nossa ponte. O filme foi gravado em Portugal pelo fato da historia ser sobre imigração e também pelo fato da Erica viver lá e ser um país que fala a língua portuguesa. Quero dizer também que o filme tem a parceria do produtor Antonio Mbuta (Gunosco) diretor de fotografia e também diretor executivo do filme, que fez a parceria com a sua produtora Gunosco Filme.
WL – Como é para um africano trabalhar em outro continente?
LA – Os africanos da cultura e da arte na Europa dependem muito do que os produtores de filmes europeus têm a oferecer, de qualquer forma quando oferecem algum personagem, não é algo de destaque, é sempre a empregada, o segurança, o motorista, aquela escravinha que está a limpar, nós precisamos ser protagonistas de nossas histórias, e isso depende de nós próprios, com ou sem qualidade. A Érica sendo alguém que só trabalhou em coisas de qualidade, aceitou, e ela própria tinha que dar essa qualidade que ela conhece à produção, foi um desafio grande pra ela, foi difícil, mesmo para encontrar uma equipe bem capacitada, financeiramente não estávamos capacitados para tal, tivemos que dar uma formação para algum pessoal que tinha vontade de fazer, mas tínhamos um diretor de fotografia que é alguém capacitado, tinha eu e a Érica com experiência que temos, carregamos a equipe… tivemos uma boa estilista e uma boa figurinista, uma brasileira por acaso. Começamos a gravar, a planificação estava boa, eram gravadas de 5 até 7 cenas por dia, foi tudo bem, adorei a experiência, foi super legal trabalhar com os atores, tivemos várias conversas ao telefone, muitas zoom calls, foi muito importante conhecer todos… acho que tudo que aconteceu para uma produção independente no budget, acho que deu tudo certo e estou feliz com a produção. Quero criar a conexão entre Angola/Brasil, Angola/Portugal, Angola/São Tomé, Angola e todos, quero fazer do Brasil minha segunda casa.
ENTREVISTA COM A ÉRICA CHISSAPA
O jornalista, William Lemos e a atriz e produtora, Erica Chissapa.
W.L.: Érica, primeiro eu quero que você fale um pouco sobre sua história.
E.C.: Bem! Nasci em Angola, mas vivo atualmente em Portugal. Comecei como atriz há 21 anos em Angola, tudo começou quando fui ver um ensaio de uma peça de teatro, entretanto a atriz que estava em palco ia errando o texto e eu sentada já tinha decorado o texto todo, fui falando e a convite do diretor subi para o palco para experimentar, muito tímida fui dizendo que não, mas eles insistiram e eu fui, para minha surpresa eu subi e nunca mais saí do palco. Comecei então com o teatro, e logo na minha segunda apresentação de um espetáculo sobre violência domestica, tinham na platéia apenas duas pessoas, e apresentei da mesma forma como se a sala estivesse cheia, mais uma vez para a minha surpresa essas duas pessoas foram quem me levaram para a televisão, eram atores já muito conhecidos, convidaram-me para fazer uma ficha na TPA, a Televisão Publica de Angola, em seguida convidaram-me para fazer figuração num filme, foram essas pequenas participações que me foram levando ate aonde cheguei.
WL – Quando foi a virada em sua carreira?
EC – O primeiro grande trabalho que fiz na TV foi logo como protagonista, sou conhecida como sendo a ‘Mocinha de Angola’. Fiz mais de quatro novelas como protagonista, como mocinha, entretanto até hoje as pessoas lembram-se da primeira novela que fiz em 2004, e a que fiz em 2008 que foi co-produção entre Brasil/Angola.
W.L.: Agora vamos falar sobre seu trabalho mais atual, O Emigrante, fala um pouco sobre a sua personagem.
E.C.: Bem, eu assumi os dois papeis, né? Enquanto produtora e enquanto atriz, eu faço a personagem Katula… Katula é que faz o par romântico com o Lukamba, ela sempre teve uma vida estável em Angola, vivia em Portugal para concluir os estudos e os pais tinham poder financeiro e iam financiando os estudos da Katula, ela inicia um relacionamento com Lukamba, um colega de faculdade para partilhar as despesas, só que os pais não sabiam, ou seja, os pais mandavam dinheiro para ela e ela ia dividindo o dinheiro com seu amado, só que em determinado momento a situação em Angola complica e os pais deixam de ter aquele poder financeiro e tentam convencê-la a voltar para Angola, só que ela já estava completamente apaixonada recusa-se a voltar para seu país de origem, por que não faz sentido deixar o seu grande amor, como ambos estavam habituados à vida fácil, em vez de embarcarem pelo caminho difícil que é começarem a trabalhar para obterem a residência, a ideia da Katula é que o Lukamba arranje uma namorada portuguesa para conseguir a legalidade… o resto do filme tem que assistir pra saber o que acontece com a minha personagem.
W.L.: Como você vê o mercado de filmes angolanos hoje?
E.C.: É preciso ter muita coragem e é preciso ter muito amor pela arte, muito amor pela produção para tu não desistir, ter muito amor pela indústria cinematográfica, se não logo a partir da pré – produção tu se deparas com as dificuldades e desiste. Por que tu não tens uma indústria, não tens um fomento, não tens uma indústria de ficção, ou seja, as grandes produções que iam sendo feitas ao longo dos anos faz 4 ou 5 anos que foram cortadas, tens pequenas produtoras independentes que vão produzindo, umas com mais poder financeiro e outras com menos, essas com menos poder financeiros são as que têm mais luta e mais dificuldade por que não existe fomento logo os investidores e empresários não acreditam, a maior dificuldade quando tu vais bater numa porta, tu apresentas um portfólio, o projeto todo que queres botar em pratica, tirar do papel, tu não obténs nenhuma resposta. Como arcar com as despesas todas se não tem apoio? Tu vais obtendo apoios, mas são apoios institucionais, tu vais poderes gravar num sitio ou num outro, mas a nível financeiro tu não tens, logo tu não vais poder exigir tanto para ter os melhores atores, pois não tens poder financeiro para pagar…
W.L.: Agora para finalizar, o que você diria para as meninas que querem ser atrizes em Angola?
E.C.: Para quem quiser entrar na área, principalmente as mulheres, invistam na capacitação profissional, não pense só na fama, por que existe uma diferença muito grande entre a fama e a profissão, é importante que tu ames, é importante que saibas efetivamente o que é que tu queres, que saibas que realmente é teu sonho e queres viver dele, e não entres para o meio por fama, por que fama acaba é difícil manter.
A 1° Mostra de Cinema Angolano SP 2023, conta com diversos locais de exibição que poderão ser vistos através do link WWW.instagram.com/casadeangolasp
A 1° Mostra de Cinema Angolano em São Paulo está sendo organizada e realizada pelo Centro Cultural Casa de Angola, tendo a sua curadoria feita pelo produtor angolano, Isidro Sanene.
Deixe um Comentário
Você deve logar para comentar